Aspergilose pulmonar invasiva aguda: aspectos de apresentação clínica e tratamento

O reconhecimento da ocorrência de aspergilose pulmonar invasiva é essencial para que o tratamento adequado seja estabelecido de forma precoce.

Doenças fúngicas invasivas estão associadas à alta mortalidade. Dentre elas, destaca-se a aspergilose pulmonar invasiva, causada por espécies de Aspergillus, um fungo filamentoso adquirido pela inalação de conídios. 

Em condições normais, o sistema imune é capaz de eliminar os conídios e impedir o estabelecimento de uma infecção. Entretanto, em situações, congênitas ou adquiridas, em que há falha nos mecanismos imunes envolvidos na resposta contra fungos, os conídios podem se desenvolver em hifas, capazes de invadir os tecidos e vasos sanguíneos subjacentes, podendo resultar em trombose, necrose e hemorragias ou em doença disseminada. 

O reconhecimento da ocorrência de aspergilose pulmonar invasiva é essencial para que o tratamento adequado seja estabelecido de forma precoce. Vamos agora discutir os principais aspectos da doença. 

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Aspergilose pulmonar

Epidemiologia 

Dados exatos sobre a ocorrência de aspergilose pulmonar invasiva são escassos, uma vez que não é uma doença de notificação obrigatória e que é subdiagnosticada. Estima-se que a incidência global seja de aproximadamente ao menos 300.000 casos/ano, mas acredita-se que o número real seja muito maior. 

Inicialmente, as definições de aspergilose pulmonar invasiva eram voltadas especificamente para pacientes onco-hematológicos. Dentro desses, dois grupos se destacam como particularmente sendo de alto risco: pacientes receptores de transplante de células hematopoiéticas e pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA), que estavam em regimes de quimioterapia que resultavam em períodos prolongados de neutropenia grave. 

Contudo, outras populações também vêm sendo identificadas como tendo maior risco de desenvolvimento de aspergilose invasiva, especialmente no contexto de cuidados intensivos. Três grupos se destacam nesse contexto: pacientes com DPOC descompensada, indivíduos com hepatopatia descompensada e casos de pneumonia viral grave. Um fator em comum entre esses pacientes é o uso de corticoterapia sistêmica, em algumas ocasiões, em altas doses. 

Para pacientes com DPOC, estimam-se taxas de incidência de aspergilose pulmonar invasiva variando de 1,13/1.000 a 3,6/1.000 admissões, com uma mortalidade estimada em 30 a 60% nos pacientes internados em CTI. Interessante notar que mesmo indivíduos com doença moderada, classificados como GOLD II, estariam, de acordo com resultados de alguns estudos, sob maior risco, quando tratados com corticoides. 

Em relação às hepatopatias, embora a maior parte das infecções fúngicas nessa população seja causada por Candida spp., infecções invasivas por Aspergillus spp. também apresentam importância, com uma mortalidade associada próxima a 70 a 100%, dependendo da série. Tanto hepatite alcóolica grave, quanto hepatopatias em estágio terminal, são consideradas como condições que predispõem ao desenvolvimento de doença fúngica invasiva. 

Infecções pulmonares virais também vêm sendo reconhecidas como fatores de risco para aspergilose pulmonar invasiva. As que mais se destacam são os quadros associados ao vírus Influenza (IAPA) e os associados à covid-19 (CAPA).

Tipicamente, casos de IAPA costumam ser precoces, com até 70% sendo identificados nas primeiras 48h de internação em CTI. Embora possa ocorrer em pacientes previamente hígidos, a maior parte apresenta pelo menos uma comorbidade. Mesmo com reconhecimento precoce, a mortalidade é alta, podendo chegar a 53%. Já os casos de CAPA são tipicamente mais tardios, com uma mediana de 6 a 8 dias de internação até o diagnóstico. Invasão de vasos sanguíneos é menos frequente do que em casos de IAPA, mas a mortalidade é semelhante. 

Apresentação clínica 

A infecção por Aspergillus spp. pode levar a um espectro de doença, passando desde colonização até doença disseminada. Embora indivíduos com trato respiratório colonizado não apresentem evidências de doença, eles estão sob maior risco de desenvolvimento de infecção invasiva na presença de imunossupressão e/ou de dano ao epitélio bronquiolar. 

Doença angio-invasiva é mais comumente observada em pacientes neutropênicos. Já os pacientes não-neutropênicos costumam se apresentar com mais invasão tecidual e cursos mais arrastados e com sintomas menos pronunciados. De forma menos frequente, podem desenvolver quadros de traqueobronquite invasiva, forma clínica considerada muito agressiva e que pode alcançar taxas de mortalidade maiores do que 80%, estando mais associada a quadros de IAPA (25 a 50% dos pacientes) e CAPA (10 a 20%). Geralmente, cursa sem sinais radiológicos típicos e o diagnóstico ocorre por meio de realização de broncoscopia, com presença de úlceras, nódulos, pseudomembranas e placas nas vias aéreas. 

Os sinais e sintomas podem variar grandemente, dependendo das características do hospedeiro e da forma clínica de apresentação. Entre eles, podemos citar: 

Características clínicas: febre, tosse não produtiva, dor pleurítica e hemoptise (sinal de angioinvasão). Pacientes em ventilação mecânica sem os fatores de risco clássicos podem apresentar piora da função respiratória ou febre sem causa definida apesar de terapia antibiótica. 

Características radiológicas: presença de nódulos com ou sem sinal do halo, sinal do crescente ou presença de cavitação dentro de uma área de consolidação são considerados como sinais indicativos de aspergilose invasiva na população de alto risco. Entretanto, em pacientes não neutropênicos, qualquer imagem pode estar presente. 

Ferramentas diagnósticas 

A visualização de hifas em tecidos com sinais de inflamação ou necrose ou o crescimento em cultura de amostras de locais estéreis de Aspergillus spp. ainda são considerados o padrão-ouro para o diagnóstico de infecção invasiva por esse fungo.  

As culturas de amostras de lavado broncoalveolar são consideradas uma boa evidência de doença dependendo do contexto clínico, mas não são sensíveis o suficiente para excluí-la. Já culturas de aspirado traqueal ou escarro devem ser avaliadas com cautela, pois resultados positivos podem representar somente colonização. Hemoculturas, mesmo em casos de doença disseminadas, costumam ser negativas. 

Outras ferramentas podem ser utilizadas, em conjunto com a apresentação clínica, avaliação de risco e achados radiológicos, como auxiliares no diagnóstico de infecção invasiva. 

Galactomanana: para um limite de 1,0, a sensibilidade e especificidade da galactomanana em amostras de lavado broncoalveolar é considerada adequada, mesmo em pacientes não neutropênicos. Níveis séricos > 1,0 em pacientes neutropênicos são muito sugestivos de doença angio-invasiva, mas podem ser tardios. 

Beta-1,3-D-glucana: por ser encontrada na parede celular de diversas espécies de fungos, apresenta baixa especificidade, não sendo recomendada para o diagnóstico de aspergilose pulmonar. Falsos-positivos também podem estar presentes com a administração de alguns antibitóticos, como carbapenêmicos e algumas cefalosporinas. 

Testes moleculares: o uso de testes de PCR vem crescendo e apresenta a vantagem de poder ser aplicado a diferentes amostras clínicas, como lavado broncoalveolar, sangue ou tecidos. Além disso, alguns kits podem detectar mutações associadas à resistência a azólicos em A. fumigatus. Entretanto, não diferenciam colonização de infecção. Resultados de estudos parecem mostrar que os testes moleculares teriam maior papel como testes confirmatórios do que de rastreio, devendo ser utilizados em conjunto com outros métodos.

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Tratamento 

O tratamento de aspergilose invasiva é baseado no uso de azólicos com ação contra Aspergillus spp., sendo voriconazol, isavuconazol e posaconazol aprovados para esse fim. Nos pacientes em que terapia com azólicos está contraindicada, anfotericina B é a alternativa de escolha. 

Devido ao grande potencial de interações medicamentosas e à presença frequente de condições que podem alterar as características de farmacocinética e farmacodinâmica dos azólicos, recomenda-se a monitorização de seus níveis séricos. O guideline da Infectious Diseases Society of America (IDSA) recomenda a dosagem sérica também em casos de doença grave – como em doença disseminada ou com comprometimento de sistema nervoso central (SNC) – e como parte da investigação de doença refratária, recidivante ou que ocorra em vigência de terapia com azólico. 

Todos os azólicos apresentam potencial hepatotóxico e, com exposição prolongada, de toxicidade de nervos periféricos. Voriconazol e posaconazol podem aumentar o intervalo QTc, enquanto isavuconazol pode encurtá-lo. O voriconazol também está associado a outros eventos adversos, como alucinações e distúrbios visuais, de forma transitória. 

A realização de procedimentos cirúrgicos, como terapia adjuvante ao tratamento antifúngico, pode ser considerada em casos de doença localizada que seja facilmente acessível, como em infecções de seios da face ou de pele. Além disso, deve-se considerar retirada cirúrgica de lesões isoladas em SNC ou de lesões pulmonares grandes e próximas a vasos sanguíneos. 

O tempo de tratamento não está completamente estabelecido. A IDSA recomenda um mínimo de 6 a 12 semanas, dependendo das características do paciente e da doença de base, como resposta clínica, reconstituição imune e recuperação de doença do enxerto vs. hospedeiro. Exames radiológicos de controle são recomendados a partir da 2ª semana de tratamento, uma vez que pode ocorrer piora das imagens na 1ª semana, com recuperação de neutropenia ou com reconstituição imune com redução de imunossupressores. O melhor momento deve ser avaliado e definido de forma individual. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Heylen J, Vanbiervliet Y, Maertens J, Rijnders B, Wauters J. Acute Invasive Pulmonary Aspergillosis: Clinical Presentation and Treatment. Semin Respir Crit Care Med. 2024 Feb;45(1):69-87. DOI: 10.1055/s-0043-1777769. Epub 2024 Jan 11.