Como abordar pacientes com leucemia mieloide aguda acometidos pela covid-19?

Um estudo avaliou pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) e covid-19 (diagnosticada por teste molecular).

Os pacientes portadores de doenças hematológicas foram prontamente incluídos pelas organizações mundiais de saúde em um subgrupo de risco para o desenvolvimento de formas graves da infecção pelo Sars-COV-2 logo no início da pandemia. No entanto, poucos estudos foram reportados até o momento descrevendo as características e desfechos dos pacientes com neoplasias hematológicas e diagnóstico de infecção pelo Sars-COV-2 por testes moleculares. Tampouco se sabe ainda qual a melhor estratégia terapêutica a se adotar diante de tal cenário, tendo em vista os múltiplos esquemas terapêuticos disponíveis e as diversas fases do tratamento envolvidas no cuidado ao paciente oncohematológico.  

Para tanto, um estudo multicêntrico (132 centros em 20 países) observacional utilizando-se de dados extraídos de um registro online aberto promovido pela European Hematology Association (EHA), que englobaria os pacientes acima mencionados foi estruturado para responder a essas dúvidas. Os pacientes deveriam ter leucemia mieloide aguda (LMA) e covid-19 (diagnosticada por teste molecular) ambas inseridas em critérios diagnósticos internacionais e confirmadas por especialistas. Os participantes registrados na EPICOVIDEHA (plataforma web based) deveriam ter > 18 anos e diagnóstico de LMA dentro de cinco anos precedentes ao diagnóstico do quadro infeccioso.  

paciente com leucemia mieloide aguda recebendo quimioterapia

Métodos 

Os pacientes analisados foram incluídos na plataforma e diagnosticados com covid-19 entre fevereiro de 2020 e outubro de 2021. Inicialmente 556 adultos com LMA foram elegíveis ao estudo. No entanto, 168 desses 556 (30,2%) foram excluídos por dados faltantes relativos ao tratamento. A mediana de idade da população foi de 59 anos, com 52,6% de homens compondo a amostra. Aproximadamente 61% dos pacientes apresentavam ao menos uma comorbidade. No momento do diagnóstico da COVID-19, 50,5% dos pacientes apresentavam doença controlada e 49,5% doença em atividade (20,4% primo-diagnóstico). Apenas 110 (28,3%) dos participantes não estavam em tratamento ativo, sendo 18 aguardando início de tratamento e 88 com doença em remissão após quimioterapia ou seguimento de longo prazo.  

O esquema de quimioterapia foi modificado em 44,8% dos pacientes. Dessa porcentagem, 60,9% tiveram seu tratamento completamente descontinuado enquanto 39,1% tiveram seu tratamento atrasado e reiniciado após um swab nasal negativo para Sars-Cov-2 (mediana de tempo para reinício de 1 mês). Ao diagnóstico 18,3% e 13,7% apresentavam neutropenia < 500/mm³ e linfopenia < 200/mm³, respectivamente. A covid-19 foi grave em 41,2% e crítica em 21,1% dos casos. 

Resultados 

Após um acompanhamento médio de 325 dias, 180 pacientes (46,4%) morreram. A morte foi atribuída a covid-19 em 43,3% dos casos, à LMA em 26,1% e a uma combinação de ambos em 26,7%.  

Doença ativa (HR 4,35; IC 95% 3,11 a 6,09), idade avançada (HR 1,02; IC 95% 1,01 a 1,04) e a descontinuação do tratamento (HR 4,27; IC 95% 2,37 a 7,69) foram associadas à morte na análise uni variada e multivariada, enquanto o atraso no tratamento da LMA foi protetor (HR 0,36; IC 95% 0,16 a 0,80) independente da fase do tratamento. Cabe aqui destacarmos um possível viés de seleção, uma vez que o adiamento da terapêutica foi decidido pelo médico assistente e provavelmente foi influenciado pela gravidade da LMA à apresentação e/ou performance status do paciente. Isso pode ter selecionado pacientes com doença menos grave e ter contribuído para o dado observado.  

Pacientes sem neutropenia ou linfopenia foram melhores que os seus pares portadores dessas alterações apenas na análise uni variada, o que contradiz até certo ponto a literatura. Os participantes que se encontravam no período de indução ou reindução (aqui foram incluídos os pacientes submetidos a transplante autólogo ou alogênico) apresentaram maior risco de morrer do que os pacientes em follow-up ou nas fases de consolidação do tratamento. Isso aparenta estar em linha com a toxicidade do tratamento e o grau de imunossupressão. 

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Comentários 

Ao contrário de outros relatos que mostram uma taxa de mortalidade aumentada para pacientes tratados com quimioterapia intensiva, os pesquisadores não detectaram diferenças significativas entre os pacientes que receberam diferentes esquemas de tratamento, incluindo aqueles baseados em agentes hipometilantes. No entanto, esses dados devem ser interpretados com cautela, considerando que esses pacientes podem ser mais velhos ou menos aptos quando a doença se desenvolveu.  

Pouco foi abordado com relação aos participantes com LMA e vacinados, no entanto houve uma ligeira tendência na melhora da sobrevida global naqueles pacientes que receberam ao menos uma dose da vacina.  

A sobrevida global foi utilizada como desfecho primário em vez de mortalidade atribuída à infecção por ser menos subjetiva na avaliação dos centros participantes, uma vez que em muitos casos o diagnóstico da causa imediata é dependente do profissional assistente.  

Outro dado interessante: a sobrevida global em pacientes com diagnóstico de covid-19 entre janeiro de 2020 e agosto de 2020 foi significativamente menor do que em pacientes diagnosticados entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021 e entre março de 2021 e setembro de 2021 (39,8% vs. 60% vs. 61,9%, respectivamente; P=0,006).  

Mensagem prática 

A melhor abordagem para melhorar a sobrevida foi adiar o tratamento da LMA, sempre que possível.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hanakova M, Zambrotta G, Sciumè M, et al. COVID-19 em pacientes adultos com leucemia mielóide aguda: um estudo de acompanhamento de longo prazo da pesquisa da European Hematology Association (EPICOVIDEHA). hematol [Internet]. 2022Mai12 [citado em 2023Jan.12];108(1):22-3.