A Academia Americana de Pediatria desaconselha o uso de telas antes de 18 meses de idade exceto para videochamadas. Estudos prévios mostram associações negativas entre o uso de telas entre seis meses e quatro anos de idade e o comprometimento da atenção e funções executivas, as quais influenciarão no aprendizado, na autorregulação, no desempenho acadêmico e na saúde mental.
Law e colaboradores publicaram um artigo no JAMA Pediatrics, em janeiro de 2023, que visou estabelecer a associação entre o uso de telas na idade 12 meses e sinais neurais conhecidos de pior controle atencional aos 18 meses, particularmente na banda de frequência Theta e na relação Theta/Beta, e então examinar se essas diferenças na atividade eletrocortical precoce contribuem para variações nos resultados de atenção e função executiva aos 9 anos de idade. Neste artigo, vamos destacar como foi feito esse estudo e suas principais contribuições.
Metodologia do estudo
Law e colaboradores fizeram um estudo de coorte díade mãe-filho prospectivo em Singapura que recrutou gestantes no 1º trimestre de gestação de junho de 2009 a dezembro de 2020 em dois dos principais hospitais públicos do referido país. Foi feito, ainda, um seguimento dos filhos das grávidas com avaliação do neurodesenvolvimento aos 12 meses e 9 anos de idade, e um eletroencefalograma (EEG) aos 18 meses de idade. Os dados foram relatados de 3 pontos de tempo nas idades de 12 meses, 18 meses e 9 anos. Análises de mediação foram usadas para investigar como a exposição a telas influenciava na construção dos circuitos neurais latentes de atenção e funcionamento executivo. Os dados para esse estudo foram coletados de novembro de 2010 a março de 2020 e analisados entre outubro de 2021 e maio de 2022. Foram colhidos, também, dados sociodemográficos.
Para as avaliações do neurodesenvolvimento foram administradas: (1) a Avaliação Neuropsicológica do Desenvolvimento, segunda edição (NEPSY-II), que incorporou os 3 principais componentes da função executiva, nomeando inibição, deslocamento e memória de trabalho; (2) foram obtidos dos professores escolares o checklist de problemas de Atenção no Comportamento Infantil (CBCL) e os Problemas Gerais de Controle Executivo escala do Behavior Rating Inventory of Executive Function, segunda edição (BRIEF-2).
O eletroencefalograma pode ser usado para identificar correlatos neurais de várias funções cognitivas como a atenção e a função executiva. Estudos prévios mostraram que um aumento nas potências de baixa frequência (ex.: onda teta lenta) e uma proporção relativa mais alta de potências teta para beta (relação teta/beta) são ambos correlatos neurais de pior controle de atenção. Aos 18 meses de idade, foi feito EEG de repouso por três minutos em uma sala mal iluminada e eletricamente blindada, com a criança sentada no colo do cuidador e olhando para as bolhas de sabão sopradas na sala. Os dados foram processados usando o canal de processamento automatizado de Harvard para EEG (HAPPE) incorporado ao processamento automatizado de EEG em plataforma lote.
A exposição a telas média diária das crianças foi obtida pelo relato dos pais do tempo total de horas de exposição durante toda a semana e dividido por 7 dias. Esse questionamento foi feito 5 vezes entre 12 e 54 meses de idade.
Resultados
A idade média no acompanhamento foi de 8,84 (0,07) anos e 227 crianças (51,9%) eram do sexo masculino. As características demográficas foram semelhantes nos grupos.
O tempo diário médio de tela foi de 2,01 (1,86) horas aos 12 meses. Após ajuste para covariáveis, o tempo de tela aos 12 meses foi independentemente associado aos 9 anos com a atenção relatada pelo professor, objetivamente medida, e função executiva. A renda familiar foi uma covariável significativa nos resultados baseados em tarefas.
Nos modelos de regressão, cada hora aumentada no tempo de tela foi associado a uma diminuição de 0,30 a 0,56 em pontuação escalonada de cada tarefa, o que equivalia a uma redução de 1,42 pontos de pontuação escalados (SD, 0,47) quando todos os 3 componentes de funções executivas foram contabilizados.
Sobre as avaliações do neurodesenvolvimento, não houve diferença significativa conforme tempo de uso de telas para problemas de atenção e problemas gerais de controle executivo nos relatos feitos pelos professores nas crianças mais expostas a telas. Já nas avaliações executivas de inibição, alternar o foco de atenção entre tarefas e uso de memória de trabalho, houve desempenho pior de forma significativa entre os mais expostos a telas.
Quanto à análise eletroencefalográfica, dividiram as crianças em quatro grupos conforme exposição diária a telas: inferior a 1 hora (n = 18), 1 a 2 horas (n = 55), 2 a 4 horas (n = 41) e superior a 4 horas (n = 15). Com o aumento do tempo de tela, a potência Theta relativa foi maior, o que se refletiu na relação Theta/Beta, o que geraria um pior desempenho nas funções executivas. Entretanto, o relato dos professores sobre a atenção e funções executivas não refletiu esse pior desempenho.
Limitações do estudo
Não foram identificados riscos cognitivos individuais e faltou a inclusão de influências contextuais como interação entre pais e filhos, e atividades de estimulação da linguagem.
Conclusão
O estudo de Law e colaboradores sugere que maior exposição a telas aos 12 meses de idade compromete negativamente o funcionamento executivo aos 9 anos de idade nas avaliações de neurodesenvolvimento, mas não houve diferença significativa nos relatos dos professores quanto a atenção e funções executivas. Não foram avaliados riscos cognitivos individuais, se as crianças receberam alguma terapia de estimulação de linguagem nem analisada a interação entre pais e filhos. São necessários mais estudos para verificar se realmente existe um nexo causal.