Terapia antirretroviral (TRV) e desfechos adversos em gestantes com HIV

Os novos regimes TRV apresentam menor associação a desfechos desfavoráveis na gestação, além de evitar a transmissão vertical do HIV.

A cada ano, cerca de 1,3 milhões de pessoas vivendo com HIV engravidam. Dessas, 1,1 milhões (85%) recebem TRV durante a gravidez, sendo a grande maioria moradoras de países de baixa renda ou em desenvolvimento. Um marco histórico (1994) foi o estudo do Pediatric AIDS Clinical TRials Group (PACTG) com o uso da zidovudina (ZDV) em monoterapia, que reduziu a taxa transmissão vertical de 25,5% para 8,3%.  

Com os novos regimes com três TRV em escala global, notou-se redução de 50% de infecções perinatais pelo HIV, saindo de 320 mil casos em 2010 para 160 mil casos em 2021.  

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Os regimes TRV na gestação, em geral, são oferecidos tardiamente em relação às pessoas não grávidas que vivem com HIV, já que demandam trials que dificilmente incluem gestantes. Assim gestantes em geral recebem esquemas terapêuticos mais antigos do que pessoas não grávidas atualmente usam. Além disso, na gravidez múltiplos fatores interferem na biodisponibilidade das drogas como farmacocinética, eficácia virológica, segurança, efeitos colaterais, resistência da droga, dosagem adequada, custo e disponibilidade. Como visto acima o regime com três TRV tem se mostrado efetivo em evitar a transmissão vertical do HIV.  

Assim, com objetivo de avaliar os regimes mais atuais durante a gravidez um trabalho de janeiro de 2023 publicado no New England Journal of Medicine fez uma revisão sobre as TRV utilizadas durante a gravidez principalmente em países de baixa renda e em desenvolvimento.  

Com relação às pesquisas a limitação reside que estudos na gestação são em geral observacionais e anos após o registro das drogas. Outro fator pouco avaliado em trabalhos anteriores são os desfechos. A maioria anterior atentava apenas para a prevenção da transmissão vertical. Nesse trabalho do NEJM mais novo foram avaliadas as perdas fetais, partos prematuros, restrição de crescimento, pequenos para idade gestacional e baixo peso ao nascer e possível correlação com as TRV.

Terapia antirretroviral (TRV) e desfechos adversos em gestantes com HIV

Terapia antirretroviral (TRV) e desfechos adversos em gestantes com HIV

TRV e o aborto 

Em resumo, os efeitos das várias classes de TRV no primeiro trimestre permanecem obscuras. Estudos mais elaborados comparando as drogas e esquemas terapêuticos precisam ser feitos para avaliar melhor a situação.

Morte intrauterina e natimortalidade 

Metanálises de estudos pré-TRV mostravam altas taxas de natimortos. Os estudos com as novas drogas TRV mostraram uma redução, mas não eliminaram a possibilidade de natimortalidade em comparação com pessoas que não convivem com HIV. As taxas são menores com regimes com efavirenz ou dolutgravir em combinação com lamivudina. A relação entre a época de início da TRV e a natimortalidade permanece incerto.  

Duas coortes grandes (Irlanda e Reino Unido e Malawi) com mais de 18mil mulheres vivendo com HIV não mostraram qualquer associação com época de início da TRV. Outro estudo em Botswana observacional também não mostrou associação; em contraste um estudo pequeno (PROMISE – na África subsaariana) mostrou correlação com uso das novas TRV com natimortalidade.

TRV e o parto prematuro 

Dados pré TRV mostravam pessoas vivendo com HIV tinham mais que 2x chances de parto prematuro (<37 semanas) em relação pessoas sem HIV (21,1% vs 9,4%; p < 0,001). Maioria dos novos estudos mostrou aumento desse risco com drogas como lopinavir e ritonavir principalmente. Estudando os mais prematuros (<34 semanas) essa observação permanece também com as mesmas drogas. O efeito da época em que se iniciam as drogas ainda incerto, mas o resultado, parto prematuro, é relevante. 

Pequeno para idade gestacional  

Uma metanálise de 34 coortes mostrou que regimes com inibidores de protease associaram-se a maior risco de desfecho com RN’s pequenos para idade gestacional em comparação com regimes sem os inibidores de proteases (RR 1,24; IC 95%; 1,08 – 1,43). Os dados em relação momento da introdução e correlação com o desfecho ainda são conflitantes.  

Mortalidade neonatal 

Em um estudo mais recente a mortalidade neonatal foi significativamente maior com o esquema TRV EFV-FTC-TDF do que outros. Os mecanismos ainda são obscuros que levam a esses eventos. 

Anomalias congênitas 

Estudos para demonstrar essa correlação precisam de muitas pessoas expostas no começo da gravidez para evidenciar. Por exemplo, se um mal formação tem prevalência de 3% numa população precisamos de 200 exposições no começo da gravidez para demonstrar impacto com aumento de 2x na prevalência. Se anomalia for mais rara, como 0,1% (defeitos tubo neural p. ex.) precisamos de 2000 exposições para observar fator de impacto 3.  

Teratógenos verdadeiros são muito raros. EFV e DTG merecem menção especial por um estudo em primatas não humanos sugerindo a possibilidade de defeitos S NC. Deve-se considerar também o benefício da droga para o binômio materno-fetal em detrimento das raras mal formações.  

Efeitos da TRV na saúde materna 

Os efeitos são semelhantes às mulheres não gravidas. O ganho de peso tem bastante relação com DTG como base TRV. Grandes estudos observacionais de Botswana mostraram quando se inicia regimes com EFV nenhum grupo teve ganho excessivo de peso na gravidez em comparação com pessoas sem HIV.  

Diabetes gestacional 

A gestação por si tem aumento da resistência à insulina e intolerância a glicose. Em um estudo multicêntrico com 1407 gestantes vivendo com HIV a prevalência de diabetes gestacional foi de 4,6% com inibidores de protease como base da TRV em comparação a 1,7% com outros regimes. Ainda temos dados limitados com os inibidores de protease de segunda geração e sua relação com diabetes gestacional. 

TRV e doença hipertensiva da gravidez 

Estudos até 2015 com metanalises não notaram relação com elevação de pressão arterial e TRV. Já uma revisão em 2019 com 28 estudos mostrou um aumento de risco principalmente com os inibidores de protease mais antigos (lopinavir – ritonavir em especial). 

Depressão pós-parto 

Pessoas vivendo com HIV tem mais sintomas depressivos durante a gravidez e no pós-parto em relação àquelas sem HIV. Alguns agentes (EFV e menos frequentemente DTG) tem sido associado a risco de depressão e ideação suicida em adultos.  

Leia também: FDA aprova novo antirretroviral para terapia de resgate em pacientes com HIV.

Mensagem final 

Os novos regimes têm menos associações a desfechos desfavoráveis (natimortos, parto prematuro, hipertensão ou depressão pós-parto, por exemplo) em comparação com os regimes mais antigos. Por isso, as gestantes devem começar ou continuar tratando com regimes TRV preferenciais ou alternativos que resultem na supressão viral e tenham associação com a menor possiblidade de efeitos colaterais conhecida.  

Os estudos de farmacovigilância continuam, novas drogas aparecem e as gestantes devem ser inseridas de forma a serem testadas como grupo com possíveis vantagens para receber drogas mais novas e eficientes, em vez de esperar por anos até sua liberação durante a gestação. Enquanto isso, os profissionais de saúde que lidam com gestantes devem monitorizar as cargas virais para controle no pré-natal continuamente.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Antiretroviral Therapy and Adverse Pregnancy Outcomes in People Living with HIV  C. Eke and Others. N Engl J Med 388:344, January 26, 2023