Cerca de um terço da população mundial possui alterações metabólicas em decorrência de hábitos de vida inapropriados, como consumo excessivo de alimentos hipercalóricos ultraprocessados, uso indiscriminado de antimicrobianos, sedentarismo, etilismo e tabagismo. Observa-se nos últimos anos um aumento expressivo na prevalência de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), obesidade e doenças cardiometabólicas. Nesse contexto, diversos estudos têm demonstrado que a microbiota intestinal está envolvida no desenvolvimento de doenças metabólicas.1,2 Entretanto, a relação causal entre a composição da microbiota intestinal e a homeostase energética é complexa, devendo ser consideradas variáveis como idade, dieta e arcabouço genético, as quais influenciam diretamente essa relação.3 Elementos presentes na microbiota têm a capacidade de converter fibras e nutrientes complexos em substâncias que podem ser absorvidas pelo organismo, além de estimular a proliferação do epitélio intestinal e secretar substâncias bioativas capazes de regular o metabolismo por meio do eixo cérebro-intestino.3
Sabe-se que a composição da microbiota intestinal é única para cada indivíduo, em parte devido à influência considerável entre as exposições ambientais e a genética do hospedeiro. Em geral, comunidades microbianas intestinais saudáveis são caracterizadas por alta diversidade taxonômica e alta riqueza gênica microbiana. A microbiota interage com as células epiteliais intestinais, regulando a abundância de metabólitos, como ácidos graxos de cadeia curta, neurotransmissores e ácidos biliares secundários, mantendo estado metabólico periférico, além de regular o eixo cérebro-intestino, com modulação do sistema nervoso central. A disbiose relacionada a doenças metabólicas poderia ser potencialmente manipulada pela suplementação de probióticos, os quais, segundo a Organização Mundial de Saúde, são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem algum benefício para a saúde.4
Obesidade
A microbiota colônica degrada polissacarídeos não digeríveis, o que resulta na liberação de ácidos graxos de cadeia curta, tais como acetato, propionato e butirato. Além de serem a principal fonte de energia para as células intestinais, os ácidos graxos de cadeia curta atuam como sinalizadores, ligando-se aos receptores GPR41 e GPR43, o que resulta na estimulação da secreção de hormônios relacionados a saciedade, como GLP-1 e peptídeo YY. Os ácidos graxos de cadeia curta também atuam nos adipócitos, onde são capazes de estimular a liberação de leptina e aumentar a quebra de gordura, contribuindo ainda mais para a supressão do apetite.3 Dessa forma, a desregulação da microbiota intestinal tem impacto direto no controle do apetite/saciedade.
A microbiota intestinal é anômala na obesidade. Estudos com gêmeos mostraram que a abundância de produtores de ácidos graxos de cadeia curta, como Eubacterium ventriosum e Roseburia intestinalis, está associada à obesidade, enquanto produtores de butirato, como Oscillospira spp. e a arquéia metanogênica Methanobrevibacter smithii, podem estar associados à magreza.1 Interessantemente, o transplante de microbiota intestinal de humanos obesos ou magros para camundongos assépticos, transfere o fenótipo do doador humano para o animal receptor, reforçando o possível papel da microbiota na expressão desse fenótipo. Estudos em camundongos obesos demonstraram que a suplementação de Lactobacillus rhamnosus PL60 leva à perda de peso sem alterar a ingestão alimentar, provavelmente devido ao efeito antiobesidade do ácido linoleico conjugado, um metabólito do L. rhamnosus PL60.6 Em humanos, a suplementação de probióticos foi capaz de induzir a perda de peso, promover um aumento da sensação de saciedade e reduzir o estado pró-inflamatório, em alguns estudos randomizados, especialmente com Lactobacillus.1,5 Um estudo canadense com adultos obesos demonstrou ainda capacidade do L. rhamnosus combinado a oligofrutose e inulina, de impactar à saciedade, humor e comportamento alimentar de mulheres, o que reforça o papel do eixo cérebro-intestino no controle do apetite e manejo da obesidade.7
Diabetes mellitus
Pacientes com DM2 e pré-diabetes apresentam alteração da microbiota intestinal. A presença de Bifidobacterium, Bacteroides, Ackermann e Rosegrass estão negativamente correlacionados com DM2, enquanto Ruminococcus, Clostridium e Brucella se associam à maior risco.1 A microbiota intestinal pode influenciar a permeabilidade intestinal através de uma reprogramação transcricional dependente de GLUT2 das células epiteliais, permitindo que produtos bacterianos e seus metabólitos entrem na corrente sanguínea e induzam a produção de citocinas pró-inflamatórias. Em condições inflamatórias, o tecido-alvo para o catabolismo da insulina torna-se disfuncional e a sensibilidade à insulina é gradualmente reduzida, o que culmina no desenvolvimento de resistência à insulina.1
Sanborn e colaboradores, em uma meta-análise de quarenta e seis ensaios clínicos randomizados (3067 participantes), evidenciou que a suplementação de probióticos e simbióticos reduz significativamente a glicemia de jejum (diferença média ponderada (WMD): -11,18 mg/dl, IC 95%: -13,60, -8,75, p ˂0,001), o nível sérico de insulina em jejum (WMD: -1,23 µIU/ml, IC 95%: -1,76, -0,71, p ˂0,001), hemoglobina A1c (WMD: -0,35%, IC 95%: -0,44, -0,26, p ˂0,001) e o índice de resistência à insulina pelo modelo homeostático de avaliação (HOMA-IR) (WMD: -0,87, IC 95%: -1,09, -0,65, p ˂0,001).8 Além disso, um estudo preliminar com Lactobacillus rhamnosus GG revelou potencial para controle de alterações glicêmicas em adultos de meia idade e idosos ao longo do tempo.9
Doenças cardiometabólicas
Um estudo de associação metagenômica em amostras fecais de pacientes com doenças cardiometabólicas demonstrou que o microbioma intestinal desses indivíduos, sem ajustes para comorbidades, apresenta maior abundância de Enterobacteriaceae, incluindo Escherichia coli, Klebsiella spp. e Enterobacter aerogenes, bem como de espécies da cavidade oral, quando comparados a pessoas saudáveis. Por outro lado, há uma redução na abundância de Bacteroides spp. e da espécie anti-inflamatória Faecalibacterium prausnitzii.10 Recentemente, foi demonstrado que a insuficiência cardíaca isquêmica está associada a um aumento na abundância de Ruminococcus, Acinetobacter e Veillonella spp. e diminuição na abundância de Alistipes, Faecalibacterium e Oscillibacter spp. Em conjunto, esses estudos apontam para um microbioma mais inflamatório e menos fermentativo em pacientes com doenças cardiometabólicas.2
Uma metanálise, incluindo 54 ensaios clínicos randomizados, demonstrou que a suplementação de probióticos e/ou simbióticos, é capaz de impactar vários fatores relacionados às doenças cardiometabólicas, como peso (WMD: -0,38, IC 95%: -0,63 a -0,12 kg), triglicérides (WMD: -19,08, IC 95%: -27,65 a -10,51 mg/dL), colesterol total (WMD: -10,46, IC 95%: -15,19 a -5,72 mg/dL), LDL (WMD: -4,87, IC 95%: -7,65 a -2,09 mg/dL), HDL (WMD: -2,70, IC 95%: 1,33-4,07 mg/dL), pressão arterial sistólica (WMD: -3,81, IC 95%: -6,24 a -1,38 mmHg) e pressão arterial diastólica (WMD: -2,01, IC 95%: -3,12 a -0,91 mmHg). Na análise de subgrupos, a suplementação de probióticos e/ou simbióticos resultou em uma mudança maior nos componentes do perfil lipídico de pacientes com DM2.11 Outra metanálise revelou que o consumo de probióticos ou simbióticos pode ser uma intervenção útil para melhorar os resultados cardiometabólicos por meio da redução da inflamação e do estresse oxidativo em pacientes com pré-diabetes e diabetes tipo 2, com diminuição significativa nos níveis de proteína C reativa e fator de necrose tumoral-α, e aumento nos níveis de glutationa, capacidade antioxidante total e óxido nítrico.12
Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA)
A disbiose intestinal pode ser um dos vários fatores cruciais na fisiopatologia da esteatose hepática não alcoólica e esteatohepatite não alcoólica (NASH), contribuindo para a endotoxemia portal. Indivíduos com DHGNA apresentam maior abundância de Clostridium, Anaerobacter, Streptococcus, Escherichia e Lactobacillus, enquanto Oscillibacter, Flavonifaractor, Odoribacter e Alistipes spp. são menos abundantes. Por outro lado, a abundância de Proteobacteria, Enterobacteriaceae e Escherichia spp. é elevada em pacientes com NASH.1 Em um ensaio clínico randomizado e controlado, envolvendo 50 pacientes com NASH comprovado por biópsia, os pacientes que receberam Lactobacillus reuteri com goma guar e inulina por três meses, além de aconselhamento nutricional, apresentaram redução da esteatose, perda de peso, diminuição do índice de massa corporal e da circunferência da cintura.13
Mensagens para casa
A microbiota intestinal é capaz de influenciar o metabolismo energético do organismo e modular o eixo cérebro-intestino. Embora haja evidências crescentes que sugerem que os probióticos possam ter benefícios no tratamento da obesidade e outras doenças metabólicas, é importante destacar que ainda há muitas questões a serem resolvidas. Entre elas, estão as cepas específicas de probióticos que são mais eficazes em cada condição, as doses e duração ideais do tratamento, bem como os mecanismos exatos pelos quais os probióticos podem melhorar a saúde metabólica.