Os quadros álgicos com abordagem da dor não-oncológica correspondem a uma grande parcela nos atendimentos médicos tanto hospitalares, quanto ambulatoriais. De maneira consonante a esses dados, o número de prescrições de analgésicos potentes, principalmente os opioides, apresenta-se em constante crescente, sendo que o número de pacientes em utilização dessa classe quase dobrou na última década1.
O uso de opioides e seus impactos
A despeito de serem uma importante classe medicamentosa, com melhora exponencial na qualidade de vida de muitos pacientes, o abuso dessas medicações, bem como os efeitos colaterais e risco de dependência, alarmam sociedades médicas com base em dados epidemiológicos2.
Estima-se que mais de 700 mil estadunidenses tenham perdido a própria vida devido ao abuso de drogas. Desse total, mais de 70% ocorreram devido ao abuso de opiáceos3. Esses dados representam se caracterizam por três fases distintas4-8:
- Uma primeira onda, definida pelo aumento no número de prescrições da classe nos anos 90 (opiáceos naturais, semissintéticos e metadona);
- A segunda onda, 2010, definida pelo rápido número de overdoses envolvendo heroína;
- E uma terceira onda, iniciada em 2013, com crescimento no número de usuários de opioides sintéticos, relacionada particularmente à fabricação ilícita e clandestina principalmente de fentanil;
Em razão desses fatos, estabelecer políticas de saúde pública que envolvam o melhor manejo e correto uso dessas medicações, faz com que haja uma redução do número dos desfechos negativos. Dentre as estratégias médicas possíveis de serem utilizadas destacam-se:
- evitar a progressão de dose;
- reduzir o uso em pacientes com dor crônica;
- limitar o tempo de tratamento, bem como reduzir as doses iniciais; e
- promover tratamentos alternativos à dor9.
Uma alternativa para o uso analgésico de opioides fortes
Nesse cenário, a Cannabis medicinal torna-se uma alternativa plausível, visto o uso na abordagem de dor crônica, principalmente nos quadros de dores neuropáticas10,11.
Em um estudo publicado no periódico JAMA12, o grupo de pesquisa avaliou as taxas de overdose por opioides em estados norte-americanos com legislações com cannabis medicinal.
O estudo incluiu o número de mortes relacionadas ao abuso de opiáceos (por meio do CID – código internacional de doenças) entre os anos de 1999 e 2010, nos diversos estados estadunidenses, por meio de dados do CDC (Centers of Disease Control and Prevention).
Os dados foram analisados realizando regressão linear e ajustados para variáveis de confusão. A taxa média de mortalidade por overdose de analgésicos opioides ajustada à idade aumentou nos estados com e sem leis de Cannabis medicinal durante o período
do estudo. Entre os anos 2009 e 2010, a taxa em estados com leis a favor do uso medicinal da planta pareceu se estabilizar, atingindo um platô.
Após ajustes, essas análises demonstraram a uma taxa anual média 24,8% menor de mortes por overdose de analgésicos opioides (IC 95%, -37,5% a -9,5%; P =0,003) em comparação com estados sem leis que regulamentam o uso medicinal de cannabis. Em números, isso se traduz a uma estimativa de menos 1.729 mortes, levando em consideração o número de óbitos em 2010. (IC 95%, 549 a 3.151). Sendo assim, as leis de cannabis medicinal foram associadas a taxas mais baixas de mortalidade por overdose de analgésicos opioides, com benefício cumulativo ao longo de 6 anos (-33,3%; IC 95%, -44,7% a -19,6%; P < .001)12
Perspectivas da regulamentação do uso analgésico de cannabis
Esses resultados confirmam que os estados analisados com leis voltadas para Cannabis medicinal tiveram menores taxas médias de mortalidade por overdose de analgésicos opioides em comparação com estados sem essas leis.
Esse achado manteve-se ao excluir mortes por overdose intencional. Isso sugere que a regulamentação do uso medicinal está associada a uma menor mortalidade por overdose de analgésicos opioides entre indivíduos que usam o medicamento por indicações médicas.
Vale ressaltar que cerca de 60% dos pacientes com indicação ao uso de opioides e que possuem prescrições médicas para tal, poderiam se beneficiar da prescrição da Cannabis medicinal, uma vez os resultados promissores no tratamento de dor com tal terapêutica13,14. Por fim, o estudo12 levanta que o uso da cannabis medicinal poderia reduzir a polifarmácia, como o uso de benzodiazepínicos, com consequente redução no risco de overdose.
2 abr. 2024 
4 min. 
