Cannabis medicinal para transtornos psiquiátricos: o que temos de evidências?

Na psiquiatria, acredita-se que a cannabis medicinal possua efeito antipsicótico, antidepressivo, ansiolítico, antifissura e pró-cognitivo.

A publicação (e sua posterior suspensão) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) da Resolução CFM Nº 2.323 que restringia o uso de remédios à base de canabidiol (CBD) ao tratamento de epilepsias da criança e do adolescente (síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut, complexo da esclerose tuberosa) refratárias às terapias convencionais deu evidência no debate público ao uso de cannabis medicinal e tem sido cada vez mais frequente os pacientes ativamente demonstrarem interesse em seu uso para condições diversas. Com a suspensão da resolução, fica a cargo de cada médico recomendar o tratamento.

Leia também: O uso do canabidiol na população pediátrica

Sabe-se que CBD tem uma ampla variedade de efeitos farmacológicos e um grande espectro de possíveis usos clínicos. Apesar de muito publicitizado seu uso potencial, até o momento sua efetividade foi provada em poucas situações clínicas, como epilepsia, espasticidade na esclerose múltipla, dor crônica e náuseas e vômitos intratáveis induzidos por quimioterapia. Na psiquiatria, acredita-se que o CBD possui efeito antipsicótico, antidepressivo, ansiolítico, antifissura e pró-cognitivo, apesar da falta de evidências confiáveis.

Cannabis medicinal para transtornos psiquiátricos

Ansiedade

O efeito ansiolítico (e antidepressivo) pode ser em parte mediado através do efeito do CBD no receptor serotoninérgico 5-HT1A. Dois ensaios clínicos randomizados avaliaram o uso de CBD agudamente em pacientes com transtorno de ansiedade social. Em ambos os estudos o uso de uma única dose de CBD antes da exposição social diminuiu os níveis de ansiedade e o medo de falar em público. Ambos os estudos continham amostras pequenas e seus dados precisam ser interpretados com parcimônia. Não há ensaios clínicos em humanos para tratamento de transtorno de ansiedade generalizada.

Depressão

Não há ensaios clínicos randomizados conduzidos com depressão como desfecho primário.

Transtorno de estresse pós-traumático

Existe um ensaio clínico randomizado duplo cego comparando o impacto de três preparações de cannabis fumada com diferentes concentrações de CBD e tetra-hidrocanabinol (THC). O estudo foi realizado com dois estágios, o primeiro dele com 80 participantes, onde foi realizado 4 intervenções – THC+CBD, high THC, high CBD e placebo, seguido de duas semanas de washout, e nova randomização para três grupos de intervenção (THC+CBD, high THC, high CBD), com 74 participantes. Não houve diferença nos sintomas de TEPT entre os grupos comparados.

Transtornos psicóticos

Um estudo comparando CBD e amissulprida em pacientes com esquizofrenia em exacerbação aguda mostrou após 4 semanas de intervenção que ambos os tratamentos reduziram igualmente os escores na Escala das Síndromes Positiva e Negativa (PANSS) e na Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica – BPRS, com melhor perfil de efeito colateral para o CBD. Outro ensaio clínico randomizado avaliando 88 pacientes psicóticos crônicos com resposta parcial avaliou o uso de CBD (1.000 mg/d) como terapia de potencialização a terapia antipsicótica usual e o grupo CBD mostrou uma redução de sintomas positivos na PANSS, mas não de sintomas negativos.

Por fim, um ensaio clínico com 36 pacientes crônicos com diagnóstico de esquizofrenia não evidenciou alteração em sintomas psicóticos avaliados pela PANSS nem em sintomas cognitivos avaliados na Bateria Cognitiva Consensual MATRICS (MCCB).

Saiba mais: Cannabis na prática clínica: além da epilepsia

Transtorno do espectro do autismo (TEA)

Foi realizada uma revisão sistemática nove ensaios clínicos e estudos de caso sobre o uso de cannabis em pacientes com transtorno do espectro do autismo (TEA). Alguns estudos evidenciaram redução do número e intensidade de diferentes sintomas, incluindo hiperatividade, automutilação e acessos de raiva, distúrbios do sono, ansiedade, inquietação, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade e depressão. Além disso, eles encontraram uma melhora na cognição, sensibilidade sensorial, atenção, interação social e linguagem. Os efeitos adversos mais comuns foram distúrbios do sono, inquietação, nervosismo e alteração no apetite. Apesar dos achados promissores, são necessários estudos randomizados, cegos e placebo controlado para melhor elucidação dos efeitos da cannabis e do cannabidiol nos pacientes com TEA.

Conclusão

As evidências disponíveis no momento não fornecem suporte probatório convincente para o uso em qualquer condição em saúde mental. A evidência mais promissora, embora inconclusiva, é para o uso de CBD como tratamento adjuvante em esquizofrenia.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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