Ceratocone: o que a última revisão publicada fala sobre histopatologia e etiologia?

Uma revisão publicada na Contact Lens and Anterior Eye em janeiro de 2022 atualiza os conceitos sobre ceratocone.  

Uma revisão publicada na Contact Lens and Anterior Eye em janeiro de 2022 atualiza os conceitos sobre ceratocone.

Olho humano com princípio de ceratocone, servindo de exemplo no mês de conscientização da doença, junho violeta

Histopatologia da ceratocone

Todas as camadas da córnea sofrem alterações histopatológicas no ceratocone, o que é mais pronunciado na córnea central. Nas formas iniciais apenas a córnea anterior (epitélio, camada de Bowman e estroma) parece ser comprometida. Existe uma controvérsia sobre quando o endotélio é afetado no ceratocone já que muitos pacientes com ceratocone usam diferentes tipos de lentes de contato, o que poderia também alterar a morfologia endotelial. Apesar do afinamento do epitélio ao redor da região apical do cone ser creditado como a alteração histopatológica mais comum, alguns estudos não mostram alteração significativa ou até um aumento na espessura.

Apenas um estudo mostra que o afinamento é correlacionado negativamente com a gravidade da doença, os outros mostram que a espessura está associada com rupturas da lamina limitante anterior. O interessante é que a localização do ponto mais fino não correspondeu com a localização da curvatura máxima axial e tangencial ou da elevação máxima anterior ou posterior, mas todos esses pontos são tipicamente localizados na córnea temporal inferior. O ponto de curvatura máxima seria portanto próximo a área de maior afinamento.

O epitélio pode ter degeneração das células basais, com arranjos irregulares e uma diminuição da densidade de células. Podem ocorrer rupturas do epitélio com acúmulo de ferritina dentro e entre as células. Depósito superficial de ferro também pode ocorrer. A visibilidade aumentada de nervos corneanos no plexo nervoso corneano subbasal, localizado entre o epitélio e a lâmina limitante anterior, como resultado de afinamento corneano é algumas vezes visto em pacientes com graus diferentes de gravidade. Os olhos com ceratocone tem diminuição da inervação corneana, sensibilidade e densidade epitelial basal e subbasal em comparação com olhos normais, com a densidade dos nervos subbasais centrais correlacionado a gravidade da doença.

Rupturas da lamina limitante anterior são os sinais histopatológicos mais comuns afetando 7 em 10 olhos. A arquitetura bem organizada do estroma corneano, que é responsável pela transparência da córnea, fica comprometida no ceratocone. Essas córneas também tem uma diminuição do número de lamelas. Existe um rearranjo das lamelas de colágeno de acordo com a protrusão da córnea. A alternância de bandas claras e escuras que é mais comumente vista no estroma posteriir também ocorre nesses pacientes. Essas bandas que são lamelas de colágeno sob stress, correspondem a aparência das estrias de Vogt na biomicroscopia. Rupturas e deformidades da limitante posterior acontecem em 1 a cada 5 olhos. As rupturas permitem que o aquoso entre no estroma e epitélio, causando a hidropsia corneana aguda. Apesar de vários estudos mostrarem endotélio sem alteração com a evolução da doença, um estudo reportou um aumento pequeno na densidade das células endoteliais e outros dois uma diminuição importante na densidade de células principalmente em cones moderados a graves.

Etiologia

Em relação a etiologia, o progresso é uma combinação de processos de destruição e cicatrização que ocorrem simultaneamente.  O ceratocone sempre foi considerado uma doença com componente genético por causa da associação com outras síndromes genéticas (down, leber, ehlers danlos e nooman) e por causa da prevalência em parentes de primeiro grau e gêmeos monozigóticos. Um parente de um indivíduo com ceratocone tem 15 a 67 vezes maior risco de desenvolver a doença do que um indivíduo sem história familiar. O ceratocone segue um modo de herança aparentemente autossômica dominante/ recessiva em algumas famílias. Porém os casos esporádicos não tem padrão de herança. Loci em 73% (16 de 22) dos cromossomas autossômicos estão envolvidos no ceratocone. Apenas um locus isolado (5q21.2) reapareceu nos múltiplos estudos, sugerindo que pode ser uma doença poligênica (2 ou mais genes afetados para desenvolver a doença). O ceratocone é uma doença multifatorial com multiplos fatores genéticos que junto com outros fatores a influenciam. Pode ser inclusive uma variedade de doenças que manifestações similares.

Em relação a bioquímica, 117 proteínas são implicadas na fisiopatologia. Marcadores de estresse oxidativo e antioxidantes estão desregulados no ceratocone, envolvendo um desbalanço da homeostase redução-oxidação na lágrima, córnea, humor aquoso e sangue. O ceratocone está associado a um aumento dos marcadores oxidativos e diminuição dos antioxidantes. A degeneração de proteoglicanos ao redor das fibrilas de colágeno estromais levam a ruprura e degeneração das microfibrilas. Isso gera redução do diâmetro das fibrilas de colágeno e a redução do número e distribuição diferente das lamelas são biomecanicamente mais fracas e susceptíveis a deformação. Polimorfismos das enzimas antioxidantes agem como preditores independentes de gravidade do ceratocone, mas devido ao insulto mecânico, participam do estresse oxidativo na patogênese da doença. A rigidez da mateiz que regula a fisiologia das células e tem um papel importante na manutenção da homeostase está alterada no ceratocone. Existe uma conexão entre endocitose e rigidez da matriz no ceratocone o que pode explicaro link entre fatores mecânicos e bioquímicos.

Outra questão discutida é que as lentes de contato rígidas foram associadas ao desenvolvimento de ceratocone como resultado da alteração da morfologia das células. Nesta revisão, parece improvável que o uso de lentes de contato consiga deflagrar o desenvolvimento de ceratocone.
Em relação aos fatores de risco, alguns foram associados ao aumento do risco de desenvolvimento de ceratocone. A alergia/ atopia tem grande maioria dos estudos demonstrando associação, com prevalência de 11 a 30%. Outra forte associação é o ato de coçar os olhos. Um mediador comum desses fatores de risco maiores é a imunoglobulina E, que foi identificada como elevada mesmo em pacientes com ceratocone sem sintomas e sinais inflamatórios. A incidência de IgE elevada foi de 52 a 59%. Em uma meta análise recente que analisou 29 artigos incluindo 7,158,241 participantes de 15 países identificou o odds ratios de ter ceratocone 3.09 vezes maior naqueles que coçam os olhos, 1.42 vezes naqueles com alergia, 1.94 vezes naqueles com asma e 2.95 vezes nos com eczema. Naqueles com história familiar para ceratocone o odds ratio foi 6.42 mostrando a grande influência da genética.

Um estudo recente envolvendo a análise de 2051 casos de ceratocone identificou associação entre ceratocone e tireodite de Hashimoto (OR 2.89) e condições inflamatórias de pele (OR 2.20) e confirmou a associação entre ceratocone e atopia, incluindo dermatite (OR 3.00), asma e bronquite (OR 2.51) e rinite alérgica (OR 2.20).  Esses estudos indicam que o ceratocone possa ter relação com múltiplas doenças imunomediadas, o que corrobora para a idéia de que a resposta inflamatória sistêmica possa influenciar na doença.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Jacinto Santodomingo-Rubido, Gonzalo Carracedo, Asaki Suzaki, Cesar Villa-Collar, Stephen J. Vincent, James S. Wolffsohn, Keratoconus: An updated review, Contact Lens and Anterior Eye, 2022.

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