Cetamina para o tratamento de depressão maior

Revisão sistemática tentou esclarecer questões relacionadas a eficácia do uso da cetamina, como dose, via de administração e número de aplicações.

Cetamina é provavelmente o tratamento que mais transformou a prática psiquiátrica nos últimos anos. Com ela, o eixo de intervenções farmacológicas centradas na neurotransmissão de serotonina, dopamina e noradrenalina foi deslocado para o sistema glutamatérgico, conferindo esperança renovada a pacientes com quadros depressivos refratários, muitas vezes cronificados e com intenso comprometimento funcional.

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A revisão sistemática com metanálise de Nikolin et al. busca esclarecer questões relacionadas a eficácia do uso da cetamina, como dose, via de administração e número de aplicações, sendo a primeira a incluir ensaios clínicos randomizados de fase 3 com cetamina racêmica e a classificar os estudos de acordo com as doses utilizadas (uma vez que estudos mais recentes fazem titulação de dose de acordo com a resposta clínica).

Cetamina para o tratamento de depressão maior

Métodos

A metanálise foi conduzida usando Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) guidelines, buscando ensaios clínicos randomizados com o uso de cetamina como tratamento principalmente para pacientes com diagnóstico de transtorno depressivo maior publicados em qualquer idioma.

As doses foram convertidas para a dose equivalente a cetamina racêmica intravenosa e categorizadas de forma binária como alta (dose intravenosa equivalente ≥ 0,5 mg/kg) ou baixa (< 0,5 mg/kg). Na forma intranasal, doses ≥ 84 mg foram consideradas altas e doses < 84 mg foram consideradas baixas.

O desfecho primário foi redução da gravidade da depressão usando a Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton (HAM-D) e a Escala de depressão de Montgomery-Åsberg (MADRS) e os desfechos secundários foram a taxa de resposta (redução ≥ 50% dos sintomas depressivos) e remissão. Cada um desses desfechos foi avaliados em 3 períodos de tempo: 4 horas após a sessão até 3 dias; 4º dia até o final do tratamento e até 28 dias após a última sessão.

Resultados

49 estudos foram incluídos, com 3.299 participantes.

Efeitos na gravidade da depressão após primeira dose

Efeitos agudos na mudança do humor foram observados em todas as situações, com o maior tamanho de efeito para as doses maiores da cetamina racêmica (Rac-High = 0,73; p < 0,0001; 95% CI 0,91 to 0,56), efeito moderado para escetamina em doses altas e baixas (Esket-Low = 0,55; p = 0,0006; 95% CI 0,87 a 0,24; Esket-High = 0,48; p = 0,0007; 95% CI 0,75 a 0,20) e efeito modesto para doses baixas da cetamina racêmica (Rac-Low = 0,33; p = 0,0019; 95% CI 0,54 a 0,12).

Os achados sugerem uma rápida redução na gravidade da depressão, chegando a um pico no primeiro dia após o tratamento, seguido por um retorno para o baseline.

Efeitos na gravidade da depressão após repetidas doses

Cetamina racêmica em doses baixas e alta foi significativamente melhor que o controle (Rac-High = 0,61; p = 0,0038; 95% CI 1,02 a 0,20; Rac-Low = 0,55; p = 0,049; 95% CI 1,09 a 0,00).

Doses baixas e altas de escetamina produziram resultados numericamente melhores, mas sem significância estatística comparado com controles (Esket-Low = 0,15; p = 0,40; 95% CI 0,49 a 0,19; Esket-High = 0,22; p = 0,18; 95% CI 0,54 a 0,10).

Efeitos na gravidade da depressão após término do tratamento

Melhoras no humor foram mantidas para cetamina racêmica (Rac = 0,65; p = 0.029; 95% CI 1,23 a 0,07), mas sem diferenças estatísticas para o grupo controle na escetamina (Esket = 0,33; p = 0,31; 95% CI 0.96 a 0,31).

Resposta

As análises de resposta revelam achados similares aos de redução de gravidade. Maiores taxas de resposta após primeira sessão de tratamento são observadas com doses mais altas da cetamina racêmica (Esket = 0,33; p = 0,31; 95% CI 0,96 a 0,31), seguido por doses mais baixas da cetamina racêmica e escetamina (RacLow = 2,69; p = 0,0004; 95% CI 1,56–4,64; EsketLow = 3,48; p = 0,0009; 95% CI 1,66–7,27)  e efeitos modestos para altas doses de escetamina (Esket-High = 2,27; p = 0,0075; 95% CI 1,24–4,14).

A repetição das sessões mantém a melhora para doses mais altas de cetamina racêmica e escetamina (Rac-High = 2,83; p < 0,0001; 95% CI 1,68–4,76; Esket-High = 1,42; p = 0,016; 95% CI 1,07–1,90), mas não para doses baixas (Rac-Low = 1,56; p = 0,38; 95% CI 0,57–4,26; Esket-Low = 1,37; p = 0,13; 95% CI 0,91–2,05).

Após a última dose, as taxas de resposta foram significativamente melhores para cetamina racêmica, mas só numericamente melhores para escetamina (Rac = 2,53; p = 0,049; 95% CI 1,00–6,37; Esket = 1,76; p = 0,10; 95% CI 0,89–3,49).

Remissão

Remissão foi significativamente maior que o controle após a primeira sessão. (Rac-Low = 3,31; p = 0,0017; 95% CI 1,57–7,01; Rac-High = 2,97; p < 0,0001; 95% CI 1,77–4,99; Esket-Low = 5,05; p < 0,0001; 95% CI 2,41–10,54; Esket-High = 2,17; p = 0,0002; 95% CI 1,43–3,29).

Administrações repetidas mantém a frequência de remissão para altas doses (Rac-High = 2,44; p = 0,0004; 95% CI 1,49–3,99; Esket-High = 1,52; p < 0,0001; 95% CI 1,27–1,82), mas não para doses baixas (Rac-Low = 1,05; p = 0,93; 95% CI 0,35–3,12; Esket-Low = 1,30; p = 0,15; 95% CI 0,91–1,85).

Após as últimas doses, a frequência de remissão foi maior para escetamina (Esket = 1,80; p = 0,011; 95% CI 1,14–2,82)  que para cetamina racêmica (Rac = 1,31; p = 0,56; 95% CI 0,52–3,28).

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Discussão

A cetamina racêmica é superior a escetamina tanto no início quanto na manutenção do tratamento.

Doses maiores são mais efetivas que doses menores e os achados reforçam a importância dos ajustes de dose de acordo com a resposta clínica dos pacientes.

As informações sobre o benefício de longo prazo são incertas, tanto pelo pequeno número de estudos quanto pela elevada taxa de abandono dos estudos. Os dados disponíveis sugerem um benefício sustentado da escetamina e da cetamina racêmica em doses mais elevadas.

A heterogeneidade dos estudos incluídos é um fator limitante e que deve ser considerado na interpretação dos achados.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Nikolin S, Rodgers A, Schwaab A, Bahji A, Zarate C, Jr Vazquez G, Loo C. Ketamine for the treatment of major depression: a systematic review and meta-analysis. EClinicalMedicine. 2023;62, 102127. DOI: 10.1016/j.eclinm.2023.102127

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