Choque cardiogênico na gestação: o que devemos saber?

O desfecho pós choque cardiogênico depende de inúmeros fatores, como a etiologia do choque e as características dos pacientes.

Nos últimos anos ocorreu redução de morte materna por condições relacionadas a gestação, como pré-eclâmpsia e hemorragia pós-parto. Porém, a morbimortalidade por causas não obstétricas não teve essa mesma redução. Em alguns países, como o Reino Unido, doença cardíaca é a principal causa de óbito na gestação e a maior parte delas decorre de doenças adquiridas do coração. Assim, foi publicada recentemente uma revisão sobre choque cardiogênico na gestação realizada com alguns dados desse país. Abaixo seguem os principais pontos. 

Veja também: Apresentação clínica da embolia paradoxal: o que devo saber?

choque cardiogênico

Causas do choque cardiogênico 

Por definição, o choque cardiogênico é uma síndrome clínica caracterizada por débito cardíaco inadequado em decorrência de insuficiência do ventrículo esquerdo (VE), ventrículo direito (VD) ou dos dois e resulta em hipoperfusão orgânica. É condição de alta mortalidade (até 40% em 30 dias). 

Na gestação, podemos dividir os precipitantes de choque cardiogênico em: 

Causas previsíveis: doença coronária isquêmica crônica, hipertensão pulmonar, cardiomiopatia dilatada com fração de ejeção (FE) reduzida ou presença de fatores de risco cardiovasculares, entre outras. 

Causas imprevisíveis: doença isquêmica aguda, dissecção de coronária, embolia pulmonar, embolia de líquido amniótico, arritmias, miocardiopatia periparto, entre outras.   

Registros mostram que 75% das mulheres que morreram de causa cardiovascular não sabiam ter doença de base. Uma parte delas tinha sintomas que não foram investigados ou foram atribuídos à própria gestação e quando investigados, o enfoque foi em excluir diagnósticos de alto risco e não em chegar a um diagnóstico definitivo. 

Confira algumas informações sobre causas específicas: 

Miocardiopatia periparto 

Sua incidência varia de 1-100 por 10 mil nascidos vivos e a mortalidade é de 5-25% em 1 ano. A etiologia é multifatorial, com influência de fatores genéticos e ambientais. Parece haver envolvimento de alterações no gene TTN, que codifica a titina (responsável pela estabilização dos miócitos e encontrada em algumas miocardiopatias familiares), assim como de efeitos hormonais da gestação no sistema cardiovascular. 

Os principais fatores de risco são idade materna avançada, multiparidade, gravidez múltipla e doença hipertensiva da gestação (DHG).  

Ocorre tipicamente no final da gestação ou até 6 meses pós-parto e o diagnóstico é de exclusão. Se manifesta como miocardiopatia dilatada com disfunção do VE e redução da FE para valores menores que 45-50%. Em alguns casos pode evoluir com choque cardiogênico. 

Embolia de líquido amniótico 

Situação extremamente rara, na qual o choque cardiogênico decorre de reação anafilactóide ao líquido amniótico, lanugo, vernix ou mecônio em contato com a circulação materna, que desencadeia uma cascata de eventos e culmina em parada cardiorrespiratória e coagulopatia intravascular disseminada. Vasoespasmo arterial pulmonar pode levar a disfunção e dilatação ventricular direita, que repercute no VE e afeta a função sistólica e o débito cardíaco. 

Tromboembolismo pulmonar 

Gestantes têm risco de tromboembolismo pulmonar quatro a cinco vezes maior que a população geral e esse risco aumenta ainda mais no período pós-parto. Esta condição pode gerar hipertensão pulmonar aguda e sobrecarga do VD, com evolução para choque cardiogênico. 

Fatores de risco cardiovasculares  

O número de gestantes com idade mais avançada é cada vez maior, o que faz com que seja cada vez mais frequente a presença de hipertensão, diabetes e obesidade, que podem ser conhecidos previamente ou ser diagnosticados na própria gestação. A presença desses fatores de risco aumenta a chance de doenças como infarto agudo do miocárdio (IAM).  

Pacientes com fatores de risco conhecidos devem ser avaliadas e encaminhadas para o especialista se necessário. Existem escores para estratificar o risco de as gestantes com cardiopatias congênitas ou adquiridas evoluírem com descompensações, como o CARPREG I e II, o ZAHARA e o mWHO. A gestação raramente é contraindicada, mas deve ser acompanhada para detecção de descompensações e possibilidade de tratamento adequado.  

Doença coronária  

A incidência de IAM é de aproximadamente 0,7 por 100 mil gestantes, com baixa taxa de mortalidade e maior proporção de dissecção espontânea de coronárias que na população em geral (até 43% dos casos de IAM na gestação). Pacientes com dissecção de coronária prévia à gestação também parecem ter maior risco, porém o conhecimento nessa área ainda é limitado. 

Hipertensão pulmonar e miocardiopatia dilatada 

A mortalidade materna decorrente de hipertensão pulmonar é bastante alta, chegando a 50% na síndrome de Eisenmenger, situação na qual a gestação é contra-indicada. A miocardiopatia dilatada prévia na gestação também é de risco e os fatores associados a maior chance de descompensação são FEVE < 20%, insuficiência mitral, insuficiência de VD, fibrilação atrial e hipotensão. Pode ser necessário antecipar o parto para possibilitar a compensação clínica. 

Quando há hipertensão pulmonar a mortalidade pode chegar a 16-30%, sendo recomendado que a mulher não engravide. Miocardiopatia dilatada prévia também aumenta muito o risco de complicações e óbito, principalmente quando há insuficiência cardíaca (IC) classes III ou IV e FEVE < 40%. 

Choque cardiogênico 

O desfecho pós choque cardiogênico depende de inúmeros fatores, como a etiologia do choque e as características dos pacientes. Recentemente foi criada a classificação de choque da Sociedade de Angiografia e Intervenções Cardiovasculares (do inglês SCAI) para facilitar a avaliação da gravidade do choque e medidas de intervenção.  

Leia aqui: Choque cardiogênico: classificação, características e mortalidade 

Estudos de validação confirmaram as vantagens de utilizar esta ferramenta à beira leito, refinando o risco associado ao fenótipo do choque e sua etiologia presumida. 

Na gestação, a utilização dessa ferramenta facilita a identificação de pacientes em risco, com comorbidades pré-existentes, o que gera a possibilidade de um planejamento pré-natal, periparto e pós-parto. Os parâmetros hemodinâmicos e marcadores do escore de risco podem ser adaptados para o contexto em questão, já que alguns se apresentam alterados pela própria gestação, como TGO, TGP, albumina e creatinina. O manejo das pacientes é semelhante ao de pacientes da população geral, com o foco em restaurar a perfusão. 

Especificamente na miocardiopatia periparto, as pacientes podem ser guiadas no puerpério pelo mnemônico BOARD: Bromocriptina, tratamento Oral para IC, Anticoagulação, agentes vasoRelaxantes e Diuréticos, além de ventilação não invasiva se houver congestão.  

Pacientes com choque mais avançado (a partir do estágio B) necessitam de internação em unidades especializadas em cardiologia e quando nos estágios C, D ou E, mais raros, necessitam ser tratadas em centros terciários. 

Caso não haja resposta ao tratamento clínico, pode-se considerar suporte circulatório mecânico. Os dados são limitados, porém as sobrevidas materna e fetal são relativamente boas, com a materna até 74-80% e a fetal até 65-70%.  

O momento ótimo do parto é incerto, com evidência limitada e a decisão deve ser tomada por equipe multidisciplinar e de forma individualizada. Detectar o choque de forma rápida e encaminhar as pacientes para tratamento em fases mais precoces têm impacto em mortalidade e treinamento da equipe de obstetrícia pode ser de grande auxílio. 

Saiba mais: Resultados maternos e fetais entre mulheres grávidas com vaginose bacteriana

Mensagem final 

Gestantes com cardiopatia prévia ou fatores de risco cardiovasculares conhecidos devem ficar sob vigilância para a ocorrência de complicações cardiovasculares e evolução para choque cardiogênico. A detecção precoce das descompensações faz diferença na morbi-mortalidade dessas pacientes e a utilização dos critérios de choque do SCAI auxilia no manejo inicial e deve ser de conhecimento dos obstetras.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Greer O, Rathai Anandanadesan, Nishel Mohan Shah, Price S, Johnson MR. Cardiogenic shock in pregnancy. Bjog: An International Journal Of Obstetrics And Gynaecology. 2023 Oct 4.   ‌