Você sabia que até 27% dos testes diagnósticos solicitados para investigação à admissão são dispensáveis, e que essa taxa aumenta para até 63% com o passar do tempo de internação? Há, ainda, uma grande quantidade de estudos que atesta que reduzir testes desnecessários, além de diminuir custos, impacta em maior satisfação do paciente e melhor cuidado em saúde.
Primum non nocere é um termo latino, fortemente associado à bioética, que significa “primeiro, não prejudicar”. Escutamos isso ao longo da nossa faculdade de medicina sem, no entanto, nos questionar qual a importância disso na prática.
Leia também: Crise álgica na doença falciforme: recomendações para manejo na emergência
Um trabalho publicado por um comitê de especialistas da American Board of Internal Medicine (ABIM) Foundation, em colaboração com a sociedade americana de hematologia (American Society of Hematology – ASH), avalia cinco condutas realizadas ou testes diagnósticos rotineiramente solicitados em hematologia, potencialmente questionáveis, devido à ausência de benefício evidenciado em literatura ou, até mesmo, potenciais malefícios associados à prática. O artigo foi publicado na revista Blood, em julho de 2019, e sua citação encontra-se ao final do texto.
Como foi conduzida a pesquisa?
Em agosto de 2012, uma força tarefa da ASH Choosing Wisely campaign composta por 11 especialistas renomados no campo da hematologia benigna e maligna, tanto pediátrica como de cuidados relacionados aos cuidados nos adultos e idosos, solicitaram sugestões a oito comitês da sociedade americana de hematologia, assim como a membros diferentes relacionados à academia: tais sugestões eram sobre testes e procedimentos que são rotineiramente praticados, porém com baixo nível de evidência ou com potenciais efeitos maléficos ao paciente.
Foram recebidas 154 sugestões, de um total de 167 participantes. Utilizando-se de preceitos como redução de danos ao paciente, recomendações baseadas em evidências disponíveis na literatura, redução de custos em saúde, abordagem de temas mais comuns à prática clínica e, de maneira mais específica, aplicadas ao campo da hematologia – nesta ordem de importância -, os especialistas reduziram as sugestões a dez principais itens.
Dessa forma, uma revisão sistemática foi aplicada a cada item selecionado, buscando-se identificar guidelines publicados a partir de 2008 com nível de evidência satisfatório que justifiquem a aplicação dos referidos testes ou condutas. Literatura primária também foi pesquisada no Medline, com data de início em 1946 até dezembro de 2012. A pesquisa foi restrita à língua inglesa.
As bases de dados referidas foram: Medline, the National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Infobase, The Cochrane Database of Systematic Reviews, the Scottish Intercollegiate Guidelines Network, the British Committee for Standards in Hematology.
Recomendações já prontas para a prática clínica
Após todo o trabalho de revisão sistemática, as seguintes recomendações foram feitas pelo painel de especialistas:
- Em situações nas quais a transfusão de concentrado de hemácias é necessária, transfunda o mínimo possível para que o paciente tenha os sintomas de anemia aliviados ou retorne a um nível seguro de hemoglobina (7-8g/dL em pacientes estáveis, não-cardiopatas em regime hospitalar).
- Não testar para trombofilias pacientes adultos que tenham evoluído com quadro de tromboembolismo venoso agudo no contexto de fatores transitórios maiores (cirurgia ortopédica, trauma, imobilidade prolongada).
- Não utilizar filtro de veia cava rotineiramente em pacientes com trombose venosa profunda.
- Não administrar plasma ou concentrado de complexo protrombínico para casos em que não existe emergência (como sangramentos intracranianos, cirurgias de emergência ou sangramentos ameaçadores a vida) na reversão de sangramentos associados ao uso de antagonista da vitamina K.
- Limitar vigilância com Tomografia Computadorizada para pacientes que foram submetidos a tratamento curativo de linfomas não-hodgkin agressivos e que tenham obtido resposta à terapia e que estejam assintomáticos em regime de acompanhamento ambulatorial.