Como transmitir uma notícia ruim: indo muito além do SPIKES

Em mais um texto da Série Comunicação Médica, transmitir notícias ruins também é parte do trabalho do médico e existem técnicas fora o SPIKES.

A comunicação é uma ferramenta utilizada para a prática de uma boa assistência em saúde. Aprender técnicas como o protocolo SPIKES e desenvolver habilidades específicas para tal faz com que o paciente e seus familiares tenham melhor entendimento do quadro clínico, um cuidado humanizado, sintam-se seguros e tenham uma relação equipe de saúde-paciente-família de qualidade. 

Uma má notícia (ou notícia ruim) é qualquer informação que altera drasticamente a perspectiva que uma pessoa tem sobre seu futuro. O que de fato é uma má notícia dependerá das vivências e expectativas que o receptor tem da notícia recebida. A comunicação de más notícias inclui comunicação de diagnóstico e prognóstico, comunicação de falha, mudança ou limitação terapêutica, comunicação de óbito, dentre outros. 

O diagnóstico de uma doença grave e potencialmente fatal é um ponto importante para pacientes e médicos. Para os pacientes, um diagnóstico sinaliza a entrada em um complexo universo envolvendo perdas, decisões, terapias, espera e trabalho. Para os médicos, a capacidade de fazer esses diagnósticos e a responsabilidade que segue são uma consequência não intencional do desenvolvimento tecnológico da medicina.  

Quando a tecnologia do diagnóstico era limitada, os pacientes sabiam que tinham uma doença grave apenas quando os sintomas se tornavam graves. Agora, muitos diagnósticos são feitos bem antes de as pessoas experimentarem quaisquer problemas.  

A literatura médica contém uma grande quantidade de informações, disponíveis para médicos e pacientes, sobre o que um diagnóstico significa em termos de morte precoce, complicações, incapacidade e terapias que podem modificar o curso da doença. Os médicos encontram necessidades de falar sobre doenças limitantes da vida, diagnósticos e intervenções mais cedo do que nunca na trajetória da doença.  

Assim, o que a literatura médica chamou de “comunicação de más notícias” tornou-se uma tarefa fundamental no repertório da comunicação médica. 

Saiba mais: Série  Comunicação Médica: por que o médico precisa estudar comunicação?

Processando ameaças de vida 

Quando nós humanos enfrentamos o perigo e/ou ameaças de vida, nosso cérebro responde de forma mais rápida emocionalmente do que racionalmente. O perigo desencadeia respostas de “fuga ou luta” – e os processos cognitivos são deslocados para segundo plano. No consultório médico, os pacientes são propensos a relatar não ouvir “nada” depois de serem informados de que sua biópsia mostrou câncer. A resposta automática à ameaça tem precedência sobre o processo cognitivo.  

Assim, para os médicos que fornecem notícias sérias, faz-se importante desenvolver a habilidade e a capacidade de detectar e responder às emoções. Somente quando isso for feito e a tempestade emocional passar, será possível discutir o que deve ser feito a seguir. 

A maneira como a comunicação é feita influencia na resposta emocional da pessoa que recebe a notícia e na sua perspectiva de futuro. Informar a má notícia também pode afetar emocionalmente os profissionais envolvidos. Comunicar é uma tarefa que pode gerar estresse, sentimentos de culpa, pena e sensação de falha e impotência. 

Reconhecendo e respondendo às emoções 

Como mencionado, o cérebro processa a resposta emocional antes da resposta cognitiva. Essa questão neurobiológica ajuda formular a justificativa de que para o desenvolvimento da habilidade de comunicação no atendimento de profissionais de saúde, é necessário reconhecer as emoções e responder a elas. 

Compreender as emoções, nomeá-las e responder a elas pode parecer um processo básico, mas nem sempre é simples ou fácil. O processo é chamado de empatia. O termo empatia advém da palavra grega empatheia, a qual significa afeição. 

A empatia é um conceito multidimensional, que engloba aspectos tanto nos campos emocionais e subjetivos quanto nos cognitivos e objetivos. Quatro dimensões básicas foram definidas: emocional, moral, cognitiva e comportamental.  

Dessa forma, empatia corresponderia à habilidade de imaginar os sentimentos do paciente (emocional), à motivação pessoal de ser empático (moral), à capacidade de identificar e compreender as reações do paciente (cognitivo) e, por fim, à técnica de transmitir ao paciente essa compreensão (comportamental). A boa prática da área da saúde tem na empatia uma questão crucial. 

O acrônimo em inglês N-U-R-S-E sumariza como podemos responder de forma verbal e não verbal às emoções, desenvolvendo esse processo nomeado empatia: 

  • N (NAME): nomear as emoções.  
  • “isto soa como algo frustrante”, “vejo que essa notícia te deixou triste”. 
  • U (UNDERSTAND): compreender as emoções 
  • “eu sei ou imagino como é difícil receber essa informação e se sentir assim” 
  • R (RESPECT): respeitar o paciente 
  • “você pode chorar ou demonstrar tristeza aqui, estamos aqui para lhe ouvir e ajudar” 
  • S (SUPPORT): dar assistência ao paciente 
  • “eu e toda nossa equipe estaremos aqui para lhe ajudar com essa doença e enfrentarmos juntos todo o tratamento” 
  • E (EXPLORE): explorar as emoções 
  • “quer me falar mais sobre como se sente?” 

Habilidade de se comunicar 

Responder as emoções trazidas por uma má notícia é um aspecto importante para o desenvolvimento profissional e de comunicação do profissional de saúde. Além disso, há alguns outros aspectos a serem trabalhados. 

Após responder às emoções e praticar o acolhimento, utilizando, inclusive, estratégias de pausas (silêncio) para permitir que o paciente se expresse, prosseguiremos com informações mais objetivas do quadro. 

A comunicação é uma habilidade a ser aprendida e melhorada. Diversos estudos propõem técnicas para uma comunicação mais empática e mais efetiva.  

Algumas premissas básicas são importantes em todas essas técnicas: 

  • Identificação (nome, profissão). 
  • Clareza quanto ao objetivo da comunicação (informação de diagnóstico, alinhamento de prognóstico com a família, comunicação de mudança, falha ou limitação terapêutica, comunicação de óbito).  
  • Reunião das informações necessárias (últimos resultados de exames ou pareceres de outras equipes). 
  • Uso de linguagem clara e compreensível durante toda a comunicação – evitar uso de termos médicos que dificultariam a compreensão.  
  • Comunicação empática (validar sentimentos).  
  • Comunicação progressiva (comunicar aos poucos e observar como a pessoa reage às informações para saber se pode continuar comunicando novas notícias).  
  • Escuta atenta e ativa, saber silenciar – ao fazer comunicação de alguma má notícia, é importante manter silêncio por alguns momentos. Esperar a pessoa se manifestar e somente após prosseguir.  
  • Não mentir. 
  • Expressão não verbal. Ela nos traz muitos indícios de como a informação está sendo processada pelo interlocutor (ele está tenso, balança o pé, está irrequieto ou está atento, mantém contato visual…).  
  • A sua comunicação não verbal também está sendo observada. Procure manter o contato visual, use tom de voz calmo, mantenha uma postura aberta, evite olhar no relógio ou celular. Demonstre estar presente. 
  • Nem sempre pacientes e familiares angustiados ou com medo falarão abertamente sobre isso. Algumas vezes isso será expresso através de uma postura questionadora e/ou demandante. Quando cuidar de casos assim procure uma postura acolhedora e não de embate, busque maneiras de melhorar a comunicação e dar mais confiança ao trabalho da equipe. 

Uma das técnicas mais conhecidas é uma estratégia descrita em 6 passos, enfatizando o processo da comunicação. Essa estratégia é conhecida como Protocolo SPIKES (Setup, Perception, Invitation, Knowledge, Emotion, Summarize) e foi desenvolvido por Rob Buckman and Walter Baile. 

O protocolo tem quatro objetivos principais:  

  1. Recolher informações dos pacientes; 
  1. Transmitir informações médicas; 
  1. Proporcionar suporte aos pacientes; 
  1. Induzir sua colaboração no desenvolvimento de uma estratégia terapêutica para o futuro, mesmo que paliativa.

Protocolo SPIKES 

  • Etapa 1 – Planejando a entrevista (S – setting up the interview): 
  • Reunir informações sobre o caso e planejar a conversa. O local da entrevista também precisa ser planejado. Deve-se buscar privacidade e evitar interrupções. Muitos pacientes preferem ter a conversa na presença de algum familiar.
  • Etapa 2 – Avaliando a percepção do paciente (P – perception): 
  • Através de perguntas, o profissional tenta perceber o quanto o paciente compreende sobre o diagnóstico e seu estado atual. A partir das respostas, pode-se corrigir desinformações e moldar a má notícia para o entendimento do paciente.
  • Etapa 3 – Obtendo o convite do paciente (I – invitation): 
  • Enquanto muitos pacientes mostram desejo de obter informações detalhadas, alguns preferem esquivar-se, um mecanismo psicológico válido e mais comum em indivíduos com doença progressivamente mais grave. Se o paciente, num primeiro momento, optar por não saber detalhes, o profissional deve se colocar à disposição para esclarecer 
  • Etapa 4 – Dando conhecimento e informação ao paciente (K – knowledge): 
  • É importante o uso de linguajar de fácil compreensão por parte de leigos, evitando-se expressões duras e frias. A informação deve ser passada aos poucos, certificando-se periodicamente de que o paciente está entendendo o que está sendo dito.
  • Etapa 5 – Abordar as emoções dos pacientes com respostas afetivas (E – emotions): 
  • Os pacientes podem reagir de diferentes formas, como silêncio, choro e raiva, e saber lidar com tais reações é uma das etapas mais difíceis na transmissão da má notícia. O profissional deve oferecer apoio e solidariedade até que a emoção passe e o paciente se recomponha, é complicado prosseguir para a discussão de outras questões. É fundamental dar ao indivíduo o tempo necessário para ele se acalmar.
  • Etapa 6 – Estratégia e resumo (S – strategy and summary): 
  • Antes de discutir os planos terapêuticos, recomenda-se perguntar ao paciente se ele está pronto para prosseguir a discussão e se aquele é o momento. Quando as medidas são paliativas, é de fundamental importância o entendimento do paciente, para evitar que ele não compreenda o propósito do manejo e superestime sua eficácia.

Recursos que podem ser acionados além do protocolo SPIKES

Ao receber uma má notícia é natural que a pessoa se sinta fragilizada e insegura. A equipe de saúde pode auxiliá-la nesse processo de diversas maneiras, por exemplo: 

  • Auxilie o paciente a identificar seus recursos emocionais e a maneira de como reforçá-los; 
  • Busque identificar e incorporar a rede de apoio familiar/social do paciente. Isto diminuirá a sensação de solidão e isolamento; 
  • Acione os demais membros da equipe multiprofissional para suporte. É fundamental que a equipe médica compartilhe suas impressões sobre o caso com os demais integrantes da equipe multiprofissional e que também os escute. 

Veja também: Comunicação em alça fechada e a segurança do paciente

Mensagem final 

Desenvolver a comunicação é uma questão crucial para profissionais da área da saúde. E desenvolver estratégias para comunicação de notícias ruins faz parte dessa questão. Os passos para comunicação de más notícias envolvem: preparação para a comunicação (saber o quanto o paciente sabe e o quanto quer receber de informação, a escolha de um lugar adequado), comunicação em si (usar linguagem acessível, objetiva, demonstrando empatia) e seguimento (resumo da conversa, tirar dúvidas, planejar próximos passos).

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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