Comunicação de más notícias: como fazer na pediatria?

O décimo segundo texto da Série Comunicação Médica traz técnicas e conselhos para a difícil tarefa de se dar notícias ruins em pediatria.

Uma das coisas mais difíceis de ser médico é a necessidade de comunicar más notícias para os pacientes. Claro que isso é muito variável dependendo da especialidade, mas em algum grau, todos nós já passamos pela experiência de ter que comunicar algum diagnóstico difícil, a necessidade de início de cuidados paliativos, ou mesmo a morte de um paciente para os seus entes queridos.

Agora, vamos pensar sobre esse tema na pediatria. Todo o desconforto que temos ao comunicar más notícias é potencializado pelo sofrimento da criança, que muitas vezes não consegue compreender ou mensurar a situação por ela vivida, e pelo sofrimento dos seus pais. O sentimento de frustração de pais que lidam com más notícias sobre seus filhos é enorme. É natural que pensemos sempre que nossos filhos viverão mais tempo que nós, e quando existe uma possibilidade (potencial ou real) de que os filhos morrerão antes dos pais, ou mesmo que passarão por algum tipo de sofrimento, essas situações costumam gerar sentimentos de angústia, raiva e culpa.

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A comunicação de más notícias se torna difícil exatamente por isso. Tendemos a evitar confrontos com tais sentimentos, seja por um desconforto ao lidar com pessoas sofrendo, seja por ser empático com aquele que sofre. Dessa forma, para lidarmos adequadamente com a comunicação de más notícias, precisamos entender que temos maus hábitos de comunicação (evitar falar verdade cruéis, por exemplo), e que devemos aprender técnicas adequadas para que possamos realizar, de forma mais adequada possível, essa difícil tarefa de nossa profissão.

Estudos sugerem que o desconforto de comunicar más notícias é maior quando o paciente é criança, e que a maioria dos estudantes de medicina e profissionais médicos não se sentem confiantes para a realização dessa tarefa. Ainda assim, a maioria dos artigos e estudos sobre comunicação de más notícias não aborda a pediatria. Portanto, a discussão sobre comunicação de más notícias no contexto pediátrico é cada vez mais urgente e necessária.

Comunicação de más notícias como fazer na pediatria

Aspectos gerais da comunicação de más notícias

Para começo de conversa, precisamos entender que não existe fórmula mágica para a comunicação de más notícias. Antes de tudo, precisamos entender o nosso paciente (e aqui na pediatria, também sua família). Entender sua história, seu grau de entendimento da doença e sua bagagem cultural são fundamentais para que possamos realizar a melhor abordagem. Particularmente para as crianças, é fundamental que se considere qual o grau de compreensão daquela criança com relação ao seu quadro, e abordar isso com linguagem adequada à criança também será importante na comunicação das más notícias.

Devemos também tentar equilibrar a parte emocional com a parte profissional. O que eu quero dizer com isso? Ao comunicarmos más notícias, temos sempre que trazer uma face mais empática, emocional, carinhosa e compreensiva, e uma face mais formal, profissional e que vai fornecer informações importantes sobre questões médicas propriamente ditas. O quanto de cada face iremos mostrar dependerá das necessidades e vontades do paciente e sua família, assim como da personalidade do próprio profissional.

O momento de demonstrar empatia e fornecer informações também deve ser apropriado. Oferecer informações técnicas complexas em um momento que o paciente ou seus familiares estão com emoções intensas impossibilita a retenção das informações. Assim, nesses momentos de emoções intensas, o ideal é se portar de maneira mais empática, nomeando as emoções com o paciente, demonstrando compreensão sobre seus sentimentos e oferecendo suporte emocional. Deixar as informações mais técnicas e prognósticas para os momentos de maior racionalidade por parte do paciente.

É fundamental que a conversa ocorra de forma planejada, em local silencioso, sem risco de interrupções, com tempo adequado e com todas as pessoas pertinentes para a conversa, inclusive aquelas que o paciente e sua família decidam que são necessárias. Revise todo o prontuário do paciente, pois não pode haver pontas soltas de informação durante a conversa.

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Tente conhecer o paciente e sua família, e fazer com que eles também te conheçam. Os pacientes querem que seus médicos o conheçam como pessoas, e não apenas como doenças ou números. Conhecer o paciente traz confiança, e a chance do paciente e seus familiares entenderem as informações colocadas e aceitarem orientações propostas é maior se houver confiança entre as partes. Questione também quais são os conhecimentos que o paciente ou sua família tem a respeito do seu caso, da sua doença, e o quanto eles desejam saber sobre o assunto.

Tente também entender suas próprias emoções e crenças a respeito dessa situação específica. Nossa cultura médica é de que emoções difíceis devem ser evitadas e não devem ser demonstradas sob nenhuma circunstância, mas para a comunicação de más notícias, é fundamental que entendamos como nos posicionamos e o que sentimos em relação a essa situação.

A identificação com determinadas situações pode tornar a comunicação mais difícil. Por exemplo, eu sou mãe de dois meninos, e sempre acho mais difícil realizar comunicação de más notícias quando meu paciente é menino (principalmente da idade dos meus filhos). Essa identificação com a situação dos familiares pode complicar nossa atuação, mas compreender nossos sentimentos nesses momentos e utilizá-los para melhorar nossas habilidades de empatia pode ser bastante útil.

Dando a má notícia

Ao comunicar efetivamente a má notícia, devemos iniciar com uma “expressão de alerta”, que pode também já servir como uma forma de empatia. A má notícia específica deve ser comunicada de forma direta e preferencialmente, com apenas uma frase nesse momento inicial. Evite jargões médicos ou expressões difíceis.

Seguem alguns exemplos:

— Eu sinto muito, mas seu filho não está conseguindo respirar bem e vai necessitar ser colocado no respirador para que possa respirar adequadamente.

— Infelizmente, eu tenho más notícias. Seu filho apresentou sofrimento durante o parto, e houve redução do fluxo de oxigênio para o cérebro dele.

Após a comunicação dessa primeira frase, ofereça um tempo para o paciente e a família compreenderem a situação. Nesse momento, é importante tentar entender os sentimentos e respostas acerca do assunto. Se a família tem uma reação mais emocional, é importante demonstrar empatia e fornecer mais detalhes quando eles se mostrem mais abertos a receber mais informações técnicas.

Algumas situações podem ser difíceis de ser explicitadas apenas em uma frase, com necessidade de informações adicionais no decorrer da conversa. Isso pode ser feito da forma descrita acima, com a primeira frase, seguida de um tempo para que haja compreensão da situação, e posteriormente, com uma complementação da má notícia.

— Eu sinto muito, mas os resultados não são como esperados. O câncer de seu filho está se espalhando.

E depois:

— Nessa fase da doença, é possível realizar tratamentos que reduzam a progressão do câncer, mas não será possível curá-lo.

Uma boa técnica para fornecer as informações adicionais é aguardar as perguntas do paciente e familiares, e assim, ir direcionando o contexto clínico de forma mais aprofundado. Essa técnica também é útil para aguardar o momento adequado de fornecer essas informações, pois supõe-se que as perguntas aparecerão apenas quando os familiares desejam mais informações sobre o assunto.

Por fim, em nenhuma circunstância, tente tirar a esperança dessas pessoas. A negação e a esperança são modos de lidar com notícias difíceis. Seja realista, mas respeite os limites de aceitação das pessoas e o quanto elas desejam saber sobre o assunto em um determinado momento. É perfeitamente possível aceitar uma resposta do paciente sem concordar com ela (por exemplo, aceitar o desejo de cura de um paciente quando sabemos que não é possível).

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Como demonstrar empatia

Demonstrar empatia pode parecer uma tarefa fácil, mas existem técnicas específicas para sua utilização. O mnemônico em inglês NURSE ajuda nessa tarefa. Veja abaixo:

NNaming – Nomear as emoções. “Parece que você está com raiva dessa situação”.

UUnderstanding – Demonstração de compreensão acerca do sentimento exposto. “Me parece que você está preocupado que o tratamento não vá ter efeito.

RRespecting – Respeitar o sentimento. “Isso tudo deve ser muita coisa para lidar.

SSupporting – Oferecer suporte. “O que eu posso fazer para ajudá-lo?”.

EExploring – Explorar as preocupações. “Me fale mais sobre suas preocupações a respeito do tratamento.

Buscando novas habilidades

Como em qualquer outra área, o desenvolvimento de habilidades técnicas para a comunicação de más notícias se faz através de treinamento e uso de protocolos bem estabelecidos. Apesar da maioria dos protocolos para comunicação de más notícias não apresentar embasamento adequado, protocolos como o SPIKES podem ser aplicados para o contexto pediátrico. O uso de um protocolo é adequado para que não haja esquecimento de etapas ou ações importantes durante a comunicação.

Por fim, buscar melhorar a comunicação de más notícias no contexto pediátrico deve ser uma meta de todos os profissionais que lidam com crianças, e o treinamento adequado nas graduações de medicina e cursos de especialização são também indicados como bons caminhos para alcançarmos resultados melhores neste tema.

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