Covid-19 e o uso de máscaras: onde estamos?

Com o avanço da vacinação e a diminuição do número de casos de covid-19, algumas regiões iniciaram o relaxamento das medidas de prevenção.

Com o avanço da vacinação e a diminuição do número de casos de covid-19 no país, algumas regiões iniciaram o processo de relaxamentos das medidas não farmacológicas de prevenção. Entre essas medidas, está o uso de máscaras faciais em lugares fechados. Contudo, pergunta-se se já é o momento para isso?

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Covid-19 e o uso de máscaras onde estamos

Uso de máscaras e proteção contra covid-19

Antes das vacinas, o uso de máscaras foi uma das principais estratégias para controlar a transmissão do SARS-CoV-2, especialmente em espaços fechados. Diversos estudos apontam para benefício na redução da incidência de novos casos associado ao uso de máscaras.

Uma revisão sistemática com meta-análise publicada no The British Medical Journal avaliou a eficácia individual de medidas de saúde pública na incidência de covid-19. Após exclusão dos trabalhos que não se enquadravam nos critérios de inclusão, 72 artigos foram incluídos, dos quais 35 avaliaram individualmente medidas como lavagem das mãos, uso de máscaras e distanciamento social. A maioria dos estudos foi conduzida na Ásia e nos Estados Unidos, mas também Europa, Oriente Médio, África, América do Sul e Austrália.

Em relação ao uso de máscaras, 6 estudos com um total de 2.627 pessoas com covid-19 e 389.228 participantes foram incluídos na análise sobre o efeito na incidência da doença. Os resultados combinados mostraram uma redução de 53% na incidência de covid-19 (RR = 0,47; IC 95% = 0,29 – 0,75). Outros estudos indicam redução não só na incidência da doença, mas também na transmissão de SARS-CoV-2 e na mortalidade por covid-19.

Um dos estudos com dados de 200 países mostrou uma mortalidade 45,7% menor nos com uso mandatório de máscara, enquanto outro estudo conduzido nos EUA mostrou uma redução de 29% na transmissão de covid-19 nos estados em que máscaras eram obrigatórias. Da mesma forma, um estudo de Hong Kong indicou uma incidência cumulativa significativamente menor do que em países selecionados em que o uso de máscara não era obrigatório. Entretanto, esses estudos foram considerados com risco moderado de viés.

Outra revisão sistemática sobre o assunto foi publicada no American Journal of Infection Control e incluiu 6 artigos, todos caso-controle, conduzidos na China, EUA, Tailândia e Blangadesh e compreendendo dados de 1.233 participantes. Nesse estudo, o risco de contrair covid-19 após uso de máscara foi significativamente menor, com OR = 0,38 (IC 95% = 0,21 – 0,69).

Além da transmissão por gotículas, o SARS-CoV-2 pode ser transmitido por aerossóis em situações cotidianas como tosse e espirros. Uma revisão sistemática com meta-análise – essa publicada no European Journal of Medical Research – incluiu 4 artigos com 7.688 participantes. Todos mostraram redução no risco de infecção por SARS-CoV-2 com o uso de máscaras. O risco relativo combinado na meta-análise foi de 0,12 (IC 95% = 0,06 – 0,27), o que se mostrou estatisticamente significativo (p < 0,001).

Uso de máscaras no contexto de vacinação

Uma das questões atuais é de que forma a amplitude da cobertura vacinal afeta o papel do uso de máscaras faciais. Um artigo recente publicado na The Lancet usou modelos matemáticos para estimar o impacto do uso de máscaras em ambientes fechados em cenários com diferentes níveis de cobertura vacinal contra covid-19.

Os autores simularam – por meio de simulação de Monte Carlo – o que aconteceria nos EUA com o uso de máscaras na mesma proporção de março a julho de 2020 comparado com um cenário sem uso de máscaras em diferentes níveis de vacinação (70 – 90% da população). Parâmetros considerados, além das diferentes coberturas vacinais, incluíram data em que o alvo de vacinação foi alcançado, data em que a população deixou de usar máscaras, eficácia das vacinas para prevenir infecção (30 – 90%), imunidade natural após infecção (64 – 95%), características das máscaras (eficácia, custo e frequência de troca) e porcentagem de pessoas que praticam autoisolamento quando infectados.

Em todos os cenários testados, o modelo matemático mostrou que, manter o uso de máscara até 2 a 10 semanas após atingir o alvo de vacinação mostrou-se custo-efetivo. Quanto menor a cobertura vacinal, maior a importância do uso de máscaras na economia em custos sociais, redução de admissões hospitalares e mortes. As estimativas, para cada alvo de vacinação, seriam as seguintes:

  • 90% de cobertura vacinal: redução de $13,3 bilhões em custos sociais, 6,29 milhões de casos, 136.700 admissões hospitalares e tratamentos e 16.000 mortes
  • 80% de cobertura vacinal: redução de $16,7 bilhões em custos sociais, 7,66 milhões de casos, 174.900 admissões hospitalares e tratamentos e 20.500 mortes
  • 70% de cobertura vacinal: redução de $20,6 bilhões em custos sociais, 8,3 milhões de casos, 193.500 admissões hospitalares e tratamentos e 22.700 mortes

Outras simulações indicam que, quanto maior o tempo para alcançar o alvo vacinal, maior é o impacto do uso de máscaras. Por exemplo, se o alvo de 80% de cobertura vacinal na população dos EUA fosse alcançado em maio de 2022, manter o uso de máscaras até que esse alvo fosse atingido evitaria 7,66 milhões de casos de covid-19. Se o mesmo alvo fosse alcançado 2 meses depois, em julho, a estimativa passa a ser de 8,57 milhões de casos.

O surgimento de novas variantes, mais transmissíveis, também afeta a importância do uso de máscaras. Para um número básico de reprodução (R0) de 5, que corresponderia à variante Delta, manter máscaras faciais resultaria na economia de $ 20,6 bilhões em custos sociais. Já para um R0 = 10, que corresponderia à variante Omicron, continuar com máscaras resultaria em menos $ 49,5 bilhões em custos sociais. Com um R0 = 2,5, que corresponderia à cepa selvagem original, a estimativa do número de casos evitados seria de 581.350 e o uso de máscaras deixaria de ser custo-efetivo.

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Outras variáveis que afetaram o impacto da manutenção do uso de máscaras por 2 semanas após o alcance do alvo de vacinação foram a eficácia da vacina (alterada pela presença de novas variantes e diminuição de imunidade com o tempo), a otimização da eficácia das máscaras e o custo do uso de máscara por pessoa. Quanto menor a eficácia da vacina ou maior a eficácia das máscaras, maior o impacto de seu uso. Ao mesmo tempo, o aumento no custo por pessoa reduz a custo-efetividade da manutenção da proteção. Entretanto, segundo os resultados das simulações, a prática só deixaria de ser custo-efetiva se o custo ultrapassasse $ 1,39/pessoa/dia. Para efeitos de comparação, o custo do uso de máscaras de março a julho de 2020 teria sido de $ 0,32/pessoa/dia.

O aumento na proporção de indivíduos sintomáticos isolados reduziria a importância do uso de máscaras na prevenção de novos casos. Contudo, mesmo se 100% das pessoas infectadas sintomáticas permanecessem isoladas, manter o uso de máscaras ainda seria capaz de evitar $ 359,7 milhões em custos sociais, 1,62 milhões de casos e 3.950 mortes, considerando um R0 = 5, 50% de eficácia da vacina e 70% de cobertura vacinal. A estratégia só deixaria de ser custo-efetiva em um cenário de 90% de cobertura vacinal até janeiro de 2022 ou de eficácia de no mínimo 70% da vacina ou se o custo do uso de máscaras ultrapassar $ 0,50/pessoa/dia.

Mensagens práticas

  • O uso de máscaras se mostra uma estratégia eficaz para reduzir a transmissão de infecções por SARS-CoV-2.
  • Apesar do avanço na vacinação, manter o uso de máscaras em ambientes fechados por pelo menos 2 semanas até que altos índices de cobertura vacinal sejam alcançados parece otimizar a proteção contra a transmissão da doença, além de reduzir custos sociais e relacionados a cuidados com a saúde.

Referências bibliográficas:

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