Dados sobre desfechos funcionais em crianças sobreviventes de sepse são escassos em países de baixa e média renda

Em crianças, a sepse é uma importante causa de mortalidade em países de baixa e média renda, onde há uma enorme carga de doenças infecciosas.

Em crianças, a sepse é uma importante causa de mortalidade e morbidade em países de baixa e média renda (low- and middle-income countries – LMIC), onde há uma enorme carga de doenças infecciosas. Apesar da escassez de recursos, a adaptação de cuidados baseados em protocolos reduziu os óbitos relacionados à sepse, mas os pacientes pediátricos sobreviventes ainda correm risco de desfechos funcionais ruins. O estado funcional compreende a capacidade de realizar atividades diárias de vida para atender às necessidades básicas e manter a saúde, incluindo, principalmente a função física, cognitiva, psicológica e social.

Em recente artigo publicado no periódico Frontiers in Pediatrics, pesquisadores da Índia concluíram que pesquisas sobre esses desfechos ainda são escassas em LMIC. O objetivo do estudo foi revisar a literatura com relação a dados sobre desfechos funcionais da sepse em pediatria após a alta da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) e discutir as implicações para os pacientes nessas regiões.

Saiba mais: Estudo mostra que as prevalências de sepse e de choque séptico em crianças no Brasil são elevadas

sepse

Metodologia

Os principais bancos de dados eletrônicos médicos para literatura relevante de janeiro de 2005 a novembro de 2021 foram analisados, incluindo os bancos de dados Medline (via PubMed), Embase, CINAHL e Google Scholar. O foco principal do estudo foi sobreviventes de sepse em LMIC.

Foram incluídos estudos observacionais que relataram desfechos funcionais ou de qualidade de vida (QV) em crianças na alta, bem como durante os acompanhamentos subsequentes (aos 1, 3, 6 e 12 meses). O estudo deveria englobar apenas crianças (grupos de idade >1 mês a <18 anos) ou ter os desfechos relatados separadamente para crianças (se adultos e crianças fossem a população do estudo). Foram excluídos os estudos que relatavam apenas mortalidade, dados não publicados e aqueles não publicados em língua inglesa. Em suma, os desfechos englobaram prevalência de sobrevida com redução dos desfechos funcionais ou de qualidade de vida (QV) e mudanças ao longo do tempo durante o acompanhamento ou recuperação, e esses desfechos foram comparados com outros grupos de pacientes.

Os pesquisadores seguiram as diretrizes PRISMA para revisões de escopo (PRISM-ScR).

Resultados

Foram incluídos oito artigos publicados a partir de 2013 e relatando dados de desfechos funcionais em 2.915 crianças (53% eram do sexo masculino e 56,6% apresentavam comorbidades). A faixa etária das crianças foi de 1 mês a 18 anos. Os estudos foram realizados nos seguintes países: Estados Unidos (n = 6), Canadá (n = 1) e Índia (n = 1). Todos os estudos foram de coorte, tanto prospectivos (n = 5) quanto retrospectivos (n = 3) e foram classificados como nível II de evidência.

Deficiências que afetam a função física, cognitiva, psicológica e social foram relatadas em crianças após a alta. A incapacidade geral relatada pelos pesquisadores variou entre 23 e 50% na alta hospitalar ou 28 dias. A incapacidade residual foi relatada em 1, 3, 6 e 12 meses de acompanhamento com uma tendência geral de melhora. A falha na recuperação de uma qualidade de vida relacionada com saúde (Health-related Quality of Life – HRQL) inicial no acompanhamento foi observada em um terço dos sobreviventes. Escores de disfunção orgânica, como pSOFA, PeLOD, escore de inotrópicos vasoativos, eventos neurológicos, estado imunocomprometido, necessidade de ressuscitação cardiopulmonar e oxigenação por membrana extracorpórea foram associados a um desfecho funcional ruim.

Conclusões

Segundo os pesquisadores, há dados limitados sobre os desfechos em longo prazo após doenças graves em crianças. Em LMIC, a mortalidade pós-alta pode exceder os óbitos hospitalares e, muitas vezes, não é relatada. A perda de casos para acompanhamento aumenta esse problema. Dessa forma, a escolha de uma medida de desfecho apropriada é extremamente importante para avaliar a utilidade de uma intervenção em um determinado cenário. Conjuntos de desfechos principais projetados especificamente para LMIC podem ser necessários para superar a inconsistência nos resultados relatados e melhorar a qualidade e relevância para esses locais.

No artigo, os pesquisadores sugerem que, após a alta hospitalar por sepse, a gestão deve se concentrar em:

  • Identificar novos problemas físicos, mentais e cognitivos e realizar o encaminhamento apropriado;
  • Revisar e manejar doenças e tratamento de longo prazo;
  • Identificar condições tratáveis que requerem internação.

Os autores recomendam avaliação e tratamento ambulatorial contínuo para todos os sobreviventes de sepse pediátrica pelo menos nos primeiros três meses após a alta hospitalar, com atenção especial aos adolescentes, aos internados por mais de uma semana, aos imunocomprometidos e aos pacientes que apresentaram choque séptico. Ademais, sugerem que, em um pequeno subgrupo com doenças crônicas prévias à sepse e que apresentam deterioração adicional, a paliação e o manejo sintomático podem ser considerados.

Leia também: Risco de sepse neonatal precoce em bebês nascidos de parto de baixo risco

Comentários

A sepse é um dos principais fatores de risco para delirium em pacientes graves, incluindo crianças. Nos guidelines PADIS de 2018 (2018 Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU) da Society of Critical Care Medicine (SCCM), Devlin e colaboradores descrevem que o delirium pode levar a desfechos cognitivos em longo prazo, mesmo em três meses a um ano após a alta hospitalar. Em crianças, nos recentes PANDEM Guidelines (2022 SCCM Clinical Practice Guidelines on Prevention and Management of Pain, Agitation, Neuromuscular Blockade, and Delirium in Critically Ill Pediatric Patients With Consideration of the ICU Environment and Early Mobility), Smith e colaboradores citam que a relação entre delirium e desfechos de longo prazo em pacientes pediátricos, como disfunção cognitiva ou executiva, recuperação psicológica e sintomas pós-traumáticos é um ponto extremamente relevante para futuras pesquisas em Medicina Intensiva Pediátrica.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Ravikumar N, Sankar J, Das RR. Functional Outcomes in Survivors of Pediatric Sepsis: A Scoping Review and Discussion of Implications for Low- and Middle-Income Countries. Front Pediatr. 2022;10:762179. Published 2022 Mar 8. doi:10.3389/fped.2022.762179
  • Devlin JW, Skrobik Y, Gélinas C, et al. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(9):e825-e873. doi:10.1097/CCM.0000000000003299
  • Smith HAB, Besunder JB, Betters KA, et al. 2022 Society of Critical Care Medicine Clinical Practice Guidelines on Prevention and Management of Pain, Agitation, Neuromuscular Blockade, and Delirium in Critically Ill Pediatric Patients With Consideration of the ICU Environment and Early Mobility. Pediatr Crit Care Med. 2022;23(2):e74-e110. doi:10.1097/PCC.0000000000002873