Decisão compartilhada: o quanto decidir e o quanto compartilhar

No décimo primeiro texto da Série Comunicação Médica trataremos da tomada de decisão sobre o caminho a seguir depois do diagnóstico.

Após a comunicação de uma notícia ruim, o próximo passo é a tomada de decisão em relação às opções de tratamento. Durante a publicação de textos da Série Comunicação Médica, falamos sobre como realizar a comunicação de notícias ruins.

Esse é o momento em que todo o conhecimento técnico do médico deverá ser compactado e transformado em algo claro, que faça sentido para o paciente e forneça informações que ele possa utilizar para a tratativa de decisões importantes sobre o seu tratamento e, consequentemente, a sua vida.

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O médico deve compreender a perspectiva do paciente e, se possível, apresentar as escolhas necessárias para o momento. Enquanto profissionais, não devemos nos ausentar de expor a nossa opinião ao paciente e/ou seus acompanhantes. Devemos somar a nossa visão à dele e construir a melhor decisão para o seu caso.

Decisão compartilhada: o quanto decidir e o quanto compartilhar

A informação

Sempre que pensamos em dar informações dentro da medicina, voltamos aos nossos livros-texto e por vezes “jogamos” alguns dados para o paciente. Geralmente traduzimos esses dados, mas devemos nos lembrar que os dados se referem ao que acontece “em média aos pacientes”, porém o seu paciente é único. Não esqueça de individualizar os dados, as propostas e as explicações.

Alguns estudos apontam que pacientes com doenças potencialmente fatais acreditam que não receberam informações suficientes. A maioria dos pacientes refere que deseja o máximo de informação possível, embora 10-20% prefiram não ouvir as más notícias ou saber de detalhes sobre seu caso.

Vale ressaltar que informações adequadas podem ajudar os pacientes a tomar decisões acertadas, aumentar a adesão ao tratamento, criar expectativas realistas, reduzir a ansiedade e promover o autocuidado. Por outro lado, sabemos que a informação de uma doença que limite a sobrevida pode ser assustadora e deprimente.

A internet mudou a maneira dos pacientes obterem informações, ao passo que muitos deles chegam ao médico com uma hipótese diagnóstica e plano terapêutico já definidos. Ao mesmo tempo, o médico ainda continua sendo a fonte mais importante e confiável de informações, servindo como referência para o paciente. Devemos ver a internet como uma parceira e suplemento ao nosso trabalho, sem se sentir ofendidos pela busca de informações do paciente sobre a sua doença.

Daí vem a pergunta: o que fazer?

Segue uma sugestão de abordagem em dois passos:

  • O meio termo entre pouca e muita informação

Quando expomos ao nosso paciente todas as possibilidades terapêuticas (incluindo as que ainda não estão disponíveis ou aquelas que não pertencem à nossa realidade) podemos incorrer em uma sobrecarga emocional, pela diversidade de possibilidades (sucesso e fracasso). A impressão que temos é que o paciente foi soterrado de informações em seu momento de menor capacidade de decidir.

Não se engane: informações corriqueiras no meio médico poderão gerar uma sobrecarga e instabilidade emocional assustadoras ao paciente. Recentemente informei a uma paciente com diagnóstico oncológico que a chance de sobrevida em cinco anos era de 50% com toda a evolução da nossa tecnologia. Para mim isso quis dizer: “você tem muito mais chance do que teria há 10 anos atrás e isso é incrível!”. O que a paciente ouviu foi: “você tem 50% de chance de morrer”.

Nesse sentido, não há regra pronta. Equilibre a quantidade de informação dada ao paciente, coloque-se em seu lugar e garanta que o paciente saiba o quanto precisa e consegue lidar com isso. Esse pode ser um processo longo, mas lembre ao seu paciente que vocês são um time e trabalharão juntos para vencer qualquer adversário.

  • Envolva o paciente na tomada de decisão

Depois de as informações pertinentes ao seu paciente serem apresentadas em número e com clareza adequadas, descubra o quanto ele quer decidir em relação ao seu tratamento. A maioria dos pacientes refere que não consegue decidir sobre o seu tratamento da maneira que gostaria, um indicativo do fantasma do paternalismo médico que nos assombra.

Siga o seguinte roteiro de modo a permitir que o paciente participe da tomada de decisão do jeito que gostaria (e não do jeito que nós médicos achamos melhor):

  1. Prepare-se para a consulta – a conversa deve ter data, hora (se possível) e lugar. Estude antes e apresente as informações ao paciente (com conteúdo atualizado e da melhor procedência). Nesse momento o paciente deve atribuir a você a confiança em um “detentor do conhecimento”. Qualquer coisa diferente disso pode fazer com que você pareça indiferente, desengajado ou mesmo incompetente.
  2. Defina a decisão a ser tomada – faça um breve resumo clínico e conclua o que deverá ser decidido neste momento. Seja claro. Pergunte ao paciente se ele quer falar sobre isso nesse momento e se gostaria de mais alguém presente para ajudar na tomada de decisão.
  3. Pergunte explicitamente sobre o quanto o paciente quer decidir – após ouvir as vantagens e desvantagens da decisão, pergunte ao paciente se a decisão será unilateral (pelo paciente ou pelo médico) ou será compartilhada.
    1. Caso o paciente opte por decidir sozinho ou uma decisão compartilhada: esclareça todas as suas dúvidas e garanta que ele compreendeu o necessário. Faça uma revisão ao final da conversa.
    2. Caso o paciente prefira que a decisão seja tomada pelo médico: faça a sua recomendação. Explique os seus motivos. Peça que o paciente faça perguntas e dê um retorno sobre o que entendeu.
  4. Verifique a compreensão do paciente – peça que o paciente faça um resumo sobre o que tirou de conclusões após a discussão. Garanta a todo momento que está sendo compreendido e evite perguntas cujas respostas são “sim” e “não”, pois o paciente poderá responder “sim” somente por educação.
  5. Defina como o paciente deseja prosseguir no processo de tomada de decisão – pergunte se ele gostaria de tempo para pensar, conversar com outras pessoas, pedir uma segunda opinião médica.

Veja também: Série Comunicação Médica – O que é Rapport e como estabelecê-lo? [vídeo]

Mensagem prática

Quando se trata de decidir sobre a doença devemos sempre perguntar a quem ela pertence: “A doença não pertence ao médico, pertence ao paciente”. Ouvi essa frase quando ainda era residente da Clínica Médica e a cada dia ela faz mais sentido. A pedra angular do nosso trabalho é o paciente. Compartilhe, esclareça e esteja lá sempre que ele precisar.

Respeite a sua vontade e trabalhem juntos com o objetivo de fazer o melhor. Com essa receita podemos não atingir os resultados que queremos, mas estaremos sempre no caminho certo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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  • Back A, Arnold R, Tulsky J. Mastering communication with seriously ill patients – Balancing honesty with empathy and hope. Cambridge University Press, 2009.
  • D’Alessandro MPS, Pires CT, Forte DN [coord.] et al. Manual de cuidados paliativos. São Paulo: Hospital Sírio-Libanês; Ministério da Saúde; 2020.

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