Em 2018, publicamos aqui no portal a respeito das mudanças na décima edição do Advanced Trauma Life Support (ATLS 10), que incluíram a indicação do uso de ácido tranexâmico (TXA) no controle de sangramento na abordagem inicial ao trauma.
O estudo CRASH-2, que foi essencial para esta mudança, demonstrou que a administração do TXA diminuiu a mortalidade de pacientes com hemorragia traumática. Dado que menos de 250 dos 20.000 pacientes tiveram lesão cerebral traumática isolada (TCE), não estava claro se o TXA teria benefícios semelhantes nessa população. Neste contexto, surgiu o estudo CRASH-3, buscando responder a seguinte pergunta: Quais os efeitos do TXA nos pacientes com TCE?
Ácido tranexâmico no TCE
O CRASH-3 foi um estudo grande conduzido em 29 países por 6 anos. Aproximadamente 9200 pacientes com TCE isolado (Escore de Glasgow Coma Scale [GCS] <13 ou qualquer sangramento intracraniano na tomografia computadorizada) que foram tratados dentro de 3 horas da lesão foram randomizados em dois grupos: um grupo com TXA (1 g em bolus de 10 min seguido de 1 g em bomba por 8h) e outro com placebo.
No geral, não houve diferença significativa na morte relacionada ao traumatismo craniano aos 28 dias (o desfecho primário; razão de risco [RR], 0,94; intervalo de confiança de 95%, 0,86-1,02). Este é um ponto importante e que gerou algumas discussões entre especialistas, dado que estatisticamente o estudo foi negativo (valor-p ligeiramente acima de 0,05). Provavelmente, isso reflete a inclusão de pacientes muito graves, que diluíram o benefício do TXA.
No entanto, análises de subgrupos mostraram reduções na mortalidade com TXA em pacientes com lesão leve a moderada (GCS> 8; RR, 0,78) e naqueles com pupilas reativas bilateralmente (RR, 0,87). As análises secundárias mostraram melhores resultados com o tratamento em pacientes com lesão leve a moderada. Um ponto importante é que o TXA não mostrou melhora nos pacientes com lesões graves. Além disso, não houve nenhuma diferença no grau de incapacidade dos sobreviventes ou eventos tromboembólicos entre os grupos TXA e placebo.
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Conclusões
O artigo concluiu que “o TXA é seguro em pacientes com TCE e que o tratamento em até 3 horas após a lesão reduz a morte relacionada ao TCE. Os pacientes devem ser tratados o mais rápido possível após a lesão.”
Em comentário a respeito do estudo, a equipe do New England Journal of Medicine (NEJM) escreveu que não esperavam que o TXA diminuísse a mortalidade nos pacientes mais graves. Ressaltou que, de forma tranquilizadora, esses dados também confirmam os achados do CRASH-2 de melhores resultados com tratamento mais rápido e sem aumento de complicações trombóticas após a administração de TXA.
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Embora alguns médicos possam discordar com base no resultado primário (pelos motivos que comentamos acima), eles sugeriram o uso do TXA em pacientes com sangramento intracraniano e TCE leve a moderado. Aguardamos os possíveis reflexos deste estudo em novas diretrizes. Será que esta recomendação estará no ATLS 11?
Referências bibliográficas:
- Effects of tranexamic acid on death, disability, vascular occlusive events and other morbidities in patients with acute traumatic brain injury (CRASH-3): A randomised, placebo-controlled trial. Lancet 2019 Oct 14; [e-pub]. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)32233-0
- Comentários do NEJM: https://www.jwatch.org/na50183/2019/11/13/tranexamic-acid-reduces-mortality-patients-with-mild
- Roberts I, Shakur H, Coats T, et al. The CRASH-2 trial: a randomised controlled trial and economic evaluation of the effects of tranexamic acid on death, vascular occlusive events and transfusion requirement in bleeding trauma patients. Health Technol Assess. 2013;17(10):1-79. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23477634.
- Perel P, Al-Shahi S, Kawahara T, et al. CRASH-2 (Clinical Randomisation of an Antifibrinolytic in Significant Haemorrhage) intracranial bleeding study: the effect of tranexamic acid in traumatic brain injury–a nested randomised, placebo-controlled trial. Health Technol Assess. 2012;16(13):iii-xii, 1-54. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22417901.