Diagnóstico da síndrome demencial

Diversos dados clínicos e de exames complementares devem ser conjugados para a realização do diagnóstico de síndrome demencial.

Demência é uma condição adquirida caracterizada por um declínio cognitivo envolvendo um ou mais domínios da cognição (aprendizado e memória, linguagem, função executiva, atenção complexa, perceptomotor (habilidades visoespaciais), cognição social). As definições tradicionais de síndrome demencial falam de um declínio em, ao menos, dois domínios cognitivos, enquanto o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), em sua definição de Transtorno Neurocognitivo Maior, demanda somente o declínio em um domínio cognitivo.

O déficit precisa representar um declínio do nível de funcionamento prévio e ser grave o bastante para interferir nas atividades de vida diária e na independência do paciente. A forma mais comum de demência em idosos é a doença de Alzheimer, representando 60-80% dos casos.

O comprometimento cognitivo leve (CCL) é um estágio de transição entre cognição normal e demência — indivíduos com CCL têm maior risco para desenvolver demência. É um diagnóstico sindrômico, relacionado à idade, em que se observam alterações discretas nos domínios cognitivos — desempenho abaixo do esperado para idade e escolaridade em testagens, gerando pouco ou nenhum acometimento de funcionalidade. Estima-se uma prevalência entre 15-20% dos idosos. Ao mesmo tempo, CCL pode ser uma condição reversíveis no curso de outra doença, como depressão, alterações hormonais, deficiência nutricional ou uso de medicamentos inapropriados.

A maior parte das demências são causadas por doenças neurodegenerativas. As causas neurodegenerativas mais comuns são a doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy, demência frontotemporal e demência da doença de Parkinson. Das causas não neurodegenerativas, a demência vascular é a mais comum.

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Diagnóstico da síndrome demencial

Diagnóstico

A princípio deve-se realizar uma anamnese cuidadosa das queixas cognitivas do paciente ou dos acompanhantes, reiteradas por um informante confiável. O relato de terceiros de perda de memória é um melhor preditor da presença e do desenvolvimento futuro de demência que as queixas de memória da própria pessoa. Devemos sempre lembrar que comprometimento cognitivo do paciente deve representar uma perda em relação ao seu padrão basal. A maior parte das síndromes demenciais são progressivas e graduais, mas frequentemente os familiares tardam a reconhecer os sinais, atribuindo-os ao envelhecimento.

As queixas de memória são os sintomas mais comuns, mas outros domínios cognitivos devem estar comprometidos. Queixas frequentes de cada um dos domínios estão descritas na Tabela 1. Deve-se realizar uma história detalhada do uso de medicações que comprometem a cognição (analgésicos, anticolinérgicos, psicotrópicos, sedativos-hipnóticos). Todos os pacientes avaliados por comprometimento cognitivo devem ser ativamente investigados para um transtorno depressivo. Depressão pode mimetizar um quadro demencial ou piorar queixas cognitivas em pacientes com CCL.

Exame físico completo, incluindo o exame neurológico deve ser realizado.

Tabela 1 – Queixas frequentes e domínios cognitivos

Domínio Cognitivo Queixas
Memória Episódica Recente Dificuldade para lembrar eventos e conversas recentes ou aprender novas informações

Fazer perguntas repetitivas ou contar várias vezes a mesma história

Atenção Não lembrar onde guardou objetos

Esquecer coisas no fogo

Habilidades visoespaciais Perder-se em locais familiares
Linguagem Dificuldade de nomeação, para entender frases ou textos
Funções executivas Dificuldade para planejar, organizar e executar tarefa, como cozinhar ou gastar mais tempo do que usual em uma tarefa familiar

Dificuldade para inibir comportamentos inapropriados

Adaptada do Clínica Psiquiátrica: as grandes síndromes psiquiátricas. Capítulo 5 – Comprometimento Cognitivo Leve.

Caso a história evidencie declínio ou mudança no desempenho cognitivo, o paciente precisará ser submetido a uma avaliação cognitiva objetiva. São instrumentos de triagem:

  • Miniexame do Estado Mental (MEEM): possui boa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de demência, mas não tem boa acurácia para separar cognição normal e CCL. No entanto, pode-se proceder a análise separada dos domínios cognitivos e extrair informações daí.
  • Montreal Cognitive Assessment (MoCA): aborda os principais domínios cognitivos, como função executiva, atenção, linguagem, controle inibitório, memória e orientação temporoespacial. Os subtestes que melhor diferenciam pacientes cognitivamente normais daqueles que apresentam CCLa são a prova de evocação de memória, o teste de trilhas e a cópia do desenho do cubo.
  • Teste do Desenho do Relógio: solicita-se ao paciente que desenhe um relógio com todos os números e os ponteiros marcando uma determinada hora (ex.: 2:45h). Sofre pouca influência do grau de escolaridade.
  • Fluência Verbal: solicita-se que o paciente fale nomes de itens de uma determinada categoria, como animais ou frutas, por 1 minuto. Espera-se que indivíduos alfabetizados falem mais de 13 palavras e analfabetos mais de 9. São avaliadas habilidades como memória operacional, capacidade de organização e categorização, controle inibitório e autorregulação.
  • Bateria Breve de Rastreio Cognitivo de Nitrini: compreende um conjunto de testes, de nomeação e memorização de dez figuras, fluência verbal de animais e teste do desenho do relógio. Sofre menos influência do nível de escolaridade.

Deve-se proceder ainda a avaliação objetiva de funcionalidade, utilizando o Índice de Pfeffer e a Escala de Lawton e Brody, que avaliam as atividades instrumentais da vida diária (AIVD), como administrar finanças, medicações, deslocar-se pela cidade, utilizar transporte coletivo, organizar tarefas. A Escala de Katz avalia a autonomia do paciente para realizar atividades básicas da vida diária (ABVD), como tomar banho e outros itens de higiene pessoal, vestir-se, deambular e conter esfíncteres.

Avaliação neuropsicológica pode ser necessária em situações mais difíceis. Em geral, a aplicação repetida dos instrumentos de triagem ao longo do tempo é suficiente.

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Exames laboratoriais (rastreio de deficiência de vitamina B12 e hipotireoidismo; rastreio de neurosífilis e HIV deve ser realizado baseado na história e suspeição clínica; não há evidências que corroborem solicitação de rotina de exames como eletrólitos, função renal e hepática, glicemia de jejum, a menos que haja suspeita de um acometimento súbito, como delirium) devem ser solicitados. A Academia Americana de Neurologia recomenda a realização de neuroimagem (preferencialmente ressonância magnética). Alterações estruturais comumente relacionadas com síndromes demenciais são atrofia cerebral, ventriculomegalia, doença cerebrovascular isquêmica e microhemorragias.

Os diversos dados clínicos e de exames complementares devem ser conjugados para a realização do diagnóstico. Um diagnóstico presuntivo de Doença de Alzheimer pode ser feito na maioria dos casos onde se tem uma síndrome clínica típica, com demência vascular sendo considerada uma etiologia alternativa ou em co-ocorrência na presença de doença cerebrovascular, fatores de risco cardiovascular ou achados de neuroimagem sugestivos. Caso ocorram sintomas atípicos, a presença de parkinsonismo deve levantar a suspeita de demência por corpos de Lewy, demência da doença de Parkinson, paralisia supranuclear progressiva, degeneração corticobasal e atrofia multissistêmica. Alucinações visuais e alterações comportamentais do sono REM são característicos da demência por corpos de Lewy. Alterações comportamentais sugerem demência frontotemporal.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • American Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
  • Miguel, Euripedes Constantino et al. Clínica Psiquiátrica: as grandes síndromes psiquiátricas. 2ª ed. Barueri, SP: Manole, 2021. v.2.
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  • Knopman DS, DeKosky ST, Cummings JL, Chui H, Corey-Bloom J, Relkin N, Small GW, Miller B, Stevens JC. Practice parameter: diagnosis of dementia (an evidence-based review). Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology. 2001 May 8;56(9):1143-53. DOI: 10.1212/wnl.56.9.1143
  • Petersen RC, Stevens JC, Ganguli M, Tangalos EG, Cummings JL, DeKosky ST. Practice parameter: early detection of dementia: mild cognitive impairment (an evidence-based review). Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology. 2001 May 8;56(9):1133-42. DOI: 10.1212/wnl.56.9.1133

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