Diretriz para manejo dos linfomas T periférico de células maduras e natural-killer

Linfomas de células T comportam um grupo heterogêneo de doenças raras que se proliferam a partir de linfócitos pós-tímicos clonais.

Os linfomas de células T periféricos (LCTP) comportam um grupo heterogêneo de doenças raras que se proliferam a partir de linfócitos pós-tímicos clonais. Por possuírem similaridades funcionais, as neoplasias de células natural-killer, mais comumente chamadas de células NK são também incluídas no mesmo grupo pela Organização Mundial de Saúde em seu material didático de classificação revisado em 2016.  Na mesma obra podemos destacar uma subcategorização envolvendo os tipos leucêmicos (disseminados), nodais, extra nodais e de manifestação cutânea.  

Neste escopo, a Sociedade Britânica de Hematologia (BSH – em inglês) publicou em novembro de 2021, pelo periódico British Journal of Hematology, uma atualização das suas recomendações envolvendo a abordagem dessas neoplasias. O sistema de graduação de evidências utilizados foi o GRADE system. Abordaremos neste artigo as principais recomendações. Para mais detalhes, acessem o texto disponibilizado nas referências.

Saiba mais: Aférese terapêutica no ambiente da terapia intensiva: uma revisão narrativa

linfomas

Recomendações gerais para os LCTPs 

O diagnóstico preciso dos LCTP é muito desafiador, uma vez que podem ocorrer altas taxas de discordância entre os marcadores imunofenotípicos, citogenéticos, moleculares e morfológicos relatados. É essencial que um hematopatologista experiente no diagnóstico dessas neoplasias seja consultado e as lâminas revisadas sempre que possível (GRADE 1B). Virtualmente todos os LCTPs com apresentação nodal apresentam avidez ao PET/CT e, por isso, devem ser estratificados antes do tratamento e após o mesmo para avaliação de resposta e decisão quanto à indicação de transplante de medula óssea (TMO) em formas não leucêmicas (GRADE 1C). A biópsia de medula óssea (BMO) deve ser oferecida a todos os pacientes devido à menor sensibilidade do PET/CT em identificar doença intramedular nesses pacientes, tendo em vista ainda que 35% desses indivíduos apresentam doença medular ao diagnóstico (GRADE 1C).  

Leucemia pro-linfocítica de células T (LPL-T) 

As LPL-T são doenças raras, que correspondem a aproximadamente 2% das leucemias de células pequenas em adultos, com apresentação típica envolvendo linfocitose de sangue periférico frequentemente > 100.000 x 109, esplenomegalia e adenopatia. O prognóstico é reservado. O diagnóstico é feito comumente através de análise imunofenotípica de sangue periférico (positividade para CD7 e positividade variável para CD4 ou CD8) e citogenética, com mais de metade dos pacientes apresentam aberrações do cromossomo 8. Para pacientes com diagnóstico, porém assintomáticos, a abordagem conservadora de “watch-and-wait” (observar e aguardar) é recomendada (GRADE 1C). A terapia em primeira linha com Alemtuzumab em linfomas com marcação para CD52 é recomendada tendo como base um estudo de fase II, braço único, em que as taxas de sobrevida livre de progressão (SLP), sobrevida global (SG), taxa de resposta global (RG) e taxa de resposta completa (RC) apresentaram níveis significativamente diferentes de um controle histórico tratado com esquemas oriundos do regime CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona) (GRADE 1B). Na indisponibilidade da droga, este último é o regime de eleição. Considerar uso de Alemtuzumab nos recaídos que não haviam expostos à droga ou que obtiveram resposta inicial ao esquema com duração de remissão > 6meses e em que a marcação para CD52 persiste (GRADE 2B). Durante o tratamento, fazer profilaxia para pneumocistose e herpes zoster, assim como monitorar para CMV com PCR quantitativo se disponível no serviço (GRADE 1C). O papel do TMO é discutível, uma vez que os dados são limitados, principalmente quando consideramos as taxas de mortalidade relacionadas ao procedimento. Logo, o TMO alogênico deve ser preferido para pacientes jovens e o autólogo para pacientes mais idosos, porém elegíveis ao procedimento (GRADE 2C).  

Leucemia de grandes linfócitos granulares T/NK (LGL-T/LGL-NK)   

O diagnóstico de LGL-T/NK é feito a partir de imunofenotipagem de sangue periférico/medula óssea e/ou imuno-histoquímica de BMO. Habitualmente se apresenta como linfocitose persistente clonal (> seis meses) com marcação para CD8 citotóxico e receptor de células T (TCR – em inglês) αβ positivo. 30% dos casos estão associados a doenças reumatológicas, em especial a artrite reumatoide com síndrome de Felty. Uma pancitopenia é frequentemente observada nesses pacientes. Pacientes assintomáticos devem ser manejados por “watch-and-wait” (GRADE 1B). Pacientes com citopenias importantes, marcadamente neutropenia e dependência transfusional devem ser tratados com metotrexato em baixas doses, ciclofosfamida ou ciclosporina oral em primeira linha (GRADE 1B). Para avaliação de resposta, o tratamento deve ser mantido por pelo menos 4 meses (GRADE 1B). Em caso de refratariedade, considerar trocar o agente imunossupressor (GRADE 1B).  

Linfoma/Leucemia de células T do adulto (ATLL – em inglês) 

Essa entidade está intimamente ligada à infecção pelo HTLV-1, sendo que deve ser feita a pesquisa do DNA viral ou da sorologia para o vírus nos pacientes com diagnóstico da neoplasia, familiares de primeiro grau e parceiros (GRADE 1B). Na imuno-histoquímica, a marcação para o DNA viral é essencial para diferenciar entre o paciente portador do vírus sem doença relacionada à infecção da ATLL em si. O prognóstico deste linfoma é muito reservado, com mediana de sobrevida de 8 a 10 meses. Os subtipos indolentes apresentam sobrevida de dois a quatro anos. Dessa forma, o TMO alogênico como consolidação deve ser oferecido para todos os pacientes elegíveis ao procedimento (GRADE 1B). Pacientes com diagnóstico das formas leucêmicas agressivas de ATLL devem ser tratados com altas doses de Zidovudina (AZT) e Interferon-α (IFN-α) como indução e, aqueles que não puderem ser submetidos ao TMO alogênico como consolidação, devem usar doses de manutenção da droga (GRADE 1C). Pacientes com as formas nodais devem receber CHOP + Etoposide (CHOEP) associados a doses menores de AZT + IFN-α (GRADE 1C).  

Linfomas anaplásicos de grandes células (LAGC) 

No último guia de classificação da OMS publicado em 2016, quatro formas principais são abordadas neste grupo: linfoma anaplásico sistêmico primário kinase positivo (ALK-positivo), kinase negativo (ALK-negativo), cutâneo-primário, associado a prótese de mama. Aqui abordaremos aqueles não relacionados à pele. Em termos de prognóstico, os LAGC ALK-positivos são mais favoráveis, acometendo em geral pacientes mais jovens. O Índice de Prognóstico Internacional (IPI) é muito útil em estratificar esses pacientes: naqueles com IPI < 2 e/ou Idade < 40 anos são abordados como risco favorável. Em geral esses pacientes já se apresentam com estadiamento avançado ao diagnóstico. As recomendações para estadiamento precoce são as mesmas do estadiamento avançado. O tratamento recomendado de primeira linha corresponde a seis ciclos de CHP + Brentuximab Vedotina (BV) para ALK-positivo e ALK-negativo com CD30 positivo (GRADE 1A). Esse dado veio de análise pós-hoc do estudo ECHELON-2 devido a aumento de SLP e SG no estudo. Na indisponibilidade do BV, o esquema CHOEP deve ser preferido. Considerar TMO autólogo como consolidação em primeira remissão completa para pacientes com ALK-negativo ou ALK-positivo associado a fatores de alto risco (IPI ≥ 2 e/ou idade > 40 anos) (GRADE 2B). Considere radioterapia de campos envolvidos + quimioterapia em pacientes com diagnóstico de LAGC com estadiamento precoce (GRADE 1B). BV deve ser tentado para pacientes (CD 30+) recaídos com resposta à droga em primeira linha, apresentando altas taxas de resposta e para pacientes recaídos/refratários não expostos previamente à droga (GRADE 1B). Linfomas anaplásicos relacionados a prótese mamária são, em geral, curados por abordagem cirúrgica e retirada da prótese quando estão localizados. 

LCTP não-especificados e linfomas angioimunoblásticos 

Infelizmente, mais uma vez, estamos diante de um subgrupo de doenças com prognóstico ruim, com sobrevida livre de falha de tratamento em 5 anos beirando 20% e SG em 5 anos de 30%. O IPI pode ser usado como preditor de desfecho, porém pouco avançado nos tratamentos foi observado nos últimos anos. A primeira linha ainda permanece um regime baseado no CHOP (GRADE 1B) e dados são inconclusivos para indicação de CHOEP. No estudo ECHELON-2 a fração de pacientes com esses diagnósticos específicos marcado para CD30 foi pequena e não foi possível indicar o uso de BV, ainda não aprovado para esses fins na Europa. TMO autólogo de consolidação após resposta em primeira linha deve ser considerado (GRADE 2B). Quimioterapia de altas doses de resgate, em pacientes recaídos/refratários, deve ser tentada (GRADE 1C). A profilaxia de infiltração de sistema nervoso central (SNC) deve basear-se no escore CNS-IPI para linfoma difuso de grandes células B (GRADE 2C). O TMO alogênico deve ser oferecido para recaídos/refratários após 2ª remissão (GRADE 2C).  

Linfoma Extra nodal de células T/NK 

Linfoma agressivo, extra nodal, geralmente do tipo NK, com marcações para CD2+, CD56+, CD3+, CD8 citotóxico +). O vírus Epstein-Barr (EBV) está implicado em todos os casos. Classicamente se apresenta na cavidade nasal localizado ou sistêmico. A presença de doença extra nasal é o principal fator de pior prognóstico. O índice utilizado para prognóstico é o índice “PINK”. Como o tratamento das formas localizada e sistêmica são diferentes, o correto diagnóstico e estadiamento é essencial. O PET/CT deve ser oferecido para avaliação de doença extra nasal (GRADE 1B). A Ressonância Magnética (RM) deve ser realizada para avaliar extensão da doença local (GRADE 2C). A presença do EBV deve ser confirmada nas células tumorais utilizando a técnica de EBER-ISH (hibridização in situ de pequenos RNAs codificados atribuídos ao EBV) (GRADE 1A). O tratamento de primeira linha envolve quimioterapia com regimes sem antracíclico, baseados em platina e/ou L-asparaginase como o SMILE (dexametasona, metotrexato, ifosfamida, L-asparaginase e etoposide), DDGP ou AspMetDex com mortalidade associada ao tratamento de 6 –7 %, SG em 5 anos de 50% e taxa de RG de 80% (GRADE 1B). Para pacientes com doença localizada (estágio I e II), realizar radioterapia com campos envolvidos associada à QT (GRADE 1B). O papel do TMO é pouco definido, no entanto sugere-se a realização de TMO autólogo em primeira consolidação.

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Linfoma Hepatoesplênico de células T 

Um linfoma raro e agressivo que acomete homens jovens em sua maioria e pode ser secundário a transplante de órgãos sólidos ou uso de imunossupressores em outros contextos clínicos. É uma doença sistêmica, extra nodal, que acomete fígado, baço e medula óssea. A histologia típica é caracterizada por células tumorais infiltrando os capilares sinusoides esplênicos. O fenótipo clássico expressa TCR gama-delta com anormalidades no isocromossomo 7q. Pode ser encontrada uma variante alfa-beta. PET/CT confirma a ausência de linfadenomegalias. Uma trissomia do 8 é classicamente vista. Os dados para avaliação da melhor terapêutica são escassos, no entanto resultados promissores são relatados em séries de casos utilizando quimioterapia de altas doses como IVAC/ICE como indução (GRADE 2C) e TMO alogênico como consolidação (GRADE 1C).

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Fox, C.P. et al. Guidelines for the management of mature T- and natural killer-cell lymphomas (excluding cutaneous T-cell lymphoma): a British Society for Haematology Guideline. Br J Haematol, 2022, 196: 507-522. https://doi.org/10.1111/bjh.17951 

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