Disfunção plaquetária na doença renal contraindica antiagregantes plaquetários?

Quase todos os compostos nitrogenados acumulados no contexto da doença renal têm algum tipo de efeito inibitório sobre a função plaquetária.

Quase todas as doenças crônico-degenerativas conhecidas exercem algum tipo de efeito sobre o sangue, seja sobre as hemácias ou seus outros componentes. Quando falamos das plaquetas, especificamente, a complicação hematológica mais comum dessas doenças é a trombose.  

Porém, no caso da doença renal crônica (DRC), existe ainda o risco bem documentado de sangramento e várias pesquisas têm tentado descobrir sua relevância e sua fisiopatologia. Uma das principais preocupações em relação a esses dados é se os antiagregantes plaquetários, como AAS e clopidogrel, seriam igualmente eficazes em pacientes saudáveis e pacientes portadores de DRC. 

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pessoa com doença renal crônica segurando modelo de rim

Disfunção plaquetária na DRC 

Existem muitos mecanismos sugeridos para explicar a disfunção plaquetária na DRC. Pacientes renais crônicos possuem menor quantidade de plaquetas circulantes, tanto pelo consumo (ex: em sessões de hemodiálise ou coagulação inadequada) quanto pela baixa produção. Associado a isso, quase todos os compostos nitrogenados acumulados no contexto da doença renal têm algum tipo de efeito inibitório sobre a função plaquetária. 

A ureia, especificamente, é capaz de inibir os processos de ativação e agregação plaquetária, interferindo diretamente na sinalização por ADP, epinefrina e colágeno. Por esse motivo, o sangramento é uma complicação potencialmente grave da uremia que requer tratamento dialítico. Além disso, a própria anemia da doença inflamatória crônica compromete a função plaquetária, que é uma função predominantemente ativa. 

Disfunção plaquetária  na DRC 

O que deixa dúvida nas pesquisas é como a DRC pode aumentar o risco de sangramento, uma vez que as mesmas toxinas urêmicas também induzem a trombogênese. De fato, a DRC induz lesão microvascular e endotelial difusa que favorece a formação de trombos na microcirculação. Esse elemento levou à hipótese que hoje explica melhor o processo fisiopatológico do sangramento na DRC: o esgotamento plaquetário.

Além de diminuídas em número, as plaquetas do paciente com DRC estão em constante ativação devido aos processos citados anteriormente, o que esgota os mecanismos moleculares que sinalizam o processo de ativação e agregação plaquetária. As plaquetas resultantes não conseguem ter a mesma eficácia predispondo o paciente ao sangramento. 

Dentro desse contexto, surge a dúvida: se o paciente DRC tem ao mesmo tempo um risco trombótico e risco de sangramento relevantes, vale a pena usar ou não antiagregantes plaquetários nessa população? Outra dúvida frequente é se, considerando esse mecanismo de exaustão proposto, essas medicações teriam a mesma eficácia. 

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Conclusão 

As evidências mostram que o AAS, principal medicação no processo de prevenção primária e secundária de doenças cardiovasculares, tem efeito levemente reduzido no paciente DRC, porém também com baixo risco adicional de sangramento. Já o clopidogrel tem o efeito também reduzido na DRC, mas com um risco maior de induzir sangramento. Apesar disso, o risco associado a doenças cardiovasculares é considerável o suficiente para não contraindicar o uso dessas medicações. 

A dupla antiagregação plaquetária, quando indicada (ex: após angioplastia coronariana com stent) pode ser usada em pacientes com DRC, porém com alguns cuidados. É importante saber que o efeito das drogas nesses pacientes é menor, o que quer dizer que o risco de doença cardiovascular continua elevado em relação a pacientes sem a doença, sendo necessário acompanhamento próximo quanto ao surgimento de novos sinais. 

Além disso, considerando o maior risco de sangramento relacionado ao clopidogrel, o uso do medicamento deve ser reduzido ao mínimo necessário. O perigo de uma doença cardiovascular ainda supera a ameaça de sangramento. Porém, se possível, o ideal é que o tempo de uso seja o mínimo necessário para a proteção cardiovascular, entre três e seis meses, se o quadro clínico do paciente permitir o período reduzido. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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