Hiperferritinemia: diagnóstico e tratamento

A hiperferritinemia induzida pelo álcool geralmente apresenta níveis flutuantes, ao contrário de outras condições genéticas.

Diagnóstico 

A história médica deve ser minuciosamente avaliada a fim de verificar se há quaisquer condições clínicas conhecidas que possam causar um aumento secundário de ferritina. A história familiar de hiperferritinemia é de especial interesse, uma vez que isso pode indicar uma causa hereditária.

Se o paciente tem um parente de primeiro grau conhecido com hemocromatose hereditária (HH), a realização direta do teste genético para detecção de mutações no gene HFE deve ser considerada. Geralmente é razoável repetir as medidas de ferritina ao longo do tempo.  

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Ao encontrar uma ferritina moderada e isolada (< 1000 μg/L) em um paciente saudável, com saturação de transferrina normal, um período de observação com ajustes no estilo de vida, se apropriado, e medidas repetidas após dois a três meses, pode ser útil no diagnóstico. A hiperferritinemia induzida pelo álcool, esteatose hepática, esteatohepatite ou qualquer forma de reação de fase geralmente apresenta níveis flutuantes, ao contrário da HH ou outras condições genéticas.

Ferritina acentuadamente elevada (> 10.000 μg/L) deve levar à consideração de condições raras como a doença de Still do adulto e linfohistiocitose hemofagocítica, embora tais níveis também possam ser observados em condições mais comuns como doença renal, doença hepática, infecção ou malignidade. 

Se a saturação de transferrina for normal, as causas secundárias são de interesse nas fases iniciais da investigação. Indica-se solicitação de exames laboratoriais para avaliação de função renal, hepática, lesão hepatocitária e avaliação de síndrome metabólica. Pacientes com ferritina estável (> 1000 μg/L) e/ou testes de função hepática anormais devem ser considerados para encaminhamento e investigação adicional, independentemente da saturação de transferrina, pois isso está associado a um risco aumentado de fibrose hepática e provavelmente é devido a patologia subjacente grave. 

Por fim, um aumento lento e progressivo na ferritina ao longo do tempo indica uma sobrecarga de ferro em curso, e uma saturação de transferrina elevada geralmente pode confirmar isso. Saturação de transferrina > 45% em mulheres e > 50% em homens é geralmente considerada elevada. Se uma saturação de transferrina alta for confirmada, é recomendado realizar o teste genético para variantes HFE comuns, mesmo em pacientes assintomáticos.  

Casos clínicos em que a avaliação da carga hepática de ferro deve ser considerada: 

  • Saturação de transferrina > 50% sem nenhuma causa clara;
  • Ferritina > 1000 μg/L com saturação de transferrina normal e sem explicação óbvia;
  • Ferritina > 1000 μg/L com fatores de risco de doença hepática (por exemplo, álcool, hepatite viral, obesidade);
  • Homozigotos para C282Y com ferritina > 1000 μg/L e/ou transaminases hepáticas elevadas;
  • Hiperferritinemia com histórico de múltiplas transfusões; 
  • Hiperferritinemia e múltiplas condições associadas à ferritina elevada identificadas;
  • Ferritina aumentando ao longo do tempo, apesar de uma causa subjacente suspeita estar sendo considerada controlada. 

Embora a biópsia hepática ainda seja o padrão ouro para a quantificação do ferro intra-hepatocitário, a ressonância magnética hepática não invasiva reduziu o número de biópsias necessárias e é o método preferido em muitos casos. Quando um excesso de ferro é detectado por ressonância magnética hepática, deve-se considerar causas genéticas raras de sobrecarga de ferro.

Finalmente, como a depleção de ferro por flebotomia continua sendo a base do tratamento em HH, um teste de flebotomia é uma abordagem alternativa invasiva para determinar a presença de sobrecarga de ferro. Quando os pacientes toleram flebotomias semanais sem se tornarem anêmicos, geralmente, é uma prova de que há uma sobrecarga de ferro sendo mobilizada e removida dos estoques.

A hiperferritinemia permanece sem explicação após uma avaliação minuciosa em muitos pacientes, pois a observação e o acompanhamento podem ser mais apropriados do que a investigação invasiva.  

Pacientes com níveis levemente elevados de ferritina (300-1000 μg/L) em que a sobrecarga de ferro é improvável devem receber orientações de estilo de vida, como abstinência de álcool, melhor controle glicêmico, redução de peso e instruções dietéticas para reduzir as concentrações de triglicerídeos quando comportamentos de estilo de vida são identificados como uma possível causa (reavaliação em 06 semanas). 

Tratamento 

Conforme já descrito no corpo do texto, o acompanhamento do caso com exames laboratoriais periódicos é o mais indicado para pacientes com ferritinas moderadas (300 – 1000 µg/L) nos quais suspeita-se de DGHNA ou lesões associadas ao uso de álcool. Mudanças no estilo de vida e abstinência alcoólica são as recomendações mais adequadas. Os resultados podem demorar até 06 semanas para começarem a aparecer. Hepatites virais podem cursar também com alterações da ferritina e cursar com discreta sobrecarga de ferro, sendo importante excluí-las.  

Pacientes com diagnóstico de mutação do gene HFE, seja em homozigose para C282Y ou dupla heterozigose C282Y/H63D com ferritina > 1000 µg/L e/ou elevação de transaminases, devem ser melhor avaliados quanto à sobrecarga de ferro hepática. O guideline britânico sugere biópsia hepática para avaliação de fibrose e quantificação de sobrecarga de ferro hepático para pacientes homozigotos. O hepatocarcionoma está relacionado a aproximadamente 30% de mortalidade nos pacientes com mutações do gene HFE e deve ser buscado de 6/6 meses com USG hepática e dosagem de alfafetoproteína. Em pacientes com a mutação e ferritina < 1000 µg/L, o grau de fibrose tende a ser mínimo.   

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A indicação de flebotomia e o acompanhamento da hemoglobina e perfil de ferro é empírica e diverge entre os guidelines. Como uma forma de orientação: pacientes do sexo masculino com HH devem iniciar flebotomias quando a ferritina for > 300µg/L e o Índice de Saturação de Transferrina (IST) for > 50%, enquanto pacientes do sexo feminino devem ter como gatilho os valores de > 200µg/L e > 45%, respectivamente. As flebotomias devem ser mensais ou bimensais, removendo um volume de aproximadamente 400-500mL por sessão.  

O número de sessões e o volume devem ser ajustados conforme tolerância e com os níveis-alvo de IST e ferritina. Esses devem ser monitorizados mais de perto quando em regime de flebotomias e julga-se suficiente uma frequência de 3/3 meses para acompanhamento. As recomendações acima servem apenas para pacientes adultos! Pode-se estabelecer como alvo de ferritina algo próximo a 50µg/L. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Sandnes M, Ulvik RJ, Vorland M, Reikvam H. Hyperferritinemia-A Clinical Overview. J Clin Med. 2021;10(9):2008. Published 2021 May 7. DOI:10.3390/jcm10092008