Dor crônica: boas práticas na construção da relação médico-paciente

De acordo com a IASP define-se dor crônica através do processo de dor que persiste ou recorre acima de 3 meses.

As principais causas de incapacidade do mundo são decorrentes de doenças relacionadas a dor. A dor crônica é uma entidade clínica que afeta entre um terço a metade da população globalmente, embora a dor crônica de elevado impacto ─ definida como dor quase diária por pelo menos três meses e que restringe pelo menos uma atividade diária ─  seja encontrada em menor prevalência, em 4.8% da população estadunidense de acordo com estudo observacional publicado em 2019.  

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Além disso, a dor crônica é uma das queixas mais comuns para acesso ao sistema de saúde, há estimativa de que 22-50% das consultas são em decorrência de problemas relacionados a dor. 

Ainda assim, a dor crônica apresenta uma falta na identificação de biomarcadores diagnósticos, assim como as opções terapêuticas disponíveis podem ser pouco efetivas. Dessa forma, o tratamento dessa condição resulta em frustração, tanto para os pacientes quanto para os seus médicos. 

A BMJ publica um artigo sobre o tema, discursando tanto sobre a definição de dor crônica, como também recomendações para construir uma boa relação médico-paciente diante dessa queixa. 

dor crônica

Definição

De acordo com a Internation Association for the Study of Pain (IASP), define-se dor crônica através do processo de dor que persiste ou recorre acima de meses meses. Assim, o aspecto crônico da dor é definido como sensação que persiste apesar do tempo de cura tecidual em virtude de uma injúria. 

A dor crônica pode ser subdividida em: primária e secundária. 

▪ Primária: a dor é considerada condição principal e envolvida por si só no processo de doença.
Exemplo: fibromialgia ou migrânea crônica.  

▪ Secundária: a manifestação de dor é secundária a um processo de uma doença mais ampla.
Exemplo: artrite reumatoide. 

Quando suspeitar de dor crônica primária? 

Geralmente, a dor crônica primária possui características na história clínica como: dor difusa e persistente, terapias geralmente inefetivas e relato de diagnóstico prévio dessa condição.  

Contudo, os indivíduos acometidos por essa condição costumam apresentar uma conjuntura clínica que envolve sintomas muito além da própria esfera de dor. 

Geralmente, esses pacientes costumam apresentar hipersensibilidade a alguns estímulos (táteis, visuais ou auditivos), fadiga, sensação e exaustão e até história de numerosas comorbidades e alergias. 

Vale enfatizar que sintomas como sono pouco restaurador, distúrbios de humor, baixo nível de atividade física, distúrbios de memória e fadiga podem ocorrer como consequência daquele indivíduo em conviver com a dor crônica. 

Na experiência dos autores dessa publicação, a aptidão do clínico em ofertar um diagnóstico único a partir dessa constelação de sintomas aparentemente não agrupáveis, permite que o paciente se sinta validado nas suas queixas e, também, mais acolhido diante desse processo. 

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Como investigar a dor primária crônica? 

A solicitação de exames complementares, seja para identificar ou para excluir comorbidades, irá variar muito com a suspeita clínica em questão. 

Contudo, apresentar uma clara comunicação do resultado desses testes ao paciente é imprescindível, ainda mais quando o paciente recebe resultados normais dessa propedêutica. Se, para o médico, o resultado normal dessa abordagem reassegura a sua hipótese diagnóstica, para os pacientes há a possibilidade de se sentirem frustrados diante desse achado que não é compatível com a sua experiência de dor. 

Uma recomendação interessante dessa publicação é tentar auxiliar, durante a consulta médica, a explicação do que seria a dor crônica.  

Sabe-se que o sintoma dor é uma sensação precoce do sistema de alerta do organismo, permitindo atentar-se a potenciais ameaças ─ não necessariamente depende da ocorrência de uma injúria tecidual. Na dor crônica, apesar do tecido estar íntegro, as vias relacionadas a dor não funcionam de forma adequada. Essa explicação pode ser utilizada durante a consulta médica para justificar a razão de alguns exames solicitados na propedêutica poderem ser normais e, mesmo assim, esse resultado não significar a ausência de um problema de saúde. 

Qual a melhor forma de discutir a dor crônica primária com os pacientes? 

Construir inicialmente uma boa relação clínico-paciente é uma das grandes chaves para o sucesso do acompanhamento e do tratamento. Validar a experiência de dor exorbitante descrita pelos pacientes e apresentar uma escuta ativa pelo clínico são formas de construir essa relação. 

Os pacientes acometidos com essa condição geralmente necessitam de um diagnóstico específico para essa dor, assim como desejam compreender a sua causa. Apesar dessas necessidades, geralmente os pacientes tendem a compreender a incerteza fisiopatológica do processo de dor crônica e as dificuldades atreladas ao seu tratamento. 

De acordo com alguns estudos de corte populacionais, a dor crônica apresenta evolução em que persiste ou flutua ao longo dos anos – ao invés de resolver a dor propriamente dita como seria o cenário ideal. Em decorrência desse prognóstico ruim, uma das recomendações para o médico é ressaltar para o paciente que a qualidade de vida não depende apenas em reduzir a intensidade da dor, mas requer o uso de estratégias para melhorar o bem-estar a despeito da dor.  

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Mensagem final 

▪ De acordo com critérios da IASP, dor crônica é definida quando persiste ou recorre acima de três meses. 

▪ O indivíduo que convive com esse tipo de dor pode também apresentar sono pouco restaurador, distúrbios de humor, baixo nível de atividade física, distúrbios de memória e fadiga. 

▪ A construção de uma boa relação médico-paciente acerca da dor crônica depende de fatores, como: escuta ativa do médico quanto às queixas descritas pelo paciente, a capacidade do clínico em agrupar e externalizar a imensidão de sintomas envolvidos nesse processo de dor, a explicação de dor crônica durante a consulta médica, a clareza sobre seu prognóstico e ampliar o conceito de qualidade de vida (que vai muito além da ausência de dor). 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Kang, Youngjoo, et al. "Chronic pain: definitions and diagnosis." bmj 381 (2023).