EM. PED 2023: Como abordar a criança com febre, mas sem sinais localizatórios?

No EM. PED 2023 foi realizada uma mesa redonda sobre febre, um dos maiores motivos de atendimento pediátrico em emergências.

No segundo dia do 2° Congresso Sul-Americano e 4° Congresso Paulista de Urgências e Emergências Pediátricas, o tema “Febre sem sinais localizatórios” ganhou uma sessão notória, com três excepcionais palestrantes internacionais. Segue, abaixo, a síntese da primeira apresentação da conferência:

Como abordar a criança com febre, mas sem sinais localizatórios

Infecções bacterianas graves em lactentes febris com ≤ 60 dias de idade

O Dr. Nathan Kuppermann, emergencista pediátrico e professor da University of California (UCDavis), iniciou a discussão enfatizando que os lactentes febris com idade igual ou inferior a 60 dias apresentam sério risco de infecções bacterianas (8 a 10%), com destaque para as infecções do trato urinário (ITU – 7 a 8%). Infecções bacterianas invasivas (IBI) também podem ocorrer, sendo que cerca de 2% se apresentam com bacteremia e 0,5% correspondem a quadros de meningite bacteriana. No entanto, não há um critério clínico ou laboratorial que possa distinguir, perfeitamente, infecções leves das potencialmente graves. De acordo com o palestrante, na tentativa de equilibrar os riscos de IBI não diagnosticadas com os riscos de exames agressivos, hospitalizações desnecessárias e uso excessivo de antibióticos, as consequências não intencionais têm sido subestimadas.

Saiba mais: Classificação como guia para antibioticoterapia em infecções abdominais

Etiologia

Quando a febre é considerada de forma isolada, quanto mais elevada, mais alto é também o risco de infecção grave. No entanto, outras variáveis precisam ser analisadas. Em crianças com menos de três meses, muitas vezes a origem da febre é uma infecção viral. O Dr. Kuppermann, inclusive, citou um artigo em que participou como autor (Risk of Bacterial Coinfections in Febrile Infants 60 Days Old and Younger with Documented Viral Infections – Mahajan e colaboradores, 2018), cujo objetivo foi determinar o risco de IBI em lactentes jovens febris com e sem infecções virais. Nesse estudo, lactentes febris ≤ 60 dias de idade com infecções virais têm um risco significativamente menor, mas não desprezível, de IBI, incluindo bacteremia e meningite bacteriana. Agentes virais frequentes nessa faixa etária incluem os enterovírus, o vírus sincicial respiratório (VSR), adenovírus e influenza.

Em crianças de 0 a 2 meses com febre significativa, a meningite bacteriana pode ser causada pelo vírus herpes simples (considerar esse agente se houver pleocitose no líquor no primeiro mês de vida, em especial nas primeiras três semanas). Já os patógenos associados à bacteremia são: Escherichia coli (40-60%) e Streptococcus agalactiae do grupo B (20-25%). Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus e outras bactérias também podem estar envolvidas.

Infecção do trato urinário (ITU)

Em grande parte das vezes, a ITU em bebês de 0 a 2 meses é causada pela Escherichia coli, sendo mais frequente em meninos circuncisados do que em meninas. A presença de meningite concomitante com urocultura positiva é de 1% de crianças de até um mês de vida, sendo inferior a 0,1% em lactentes de 1 a 2 meses. Já a ocorrência de bacteremia com urocultura positiva é de 4 a 9% nessa faixa etária.

Risco de IBI e hospitalização conforme a faixa etária

O palestrante mencionou o estudo Variation in care of the febrile young infant < 90 days in US pediatric emergency departments (Aronson e colaboradores, 2014) que concluiu que a frequência e a variação na administração de antibioticoterapia e aciclovir em lactentes hospitalizados foram inversamente associadas à idade.

Passo a passo da abordagem da febre

Outro artigo citado pelo Dr. Kuppermann foi o Validation of the “Step-by-Step” Approach in the Management of Young Febrile Infants (Gomez e colaboradores, 2016). O estudo validou a estratégia “step-by-step”, uma abordagem sequencial para lactentes jovens febris com base em parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo descrita como uma ferramenta precisa na identificação de pacientes com risco de IBI. Os seguintes itens representam elevado risco: estado geral, idade ≤ 21 dias de vida, leucocitúria, procalcitonina igual ou superior a 0,5 ng/mL, proteína-C-reativa > 20 mg/L ou neutrófilos totais > 10.000 células/mm³.

Como identificar IBI em crianças com 60 dias de vida ou menos?

Para finalizar, o palestrante citou um estudo de sua autoria intitulado A clinical prediction rule to identify febrile infants 60 days and younger at low risk for serious bacterial infections (Kuppermann e colaboradores, 2019), em que houve a validação do escore denominado PECARN (Febrile Infant Working Group of the Pediatric Emergency Care Applied Research Network). A conclusão foi que a aplicação desse modelo preditivo para o reconhecimento de lactentes febris com ≤ 60 dias de idade em baixo risco para IBI por meio de análise de urina, contagem absoluta de neutrófilos (arredondada para ≤ 4.000 células/mm³) e procalcitonina (arredondada para ≤ 0,5 ng/mL) tem potencial para diminuir a quantidade de punções lombares, hospitalizações e antibioticoterapia desnecessários.

Leia mais: Como diagnosticar infecção bacteriana grave em crianças?

Implicações na prática clínica

Para crianças de 0 a 3 semanas de idade, uma avaliação completa e uso de antibióticos (hospitalização) é recomendado. O Dr. Kuppermann recomenda a aplicação de um escore preditivo como o “step-by-step” ou PECARN em lactentes de 3 a 8 semanas de vida, mas não indica sua utilização em bebês com menos de 3 semanas por não haver ainda dados robustos e pelo risco elevado de infecção por herpes simples e de meningite bacteriana. Por fim, declarou que a análise genômica é um grande passo para o futuro e que mudará muito a abordagem clínica diante do paciente pediátrico febril.

Comentário sobre febre em pediatria

A febre é um dos maiores motivos de atendimento pediátrico em emergências e um escore validado que possa avaliar o risco de infecção grave pode, e muito, auxiliar o pediatra na tomada de decisões na prática clínica, sempre como complemento de anamnese e exame físico.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Kuppermann N. Infecções bacterianas graves em lactentes febris com ≤ 60 dias de idade. 2° Congresso Sul-Americano e 4°Congresso Paulista de Urgências e Emergências Pediátricas. São Paulo/SP, 24 de março de 2023. https://emergenciaspediatricas.org.br/