Classificação como guia para antibioticoterapia em infecções abdominais

As infecções intra-abdominais têm taxas de mortalidade de 7,5 e 10,5% e contam com a antibioticoterapia apropriada para melhor desfecho.

As infecções intra-abdominais (IIAs) são importante fonte de morbimortalidade, com estudos mostrando taxas de mortalidade variando entre 7,5 e 10,5% e que tem como determinantes para um desfecho satisfatório o controle da fonte de infecção e a antibioticoterapia apropriada.

Pacientes com IIAs devem ser classificados corretamente e estratificados em grupos de baixo e alto risco para que se possa decidir a estratégia de tratamento, incluindo a antibioticoterapia empírica. 

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O uso de antibióticos nas IIAs destina-se a erradicar a infecção bacteriana residual após o controle cirúrgico da fonte. Além disso, vale ressaltar que algumas IIAs não complicadas (como apendicite e colecistite aguda) podem atualmente ser tratadas apenas com antibioticoterapia. As boas práticas clínicas no uso de antibióticos, além de influenciar no prognóstico, resultam em menor oneração do sistema de saúde e redução da resistência bacteriana em nível individual e social.  

A adequação do esquema antimicrobiano empírico inicial é crucial, pois são necessárias pelo menos 24-48 horas para obtenção de dados microbiológicos que direcionem o tratamento e os componentes centrais para a tomada de decisão são: escolha adequada do esquema, o momento evolutivo da doença quando se inicia a medicação, os parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos (PK/PD), duração do tratamento e reavaliação do esquema.  

Uma revisão atual foi projetada para identificar a melhor classificação das IIAs e que poderia servir como base na orientação dos médicos na seleção da melhor antibioticoterapia.  

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Extensão anatômica da infecção (complicadas x não complicadas) 

As IIAs não complicadas são aquelas infecções que se originam em um órgão abdominal e permanecem confinadas ao mesmo, sem se estender ao peritônio. Em geral, pacientes com IIAs não complicadas podem ser submetidos apenas a cirurgia ou a antibioticoterapia (como no caso do tratamento conservador de apendicite aguda não complicada ou colecistite aguda). Além disso, devemos ressaltar que, em pacientes com IIAs não complicadas, quando o controle da fonte é realizado adequadamente, os antibióticos pós-operatórios não são necessários.   

Já as IIAs complicadas são aquelas infecções que se originam em um órgão abdominal e se estendem até o peritônio, dando origem à peritonite. Pacientes com IIAs complicadas sempre requerem antibioticoterapia e controle cirúrgico do foco. Obviamente, existem condições intra-abdominais limítrofes que são difíceis de categorizar como complicadas ou não complicadas.  

De acordo com a extensão do processo infeccioso, as IAAs complicadas podem ainda ser separadas em localizadas e generalizadas. As IIAs complicadas são localizadas quando a extensão do processo infeccioso é contida pelos mecanismos de defesa peritoneal. São comuns em pacientes com diverticulite complicada e apendicite que, embora evoluam para perfuração, podem conter o processo infeccioso por meio de uma reação peritoneal efetiva e com mecanismos de defesa locais, formando uma peritonite aguda secundária circunscrita. As IIAs generalizadas complicadas, por outro lado, levam a contaminação de toda a cavidade peritoneal, resultando em uma peritonite difusa aguda secundária. 

Em pacientes com IIAs complicadas, quando o controle da fonte foi feito, geralmente é sugerido um curso curto (3-5 dias) de antibiótico no pós-operatório, o que foi confirmado pelo estudo prospectivo STOP-IT em 2015. Os pacientes que apresentam sinais contínuos de infecção ou sepse mesmo após 5-7 dias de tratamento antimicrobiano e controle de foco infeccioso, devem ser avaliados quanto a reabordagem cirúrgica ou falha do esquema proposto. 

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Além disso, pacientes com IIAs complicadas podem manifestar a peritonite terciária, ou contínua, ou persistente. Geralmente descrita como uma peritonite recorrente que ocorre após mais de 48 horas do controle cirúrgico considerado adequado. É uma evolução de peritonite secundária e não deve ser considerada como uma entidade distinta. Pode ocorrer em pacientes críticos ou imunocomprometidos e frequentemente está associada à germes multirresistentes. 

O limite dessa classificação é que ela não descreve realmente a complexidade do paciente e pode criar confusão ao misturar elementos da extensão do processo infeccioso e gravidade da doença. Por outro lado, em sua simplicidade, essa classificação tem a vantagem de classificar a extensão da infecção, identificando quais pacientes sempre precisam tanto de antibioticoterapia quanto de controle cirúrgico. 

Adquiridos na comunidade x hospitalar 

A diferenciação de pacientes com infecções abdominais adquiridas na comunidade (IIAs-AC) de hospitalares (IIAs-AH) auxilia a identificar aqueles que estão sob maior risco de germes multirresistentes. Ao contrário das IIAs-AC, as IIAs-AH apresentam pior prognóstico e requerem antibioticoterapia de amplo espectro. As IIAs-AH ocorrem após um período de hospitalização, geralmente após a cirurgia e em pacientes que fizeram uso recente de antibióticos. Do ponto de vista microbiológico, as IIAs-AC ocorrem por bactérias residentes do trato gastrointestinal e as IIAs-AH envolvem bactérias multirresistentes hospitalares, bem como Candida spp.  

O esquema empírico para as infecções comunitárias deve cobrir Gram-negativos entéricos aeróbicos e facultativos, estreptococos entéricos Gram-positivos e bacilos anaeróbios obrigatórios – como Bacteroides fragilis (principalmente para infecções em intestino delgado distal, apêndice ou cólon). A bactéria mais comumente isolada é a Escherichia coli 

Devido à crescente prevalência de enterobactérias resistentes à amoxicilina/clavulanato, deve-se ter cuidado ao utilizar essa opção, principalmente em comunidades com alta taxa de resistência. Por outro lado, a maior parte das enterobactérias permanece suscetível à piperacilina/tazobactam, o que torna essa uma excelente opção para manejo das IIAs-AC, principalmente em pacientes críticos ou com outros fatores de risco para desfecho ruim (maiores de 70 anos, presença de neoplasia, comprometimento importante da função cardiovascular, hepática ou renal ou hipoalbuminemia).  

A maioria dos isolados de E. coli e outras enterobactérias permanecem suscetíveis às cefalosporinas de terceira geração, como cefotaxima e ceftriaxona, as quais, em associação com metronidazol, são opções para pacientes que não tem fatores de risco para ESBLs. A cefepima é uma cefalosporina de quarta geração, com atividade mais ampla que a ceftriaxona, com ação contra bactérias produtoras de AmpC e também deve ser associada ao metronidazol, visto que é inativa contra anaeróbios.  

Nos últimos anos, as fluoroquinolonas foram amplamente utilizadas no tratamento das IIAs, o que culminou com um aumento mundial da resistência entre E. coli e outras enterobactérias e, assim, seu uso tem sido limitado como tratamento empírico, sendo reservado para pacientes não críticos, com alergia aos beta-lactâmicos e sempre associado ao metronidazol.  

No contexto das IIAs complicadas, o principal desafio terapêutico se dá pelas enterobactérias produtoras de ESBL, que são mais prevalentes nas IIAs-AH, porém podem ocorrer na comunidade. Não devemos cobrir ESBLs normalmente nas IIAs-AC, exceto se o paciente apresentar fator de risco (uso recente de antibiótico – principalmente cefalosporinas de terceira geração e quinolonas – e colonização por ESBL).  

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O grupo de escolha para cobertura de bactérias produtoras de ESBL é o de carbapenêmicos. No entanto, para evitar o uso excessivo desse grupo, devemos considerar também como opções piperacilina/tazobactam, aminoglicosídeos ou tigeciclina. Além disso, temos também como opção a ceftazidima/avibactam que deve ser preferencialmente utilizada nos casos de resistência inclusive aos carbapenêmicos.  

Entre as bactérias Gram-positivas, a participação dos enterococos nas IIAs tem sido muito debatida. Alguns estudos demonstram pior desfecho em pacientes com IIAs-AH, especialmente os críticos, hipotetizando um possível efeito sinérgico com outras bactérias como E. coli e anaeróbios. Assim, nesse cenário, a cobertura de enterococos deve ser considerada.  

A maioria das cepas de Enterococcus faecalis é suscetível à ampicilina. Já o Enterococcus faecium, que cada vez mais tem sido descrito nas IIAs, quase sempre é resistente à ampicilina e, portanto, tem como primeira linha de tratamento vancomicina ou teicoplanina.  

Staphylococcus aureus não é comum em pacientes com IIAs. Raramente é isolado em pacientes com IIAs-AC, mas pode ser encontrado em pacientes com IIAs-AH, quando pode inclusive ser resistente à meticilina (MRSA). Como opção de cobertura nesses casos temos a vancomicina e teicoplanina. Em casos de resistência inclusive à vancomicina (VRE), pensar em utilizar linezolida ou daptomicina.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • https://www.mdpi.com/2079-6382/11/10/1394

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