ACEP 2022: Erros comuns na prescrição de antibióticos

Palestra de professor de Harvard durante o congresso apontou principais problemas na hora da tomada de decisão sobre antibioticoterapia

O pronto socorro exige agilidade na tomada de decisões complexas. A escolha do antimicrobiano ideal é um exemplo de difícil decisão, porque depende de múltiplos fatores. Uma palestra apresentada pelo professor associado de Harvard, Bryan Hayes, durante o ACEP 2022 buscou trazer alguns erros comuns durante essa tomada de decisão. 

1) Evitar todos os betalactâmicos quando existir história de alergia a penicilina

Quando um paciente refere história de alergia a determinada medicação, devemos nos aprofundar na coleta de história para determinar qual tipo de reação ocorreu. A ocorrência de prurido, por exemplo, é totalmente diferente de um relato de urticária, broncoespasmo e hipotensão. As reações anafiláticas ou aquelas Ig-E mediadas são as que mais devem nos preocupar. 

Outro equívoco é achar que a reação alérgica é causada pelo anel beta-lactâmico (compartilhado por penicilinas e cefalosporinas). Na realidade, a principal fonte de reações alérgicas é o radical livre ligado a molécula do anel beta-lactâmico (figura 1). Diversos antibióticos compartilham o anel beta-lactâmico, porém poucos compartilham semelhanças nesse radical. Assim, a presença de reação cruzada é bem específica entre alguns antibióticos entre si. Confira na figura 2 as cefalosporinas que devem ser evitadas, em função de qual penicilina o paciente refere alergia. Note que essa reação cruzada, no paciente com alergia a penicilinas, se limita às cefalosporinas de primeira e segunda gerações. 

O radical das cefalosporinas de terceira, quarta e quinta geração são diferentes. É extremamente improvável que ocorra reação cruzada. O uso de carbapenêmicos também é seguro em pacientes com alergia a penicilina. Um paciente com alergia a penicilina que apresente reação com uso de cefalosporinas de terceira geração provavelmente possui uma alergia ao próprio antibiótico utilizado, não se tratando de uma reação cruzada (não é incomum pacientes alérgicos apresentarem reação a múltiplas drogas).

Figura 1: Estrutura do anel beta-lactâmico, sendo sinalizado no círculo vermelho o radical que difere os diferentes antibióticos beta-lactâmicos. 

A presença de alergia a penicilina, verdadeira ou não, se for registrada no prontuário acarreta efeitos adversos para o paciente na vida real. Diversos estudos demonstram que a presença dessa informação no prontuário faz com que esses pacientes recebam mais antibióticos com características indesejáveis, causando maior tempo de hospitalização e maior prevalência de infecção ou colonização por C. difficile, MRSA e VRE. 

Figura 2: Quais cefalosporinas devem ser evitadas quando existe relato de alergia a determinada penicilina. O risco de reação cruzada só é significativo quando as medicações apresentam estruturas semelhantes de radical do anel beta-lactâmico.

2) Uso excessivo de antibióticos endovenosos

Vários antibióticos utilizados no pronto socorro possuem formulações endovenosas (EV) e via oral (VO). Boa parte dessas medicações possui excelente biodisponibilidade quando administradas pela via oral. O uso excessivo de medicações EV aumenta o custo hospitalar, tempo de internação, além do trazer risco de trombose, flebite e infecção (figura 3).

Figura 3: Biodisponibilidade de alguns antibióticos administrados pela via oral (adaptado da referência 4).

3) Não buscar resultados de culturas antigas

Muitos pacientes com doenças crônicas possuem diversas passagens pelo sistema de saúde. Assim, antes de iniciar um antibiótico, é interessante buscar as culturas dos últimos seis meses para saber quais organismos já foram isolados. A cobertura desses agentes não é obrigatória. No entanto, ela deve ser considerada nos pacientes em choque séptico, especialmente se houver suspeita de infecção no mesmo sítio onde um agente já foi isolado (ex: DPOC exacerbado com pseudomonas em cultura prévia de secreção traqueal). Lembre-se de entrar em contato com outros serviços de saúde onde o paciente frequenta para perguntar sobre resultados de culturas (ex: ligar para clínica de hemodiálise para buscar o resultado de hemoculturas).

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4) Desconsiderar a presença de interações medicamentosas

Diversas medicações possuem interações entre si, de forma que é impossível decorar todas as possibilidades. Existem ferramentas online que avaliam a presença de interações perigosas se você fornecer uma lista de medicações em uso. Algumas interações valem a pena ter em mente:

  • Varfarina: ela interage com diversas medicações que podem aumentar ou diminuir a sua ação. Devemos evitar sua associação com metronidazol, moxifloxacino e sulfametoxazol-trimetoprim (SMZ-TMP), pois essa interação aumenta muito o risco de sangramento.
  • Sulfoniluréias e SMZ-TMP 5: a combinação deve ser evitada pois aumenta muito o risco de hipoglicemia.
  • SMZ-TMP e IECA / BRA 6: a combinação deve ser evitada pois aumenta muito o risco de hipercalemia.
  • Metadona e fluoroquinolonas ou azitromicina: a combinação deve ser evitada pois aumenta o intervalo QT, com risco de arritmias malignas.

Conclusão

Boa parte dos pacientes que relatam reação com uso de penicilinas não apresenta alergia verdadeira. É seguro utilizar cefalosporinas de terceira geração ou superior em pacientes com alergia confirmada a penicilinas (a utilização de cefalosporinas de primeira e segunda geração dependem se essas compartilham o mesmo radical do anel beta-lactâmico). Quando possível, devemos conferir o resultado de culturas prévias e utilizar a via oral para administração de antibióticos. As interações medicamentosas devem ser conhecidas pela sua gravidade, ainda que não seja possível decorar todas.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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