Empaglifozina na DRC: o que é importante?

Estudo analisou se a empaglifozina, um iSGLT-2, é capaz de trazer benefícios no tratamento da doença renal crônica independentemente do DM2. 

Por um longo tempo, nós clínicos ficamos praticamente de mãos atadas quando um paciente iniciava um processo de declínio da função renal. Obviamente checávamos e tentávamos controlar os fatores de risco (controle pressórico e glicêmico, por exemplo), mas carecíamos de terapêuticas específicas que pudessem também agir diretamente, reduzindo a velocidade de progressão e retardando ou mesmo evitando necessidade de diálise ou transplante renal.

A única exceção era para pacientes com microalbuminúria positiva ou proteinúria, onde um iECA ou BRA comprovadamente poderiam desacelerar a velocidade de perda da função renal. Recentemente, estudos como o DAPA-CKD (2020) e o CREDENCE (2019) mostraram que, em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) e microalbuminúria positiva (maior que 200 mg/g de creatinina), os inibidores de SGLT-2 dapaglifozina e canaglifozina foram capazes de reduzir desfechos renais compostos por doença renal em estágio terminal. A ESRD foi definida como necessidade de diálise, transplante ou taxa de filtração glomerular sustentadamente < 15 ml/min.

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Morte por causas renais, cardiovasculares ou aumento em duas vezes a creatinina basal foram reduzidas nesses desfechos observados. Ainda em 2021 foram publicados os estudos com o antagonista de mineralocorticoide não esteroide finerenone (FIDELIO e FIGARO-DKD), que também parecem ter desfechos positivos nesse cenário, inclusive já sendo colocados no algoritmo de tratamento da doença renal diabética (DRC) no guideline de 2022 do KDIGO.

No entanto, apesar das pistas, nenhum grande trial randomizado havia avaliado ainda o impacto de um iSGLT-2 na doença renal crônica (DRC) independentemente da presença do diabetes. Com esse background, foi planejado e realizado o estudo EMPA-KIDNEY, que buscou responder se a empaglifozina, um iSGLT-2, é capaz de trazer benefícios no tratamento da DRC independentemente do DM2.

Uso da empaglifozina na doença renal crônica o que é importante saber

Métodos do estudo

O estudo foi um RCT, duplo cego, placebo controlado, multicêntrico. Um destaque positivo do estudo que merece atenção desde o início foram os critérios de seleção: foram incluídos participantes com TFG > 20 (trazendo dados para essa faixa nebulosa entre 20 e 30 mL/min) até 45 mL/min OU entre 45 mL/min e 90 mL/min com razão albumina/creatinina urinária de pelo menos 200 mg/g. Os pacientes foram randomizados para empaglifozina 10 mg versus placebo.

O endpoint primário do estudo foi um desfecho composto por progressão da doença renal (definida como ESRD, queda sustentada na TFG abaixo de 10 mL/min, queda sustentada da TFG maior que 40 mL/min ou morte por causas renais) ou morte por causas cardiovasculares (lembrando que esta é a principal causa de mortalidade em pacientes com DRC).

Os principais desfechos secundários estabelecidos foram internação hospitalar por todas as causas, um composto de internações por causas cardiovasculares ou morte por causa cardiovascular, progressão da DRC (de forma isolada) e morte por todas as causas.

Os pacientes deviam estar em uso de iECA/BRA (a não ser que o clínico não julgasse necessário ou houvesse alguma contraindicação). Foram excluídos apenas pacientes com doença renal policística e transplantados renais.

Resultados

No total, 6.609 participantes foram randomizados (1:1).  O follow up médio foi de 2 anos. A média de idade foi de 63 anos, sendo 33% mulheres, apenas 4% negros, 54% não diabéticos e 34% com uma TFG menor que 30 ml/min, além de 20% com microalbuminúria A1.

Durante o período do estudo, o desfecho primário aconteceu em 432 dos 3304 pacientes do grupo empaglifozina (13,1%) versus 558 dos 3.305 do grupo placebo (16,9%) – HR 0,72; 0,64 – 0,82; IC 95%; P < 0,001). Os resultados foram consistentes independentemente de ter diabetes ou não e também ao longo de todos os estratos de TFG (< 30, 30-45 e > 45 mL/min). O benefício pareceu maior em pacientes com albuminúria A3, mas lembrando que isso foi apenas uma tendência observada por análise de subgrupos.

Quanto aos desfechos secundários, houve redução na internação por todas as causas no grupo empaglifozina (hazard ratio, 0.86; 0,78 a 0,95; IC 95%; P=0.003). Curioso que, provavelmente por estabelecer como evento secundário um desfecho composto por número de internações por IC ou morte cardiovascular, não houve diferença entre os grupos para este último (4,0% no grupo empaglifozina versus 4,6% no grupo placebo).

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Considerações sobre não diabéticos

Outro ponto importante do estudo é com relação à população não diabética com DRC. O desfecho primário se aplica a todos os participantes do estudo e na análise de subgrupos, tanto pacientes com DM2 ou sem tiveram benefício no uso da empaglifozina (HR 0,64 versus 0,82).

Conclusões sobre o uso de empaglifozina

Após o DAPA-CKD e o CREDENCE (que envolveram apenas pacientes diabéticos), o EMPA-KIDNEY provou mais uma vez o impacto positivo que um inibidor de SGLT-2 pode trazer em pacientes com DRC. O ponto forte deste estudo é que o benefício parece se estender para não diabéticos, para clearences menores (até 20 ml/min) e até mesmo para indivíduos sem albuminúria, ainda que aparentem ser efeitos mais modestos neste último caso. Vivemos anos quentes no surgimento de terapias para o diabetes e também para a doença renal crônica e em breve poderemos entender como encaixar melhor tais medicações no arsenal para o tratamento da doença renal crônica.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • EMPA-KIDNEY Collaborative Group, Herrington WG, Staplin N, Wanner C, Green JB, Hauske SJ, Emberson JR, Preiss D, Judge P, Mayne KJ, Ng SYA, Sammons E, Zhu D, Hill M, Stevens W, Wallendszus K, Brenner S, Cheung AK, Liu ZH, Li J, Hooi LS, Liu W, Kadowaki T, Nangaku M, Levin A, Cherney D, Maggioni AP, Pontremoli R, Deo R, Goto S, Rossello X, Tuttle KR, Steubl D, Petrini M, Massey D, Eilbracht J, Brueckmann M, Landray MJ, Baigent C, Haynes R. Empagliflozin in Patients with Chronic Kidney Disease. N Engl J Med. 2022 Nov 4. DOI: 10.1056/NEJMoa2204233.