Pacientes que fazem uso de fluorquinolonas tem maior risco de ruptura de tendão e o mecanismo envolvido parece ser a degradação do colágeno. Esse mesmo mecanismo pode justificar a possível associação dessa classe de medicações com aneurisma ou dissecção de aorta, que vem sendo relatada nos últimos anos. Porém, a causalidade dessa associação é controversa e os estudos publicados têm resultados conflitantes.
Ouça também: Aneurisma de aorta: diagnóstico, acompanhamento e tratamento [podcast]
Como a morbidade e mortalidade relacionadas a doenças da aorta são significativas, é necessário entender melhor a relação dessas doenças com o uso das fluorquinolonas. Assim, foi feito um grande estudo para avaliar essa associação.
Métodos
Foi estudo de coorte e de caso-crossover com pacientes de duas bases de dados de atenção primária do Reino Unido. O estudo de caso-crossover é um estudo controlado, porém não por um indivíduo controle, mas sim pelo próprio paciente, em um momento imediatamente anterior ao avaliado. Isso ajuda a eliminar possíveis confundidores.
Foram incluídos todos os adultos que tinham 18 anos ou mais. No estudo de coorte foram comparadas a associação entre prescrição de fluorquinolonas e de cefalosporinas (grupo controle) em relação a internação por aneurisma ou dissecção de aorta após 60 dias da medicação
Os pacientes internados foram avaliados em relação a probabilidade do desfecho (internação por aneurisma ou dissecção de aorta) no caso de o antibiótico ter sido prescrito entre 0 e 60 dias ou 90 e 150 dias da internação. Foi feita comparação com outros antibióticos e com o não uso da medicação.
Resultados
Em uma das bases de dados foram identificados 1.077.584 adultos que usaram fluorquinolonas (idade média 52,7 anos e 47,6% do sexo feminino) e 2.056.537 que usaram cefalosporinas (idade média 52,2 anos e 70,8% do sexo feminino). Na outra base de dados foram identificados 160.636 adultos que usaram fluorquinolonas (idade média 54,5 e 49,5% do sexo feminino) e 291.450 que usaram cefalosporinas (idade média 53,7 anos e 71% do sexo feminino).
A maior parte das características eram semelhantes entre os grupos, porém houve proporção maior de mulheres na coorte que recebeu cefalosporinas. A medicação mais prescrita foi ciprofloxacino (88,1% na primeira corte e 87,7% na segunda).
Na análise inicial houve associação do uso de fluorquinolonas e internação por aneurisma ou dissecção de aorta (HR 1,28; IC95% 1,13-1,44). Porém, após ajustes para as variáveis predeterminadas essa associação não se manteve (HR 1,03; IC95% 0,91-1,17). Houve associação do uso da medicação com ruptura de tendão (HR 1,98; IC95% 1,56-2,50).
Comparado ao não uso da medicação, na análise do estudo de caso-crossover, houve aumento da ocorrência de internações por aneurisma ou dissecção de aorta nos pacientes que utilizaram a medicação (HR 1,58; IC95% 1,37-1,83). Porém, ao se comparar com outros antibióticos, não houve associação significativa.
Ouça mais: Dissecção aórtica aguda: o que saber? [podcast]
Comentários e conclusão
Este estudo avaliou grande quantidade de pacientes de diferentes bases de dados, utilizou desenhos de estudo diferentes para as análises e a comparação foi feita tanto com o não uso de antibióticos quanto com o uso de antibióticos diferentes, o que aumenta a confiabilidade dos resultados.
Algumas limitações são a possibilidade de o paciente não ter tomado a medicação, já que foram incluídos baseado na prescrição apenas, e a não inclusão de pacientes que foram a óbito antes de chegar ao hospital. Além disso, a maior parte utilizou ciprofloxacino, o que limita os resultados para outras fluorquinolonas.
Não houve evidência de aumento de internações por aneurisma ou dissecção de aorta após uso de fluorquinolonas comparado a outros antibióticos. No estudo de caso-crossover parece ter havido aumento das internações comparado ao não uso da medicação, porém comparado a outros antibióticos também não houve diferença. Uma possível explicação é que a própria infecção pode estar associada a aumento da ocorrência de aneurisma ou dissecção de aorta, porém esse assunto precisa ser mais estudado.
Baseado nesses resultados, não parece haver relação entre doenças da aorta e fluorquinolonas e poderíamos utilizar ciprofloxacino sem tanto receio desta grave complicação. Porém, mais estudos são necessários para avaliar essa classe como um todo e confirmar esses achados.