Fragilidade no paciente grave: o que o intensivista precisa saber – parte 2

Vamos entender a correlação da fragilidade com desfechos em pacientes graves e se devemos utilizá-la de forma rotineira na UTI.

Na parte 1, conversamos sobre conceitos e como mensurar a fragilidade de forma objetiva em nossos pacientes. Agora, vamos entender a sua correlação com desfechos em pacientes graves e se devemos utilizá-la de forma rotineira na UTI.

fragilidade

Associação com gravidade

Vamos recorrer ao maior estudo brasileiro publicado no assunto: Association of frailty with short-term outcomes, organ support and resource use in critically ill patients, publicado na Intensive Care Medicine em 2018. O estudo analisou 55 hospitais, envolvendo 93 UTIs, no período de janeiro de 2014 a dezembro de 2015, incluindo um total de 129.680 pacientes graves.

Nessa coorte nacional, que utilizou o mFI (Índice de Fragilidade Modificado), 40,779 pacientes (31.4%) foram classificados como não frágil, 64,407 pacientes (49.7%) como pré-frágil e 24,494 (18.9%) como portadores de fragilidade. Os pacientes frágeis apresentaram idade mais avançada, SOFA médio admissional, assim como SAPS-3, maiores que os pacientes pré-frágeis e sem fragilidade (p < 000.1).

Associação com uso de suporte de vida

No mesmo estudo citado acima, os pacientes com fragilidade apresentaram também maior uso de suporte de vida. Veja abaixo: 

  • Uso de vasopressores (%): não frágil (13,5%); pré-frágil (16,4%); frágil (21,9%) – p < 0,001;
  • Uso de ventilação mecânica (%): não frágil (20,2%); pré-frágil (21,4%); frágil (27,8%) – p < 0,001;
  • Uso de terapia dialítica (%): não frágil (3,6%); pré-frágil (6,7%); frágil (9,5%) – p < 0,001.

Associação com tempo de internação e mortalidade

Continuando os achados do estudo brasileiro, pacientes portadores de fragilidade apresentaram maior tempo de internação (média de 27 dias vs. Média de 17 dias no pré-frágil, com p < 0,001) e maior mortalidade (28,8% vs. 12,5% na população não-frágil, com p < 0,001).

Ou seja, a fragilidade está associada de forma independente com desfechos a curto-prazo e uso de recursos em pacientes graves!

Associação com desfechos a longo prazo

Para exemplificar esse tópico, vamos recorrer a uma recente evidência canadense, publicada em 2021, no Journal of Critical Care, Frailty and long-term outcomes following critical illness: A population-level cohort study. Trata-se de estudo de coorte retrospectivo, envolvendo 534,991 pacientes (sobreviventes à internação em UTI entre abril de 2022 e março de 2015). Cerca de 19,3% apresentavam fragilidade prévia (epidemiologia muito similar à coorte brasileira recém citada nesse texto).

Vamos então aos principais achados:

Em um ano após alta da UTI:

  •   Pacientes portadores de fragilidade apresentaram maior mortalidade (18.3% vs 9.5%, adjusted HR 1.17 95% CI: 1.15-1.19)
  •   Maior taxa de reinternação hospitalar (44.4% vs 36.6%, adjusted HR 1.10 95% CI: 1.08-1.11)
  •   Maior custo ao sistema de saúde quando comparado ao custo no ano anterior à hospitalização.

Devo realizar de forma rotineira screening para fragilidade na UTI?

Essa pergunta foi respondida pelo grupo do professor Rinaldo Bellomo em estudo publicado em 2021, no CHEST, “Routine Frailty Screening in Critical Illness: A Population-Based Cohort Study in Australia and New Zealand.” O escore utilizado no estudo foi o Clinical Frailty Score (CFS) e aferido à admissão na UTI. Foram analisados 234,568 pacientes graves. Um total de 45,245 (19%) apresentavam fragilidade prévia à internação na UTI.

Chamo atenção ao leitor que tanto na coorte brasileira e canadense quanto na australiana, a epidemiologia dos 19% de pacientes frágeis internados em UTI se repete!

O estudo evidenciou que a fragilidade esteve associada à maior mortalidade na UTI e no hospital, assim como maior associação com delirium, lesões por pressão e alta hospitalar com necessidade de cuidados crônicos.

De acordo com os autores, é possível implementar screening para fragilidade (Clinical Frailty Scale) a nível populacional em pacientes graves. Níveis elevados de CFS ≥ 6 estão associados de forma significativa a piores desfechos. Sua análise rotineira permite avaliar de forma preditiva risco de mortalidade e desfechos negativos em geral, assim como possibilita guiar intervenções potenciais para esse grupo de pacientes.

Caso clínico: paciente com hematêmese [vídeo]

Mensagens práticas 

  •   Fragilidade é condição sindrômica prevalente na terapia intensiva!
  •   Tem valor preditivo para piores desfechos!
  •   Duas escalas principais para UTI:
  •   Modified Frailty Index: mFI ≥ 3 (comum no Brasil);
  •   Clinical Frailty Score: CFS ≥ 6;
  •   Está associada a maiores custos hospitalares, mortalidade, readmissão, lesões por pressão, uso de suporte de vida…
  •   Sua avaliação rotineira na admissão à UTI permite identificar pacientes sob risco de piores desfechos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hoover M, Rotermann M, Sanmartin C, Bernier J (2013) Validation of na index to estimate the prevalence of frailty among community-dwelling seniors. Health Rep 24:10–17
  • De Biasio, Justin C. MD*; Mittel, Aaron M. MD†; Mueller, Ariel L. MA*; Ferrante, Lauren E. MD‡; Kim, Dae H. MD§; Shaefi, Shahzad MD, MPH* Frailty in Critical Care Medicine: A Review, Anesthesia & Analgesia: June 2020 - Volume 130 - Issue 6 - p 1462-1473 doi: 10.1213/ANE.0000000000004665
  • Farhat et al. Are the frail destined to fail? Frailty index as predictor of surgical morbidity and mortality in the elderly, Journal of Trauma and Acute Care Surgery: June 2012 - Volume 72 - Issue 6 - p 1526-1531 doi: 10.1097/TA.0b013e3182542fab
  • Frailty and long-term outcomes following critical illness: A population-level cohort study. Andrea D. Hill, Robert A. Fowler, Hannah Wunsch, Ruxandra Pinto, Damon C. Scales. Journal of Critical Care. 2019. doi.org/10.1016/j.jcrc.2020.11.021
  • Darvall JN, Bellomo R, Paul E, et al. Routine Frailty Screening in Critical Illness: A Population-Based Cohort Study in Australia and New Zealand. Chest. 2021;160(4):1292-1303. doi:10.1016/j.chest.2021.05.049
  • Zampieri FG, Iwashyna TJ, Viglianti EM, et al. Association of frailty with short-term outcomes, organ support and resource use in critically ill patients. Intensive Care Med. 2018;44(9):1512-1520. doi:10.1007/s00134-018-5342-2  

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