Impacto dos monitores contínuos de glicemia (CGMs) no diabetes mellitus tipo 1

Os monitores contínuos de glicemia vêm evoluindo em acurácia e cada vez mais surgem novos estudos demonstrando os benefícios do seu uso.

A última década trouxe avanços significativos para o tratamento do diabetes em diferentes frentes. Desde o tratamento, com o advento dos CVOTs (Cardiovascular Outcome Trials), que buscam avaliar a segurança cardiovascular dos novos antidiabéticos bem como investigar seu potencial benefício secundário nesse cenário além do bom controle glicêmico até o desenvolvimento de novas insulinas e surgimento de novas tecnologias — ou pelo menos o aprimoramento das já existentes.

Leia também: Caso clínico: Paciente com glicemia elevada, porém glicosúria negativa. O que será?

Dentre essas ferramentas destacam-se os monitores contínuos de glicemia (CGMs), que são nada mais do que dispositivos capazes de detectar a glicemia intersticial (através de sensores implantados facilmente no subcutâneo), que podem transmitir dados em tempo real sobre a glicemia. Os CGMs podem ser contínuos/real time (ex: DEXCOM G6 e G7, indisponíveis no Brasil) ou flash/intermitentes, o que significa que eles aferem a glicemia o tempo todo, mas requerem leituras pelo menos a cada 8 horas para manter um registro adequado. Os CGMs trazem um novo dado importante no controle do diabetes, que é o tempo no alvo, ou seja, tempo em que o paciente permanece com a glicemia entre 70 e 180 mg/dL.

Estar 70% do tempo no alvo tem excelente correlação com uma hemoglobina glicada de 7% (pode ser uma alternativa em situações onde há baixa confiabilidade na glicada, como por exemplo nas hemoglobinopatias) e a cada 10% de tempo a mais no alvo, é estimado que haja uma redução de cerca de 60% no risco de retinopatia e de aproximadamente 40% no risco de nefropatia. Ainda se fazem necessários mais estudos prospectivos para se estabelecer o quanto atingir um tempo no alvo adequado pode de fato impactar na prevenção de complicações do diabetes.

No mês de outubro de 2022 foi publicado no New England Journal of Medicine um ensaio clínico randomizado que buscou avaliar a eficácia de um CGM intermitente (ou seja, que requer a realização da leitura pelo menos a cada 8 horas para a captação completa dos dados) comparado a um grupo de tratamento usual, submetido a monitorização com glicemia capilar diária.

Impacto dos monitores contínuos de glicemia (CGMs) no diabetes mellitus tipo 1

Impacto do uso dos monitores contínuos de glicemia (CGMs) na hemoglobina glicada

O RCT incluiu 156 participantes, randomizados 1:1 entre grupo tratamento usual versus o uso do monitor. Foram incluídos apenas pacientes com DM1, acima dos 16 anos (média de 44 anos) não gestantes, diagnosticados há mais de um ano, com glicada entre 7,5 e 11%. O seguimento foi de 24 semanas. Entre a 22ª e a 24ª semana os participantes randomizados para o grupo “tratamento usual” eram submetidos a um CGM cego, que fornecia dados apenas aos pesquisadores, para comparar os dados de tempo no alvo entre os grupos. O sensor utilizado foi o Libre 2 (Abbott).

O objetivo primário do estudo foi avaliar o impacto do uso do CGM intermitente na hemoglobina glicada após 24 semanas. A ideia é de que, apesar da ferramenta servir para monitorização, é possível que devido a melhora na qualidade de vida e o fornecimento de informações imediatas advindas dos monitores contínuos de glicemia (CGMs) possam tanto reduzir hipoglicemias como auxiliar na predição de hiperglicemias, gerando intervenções mais precoces. Como análises secundárias, foi estabelecido também o percentual de participantes que atingiram glicada < 7,5% e tempo no alvo, além do tempo acima do alvo e em hipoglicemia. A randomização foi controlada para terapia em uso (ex: bomba de insulina ou múltiplas aplicações diárias), glicada inicial e outras variáveis clínicas. A média de A1c basal era de 8,7% (+/- 0,9%) no grupo CGM e 8,5% (+/-0,8%) no grupo cuidado usual.

Resultados

Após 24 semanas, o grupo intervenção (CGM) apresentou uma redução na hemoglobina glicada inicial de 8,7% para 7,9%, enquanto o grupo usual teve uma redução de 8,5 para 8,3%, resultando em uma diferença entre grupos de -0,5% (-0,7 a -0,3; IC 95%; P < 0,001). Além disso, o grupo CGM teve atingiu uma maior proporção de indivíduos com A1c < 7,5% (OR 2,47; 1,08 a 5,68; IC 95%).

O percentual de tempo no alvo foi maior em 9% no grupo intervenção, resultando em 130 minutos a mais de tempo no alvo naqueles que utilizaram o CGM. Da mesma forma, houve redução no tempo em hipoglicemia (< 70 mg/dL) – 3,0% de tempo a menos, ou seja, 43 minutos a menos que o grupo cuidado usual. O tempo em hiperglicemia (> 180 mg/dL) foi 6% a menos no grupo CGM, ou seja, 86 minutos a menos por dia.

O grupo intervenção escaneou em média 11 (+/- 6,2) vezes por dia (vale lembrar que os dados da curva glicêmica registram todas as 24 horas, mas é necessário realizar alguns rastreios por dia para não se perder dados), enquanto o grupo cuidado usual monitorou a glicemia 4,2 (+/-2,1) vezes por dia por meio da glicemia capilar.

A diferença na dose total diária de insulina utilizada entre os grupos foi mínima (-0,5 U/dia no grupo intervenção). Dos eventos adversos, foram registradas 2 hipoglicemias graves no grupo usual, enquanto o grupo “CGM” apresentou um caso de cetoacidose.

Saiba mais: Plataforma quantifica número de casos de diabetes mellitus tipo 1 em cada país

Conclusão

Existem dados a respeito do uso de CGMs contínuos como o estudo DIAMOND, publicado no JAMA em 2017, que já demonstrava benefício em pacientes com DM1 em relação a redução de hemoglobina glicada. O impacto em si na redução da glicada pode não ser tão grande, porém essa ferramenta permite uma monitorização mais adequada da glicemia, auxiliando o próprio paciente no manejo das doses, gerando autonomia e reduzindo tempo em hipoglicemia e em hiperglicemia.

Vale lembrar que a dose total diária de insulina utilizada em ambos os grupos foi muito parecida e mesmo assim, o controle foi diferente. Este estudo traz evidências robustas de benefícios que os monitores contínuos de glicemia (CGMs) podem trazer aos pacientes.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Leelarathna L, Evans ML, Neupane S, Rayman G, Lumley S, Cranston I, Narendran P, Barnard-Kelly K, Sutton CJ, Elliott RA, Taxiarchi VP, Gkountouras G, Burns M, Mubita W, Kanumilli N, Camm M, Thabit H, Wilmot EG; FLASH-UK Trial Study Group. Intermittently Scanned Continuous Glucose Monitoring for Type 1 Diabetes. N Engl J Med. 2022 Oct 20;387(16):1477-1487. DOI: 10.1056/NEJMoa2205650.
  • Beck RW, Riddlesworth T, Ruedy K, Ahmann A, Bergenstal R, Haller S, Kollman C, Kruger D, McGill JB, Polonsky W, Toschi E, Wolpert H, Price D; DIAMOND Study Group. Effect of Continuous Glucose Monitoring on Glycemic Control in Adults With Type 1 Diabetes Using Insulin Injections: The DIAMOND Randomized Clinical Trial. JAMA. 2017 Jan 24;317(4):371-378. DOI: 10.1001/jama.2016.19975.