Implicações do termo “Violência Obstétrica” na perícia médica

O termo “violência obstétrica” foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como inadequado em maio de 2019. Esse vocábulo não traria nenhuma boa mudança.

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Em perícia médica é muito importante que o perito não emita julgamentos de valor para esclarecimento de um caso. A imparcialidade é a principal habilidade que o perito precisa exercer ao executar o ato médico pericial.

Os casos chamados “erro médico”, ainda que não praticados apenas por médicos, envolvem discussões em que o médico perito precisa verificar a pertinência de procedimentos que médicos ou outros profissionais de saúde tenham realizado e sua adequação a com a norma técnica vigente à época dos fatos. A estigmatização do profissional médico com o uso do termo “erro médico” é muito semelhante a que incorre no uso do termo “’violência obstétrica”

O médico, em sua essência, ao indicar um procedimento tem como premissa o benefício do paciente, “primum non nocere: primeiro não prejudicar”. O uso do termo  violência, diante da verificação de seu significado no dicionário e do caráter social embutido em si, em nada traduz um ato médico assistencial. O constrangimento ou porventura um dano a que a gestante pode ter sido submetida ao não desejar uma conduta tomada pelo médico deve ser reconhecido, porém com cautela, sendo analisado sob a ótica dos preceitos médicos para avaliar a indicação necessária do procedimento realizado.

Opinião do Conselho Federal  de Medicina e nota técnica do Ministério da Saúde

O termo “violência obstétrica” foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como inadequado em maio de 2019, mediante a elaboração de nota técnica e o Conselho Federal de Medicina também já havia se posicionado no parecer no 32/2018. É indiscutível que a adoção desse vocábulo não traria nenhuma mudança e ainda poderia ser estímulo de conflitos entre médicos e paciente.

A violência a que se refere, não é unicamente praticada pelos médicos obstetras. Um amplo espectro de profissionais que estejam envolvidos nos cuidados da gestante (motoristas de ambulâncias, porteiros, recepcionistas) podem estar envolvidos direta ou indiretamente nos cuidados e serem responsáveis ou corresponsáveis por atos que infrinjam a autonomia da paciente. As instituições também são podem estar incluídas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) adota o termo e o define como a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida.

Não há um consenso em relação ao termo “violência obstétrica” no Brasil. Entretanto, motiva revolta na comunidade médica, pois remete diretamente ao atendimento médico. Ainda observa-se que atualmente existe uma necessidade crescente de conceituar o que é “violência obstétrica” e, a partir disso, iniciar a criação de documentos legais que contenham a definição e a criminalizem adequadamente. Mudanças são essenciais para assegurar que a comunidade médica possa exercer os atos médicos necessários e evitar intervenções desnecessárias que podem ser consideradas violações dos direitos das mulheres.

Saiba mais: Como otimizar o cuidado pós-parto?

A presença da palavra violência descrita nos autos de um processo em nada deve influenciar o perito, uma vez que ele deve despir-se de todas as opiniões pessoais que possa ter. Tendo como ideia as dimensões de uma ação judicial que envolva cuidados com a saúde pode ter nas esferas, administrativas, cíveis e inclusive criminais é temerário que outros profissionais não médicos utilizem tais termos, podendo assim levar a interpretações inadequadas por parte de quem não esteja alinhado com o mal emprego dessa expressão. Especialmente diante de um processo que envolva cuidados de profissionais de saúde na esfera criminal, a má interpretação do termo poderia levar a desfechos que deturpam de forma catastrófica o entendimento dos magistrados acerca de um caso.

Considerações sobre o uso desse termo

O uso do termo “violência obstétrica” se torna pejorativo e não traduz de forma adequada má prática nos cuidados à saúde ou ajuda a conferir proteção às mulheres.  Também não traz proteção as parturientes e ainda fere os profissionais gerando julgamento antecipado a respeito de suas condutas. As questões relacionadas ao tratamento não humanizado na assistência ao parto não serão resolvidas com a adoção de um termo que traz carga negativa

É impossível deixar de reconhecer que estamos passando por uma fase de intensas mudanças na autonomia dos pacientes e que isso implica em adaptações da comunidade médica na forma de tratamento. Apesar disso, a autonomia da mulher quanto a escolha da via de parto ou escolha do local de nascimento deve ter limites quando existirem fatores que possam colocar em risco tanto a mãe quanto a criança. A utilização de procedimentos médicos indispensáveis para resolução de situações de emergências ou urgências obstétricas não pode de maneira alguma ser tratada com o termo violência.

 

Referências: 

  • Conselho Federal de Medicina. Processo-consulta CFM no 22/2018 – Parecer no 32/2018.
  • WHO – World Health Organization. Care in normal birth: a pratical guide. Report of a Techinal Working Group. Geneva: WHO, 1996. 54 p.

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