Infecções de dispositivos cardíacos implantáveis e antibioticoterapia localizada

Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI), que incluem marcapassos (MP), cardioversores desfibriladores (CDI) e ressincronizadores, são cada vez mais utilizados e uma complicação grave é a infecção relacionada ao dispositivo.   Aproximadamente 25% dos pacientes submetidos a pelo menos dois procedimentos ao longo da vida tem infecção, que pode ser localizada ou sistêmica. Mesmo nos casos localizados, …

Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI), que incluem marcapassos (MP), cardioversores desfibriladores (CDI) e ressincronizadores, são cada vez mais utilizados e uma complicação grave é a infecção relacionada ao dispositivo.  

Aproximadamente 25% dos pacientes submetidos a pelo menos dois procedimentos ao longo da vida tem infecção, que pode ser localizada ou sistêmica. Mesmo nos casos localizados, devido a alta chance de recorrência, o tratamento padrão é a retirada de todo o dispositivo, incluindo os cabos. Essa extração envolve riscos, como a ocorrência de hemotórax, perfuração cardíaca com consequente tamponamento, insuficiência tricúspide, entre outros. Além disso, quando o motivo da retirada do dispositivo é infecção, a mortalidade é 2 a 4 vezes maior do que quando indicada por outros motivos. 

Levando este risco em conta, em 2007 foi desenvolvida uma técnica com uso de antibióticos em infusão contínua e direto na loja do dispositivo, em doses ultra altas, na tentativa de evitar a retirada cirúrgica nos casos de infecção localizada. Inicialmente esse tratamento foi realizado para pacientes com contraindicação à cirurgia devido a alto risco de complicações e, a partir de resultados favoráveis, foi estendido a outros pacientes.  

Recentemente foram publicados os resultados da experiência de 14 anos deste tipo de tratamento, além de um estudo caso controle.  

marcapasso

Métodos do estudo e população envolvida 

Para o estudo de coorte, foram incluídos pacientes submetidos ao tratamento com antibióticos em altas doses direto na loja do dispositivo no período de 2007 a 2021. Foram excluídos os que tinham infecção sistêmica, febre, hemoculturas positivas e vegetações no ecocardiograma, além dos que tinham infecção por Staphylococcus aureus na cultura de secreção da loja do dispositivo. 

Os pacientes foram divididos em três subgrupos:  

  • Nove pacientes com retirada do dispositivo proibitiva pelo alto risco devido a idade avançada, comorbidades, fragilidade ou número e/ou idade do dispositivo.
  • 65 pacientes com retirada do dispositivo indicada, porém que preferiram o tratamento com antibioticoterapia.
  • Seis pacientes com indicação de retirada do dispositivo controversa, como os com infecção possível.

Todos os pacientes tinham infecção definitiva, provável ou possível, definidas como abaixo. 

  • Infecção definitiva: diagnóstico clínico de infecção de loja do dispositivo (dor localizada, eritema, edema, aumento de temperatura, ulceração da pele com visualização do dispositivo ou presença de secreção sero-sanguinolenta ou purulenta) e cultura de secreção positiva para bactéria.
  • Infecção altamente provável: diagnóstico clínico e ausência de cultura positiva, geralmente em pacientes com uso de antibiótico antes da coleta da cultura.
  • Infecção possível: lesão na pele decorrente da presença do dispositivo, necrose de pele causada pela presença de hematoma ou deiscência.

O procedimento denominado CITA (do inglês continuous, in situ–targeted, ultrahigh concentration of antibiotics) consistia da realização de um procedimento, sob anestesia geral ou local com sedação, para a colocação de cateter na loja do dispositivo, com objetivo de infusão de antibiótico, absorvido por difusão, de forma contínua.  

A dose de ataque era de uma ou duas gramas de vancomicina e/ou 80 a 240mg de gentamicina e a dose de manutenção era de 40 a 80mg/h de vancomicina e 3 a 10mg/h de gentamicina. O nível sérico era medido diariamente e a dose ajustada se necessário. Pacientes com cultura positiva eram tratados por 14 dias e os com cultura negativa por dez dias. 

O estudo caso controle envolveu um grupo de 65 pacientes que eram candidatos a retirada do dispositivo, porém foram tratados com CITA, e um grupo de 81 pacientes submetidos a retirada do dispositivo. 

A principal medida de desfecho da coorte foi a taxa de falha de tratamento, definida como necessidade de retirada do dispositivo ou desenvolvimento de infecção crônica, morte por qualquer causa em 30 dia e morte por infecção relacionada a infecção inicial. No estudo caso controle os desfechos principais foram mortalidade por todas as causas e complicações maiores decorrentes da retirada do dispositivo.

Resultados 

Estudo da coorte CITA

Nesta coorte, 80 pacientes foram submetidos ao procedimento. Desses, 92,5% tinham infecção definitiva ou altamente provável e o agente mais comum foi Staphylococcus coagulase negativo, em 47% das culturas positivas. 36,3% das culturas foram negativas.  

Em relação ao tratamento, 90% receberam CITA apenas uma vez e a mediana do tratamento foi 12 dias. O nível sérico ideal do antibiótico foi atingido em todos os pacientes e 85% ficaram curados em todo o período de seguimento, que teve mediana de três anos. Dos 12 pacientes com falha de tratamento, três morreram logo após o procedimento, seis necessitaram de retirada do dispositivo por febre logo após o procedimento ou por recorrência de infecção. Os outros três pacientes desenvolveram fistula crônica com falha do tratamento.  

A mortalidade neste grupo foi de 15% (12 pacientes), sendo a mortalidade em um ano maior no subgrupo com alto risco de complicações cirúrgicas.

Estudo caso controle 

Não houve diferença nas características de base dos pacientes, exceto pela maior frequência de pacientes com ressincronizador no grupo CITA. 

A taxa de cura foi maior no grupo submetido a retirada do dispositivo que no grupo CITA. Ao se considerar mortalidade intra-hospitalar e em 1 mês e recorrência de infecção, a taxa de cura foi de 96,2% no grupo com retirada do dispositivo e 84,6% no grupo CITA (p = 0,027), porém no grupo submetido a retirada do dispostivo houve maior taxa de complicações graves (14,8% x 1,5%, p = 0,005). Essas complicações foram morte, necessidade de toracotomia de urgência, necessidade de transfusão de urgência e insuficiência tricúspide importante. A única complicação maior que ocorreu no grupo CITA foi um AVC em paciente com necessidade de suspensão de anticoagulação para o procedimento. 

A mortalidade em 30 dias foi 0% no grupo CITA e 3,5% no grupo submetido a cirurgia (p = 0,25) e em um ano foi 12,3% e 13,6% respectivamente (p = 1).

Leia mais: Implante de marcapasso e infecção hospitalar: determinantes e valor prognóstico

Comentários e conclusão

O tratamento de infecção relacionada a DCEI é a remoção do dispositivo de forma completa, pois a taxa de recorrência de infecção com abordagens menos agressivas é muito alta. O novo tratamento, descrito neste estudo, possibilitou uma estratégia alternativa, com cura na maior parte dos pacientes e com redução de complicações graves, relacionadas a extração do dispositivo. Ainda, a sobrevida em 30 dias e um ano foi semelhante nos dois grupos. 

Essa estratégia pode ser de grande utilidade em casos de pacientes que não podem ser submetidos a cirurgia devido ao alto risco de complicações. A administração do antibiótico foi segura e a ocorrência de níveis séricos tóxicos dos antibióticos foi baixa, além de não ter havido efeitos adversos locais. 

Apesar dos resultados positivos encontrados, o estudo não teve poder para conclusões definitivas quanto a não inferioridade do uso da técnica CITA em comparação a remoção do dispositivo, porém mostrou ser seguro e eficaz e pode ser vantajoso para pacientes com alto risco de complicações se submetidos à cirurgia para retirada dos DCEI. Estudos randomizados poderão confirmar se há benefício em pacientes selecionados.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Moris Topaz, et al. Regional Antibiotic Delivery for Implanted Cardiovascular Electronic Device Infections. Journal of the American College of Cardiology. Volume 81, Issue 2. 2023. Pages 119-133. ISSN 0735-1097. doi: https://doi.org/10.1016/j.jacc.2022.10.022.