Infecções oculares relacionadas a lentes de contato: o que aconteceu nos últimos 30 anos?

Um estudo recente analisou o padrão das infecções relacionadas a lentes de contato nas últimas 3 décadas no Hospital São Paulo (UNIFESP/SP).

A ceratite microbiana é uma importante causa de infecção ameaçadora da visão e é considerada a primeira causa de cegueira em pacientes em desenvolvimento e desenvolvidos. Os fatores de risco principais para ceratite microbiana são o uso de lentes de contato, trauma, cirurgia corneana, doença da superfície ocular, doenças sistêmicas e imunosupressão.

Nos EUA, em torno de 30.000 casos de ceratite microbiana (incluindo bactéria, fungo e acanthamoeba) são descritos anualmente. Na Índia, 2 milhões de pessoas anualmente desenvolvem úlcera de córnea. Na região Sudeste do Brasil, a porcentagem de ceratites microbianas em relação ao número total de infecções oculares no laboratório de microbiologia ocular da UNIFESP é em torno de 40%.

mulher com infecções relacionadas a lentes de contato

Infecções relacionadas a lentes de contato

Com o aumento do uso de lentes de contato, esse fator de risco se tornou um dos mais importantes. Os fatores associados ao uso de lentes de contato, que aumentam o risco de infecção, são o uso de lentes de contato durante o sono, um maior número de dias de uso, sexo masculino, idades menores, limpeza inadequada das lentes, armazenamento inadequado das lentes, hábitos inadequados de limpeza do estojo e a compra das lentes pela internet.

O uso de lentes de descarte diário traz o benefício da ausência do manejo de soluções e caixinhas, o que já diminuiria (mas não isentaria) o risco de infecção. Tipicamente, as ceratites relacionadas a lentes de contato são bacterianas, porém a Acanthamoeba e, menos frequentemente, os fungos também podem estar envolvidos. Os bacilos gram negativos são os agentes principais, com a Pseudomonas aeruginosa sendo o mais frequente.

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O estudo

Um estudo, publicado esse ano nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, analisou o padrão das infecções relacionadas a lentes de contato nas últimas três décadas no Hospital São Paulo (UNIFESP/SP). Foram analisadas as amostras de laboratório colhidas de 1987-1996, 1997- 2006 e 2007-2016.

Durante os três períodos, a incidência de ceratite microbiana associada a lentes de contato (CMLC) aumentou, mas o aumento foi significativo da primeira para a segunda década (7.3%x 19.6%). Dentre os pacientes positivos para Acanthamoeba 100% do grupo da década 1, 90% da década 2 e 87,6% da década 3. A incidência de infecção foi maior entre indivíduos de 19-40 anos nas três décadas.

O Staphylococcus spp foi a bactéria Gram positiva mais frequente nos CMLC e nas ceratites não associadas a LC. Entre as bactérias Gram negativas, a Pseudomonas spp foi a mais frequentemente isolada em ambos os grupos.

Entre os Staphylococcus spp., S. aureus foi o mais frequente nas CMLC (49,5%) no primeiro período. Nos demais o Staphylococcus coagulase negativo foi o mais comum (51,6%).

Dentre as culturas positivas para fungo, os fungos filamentosos foram os mais frequentes nos três períodos. Fusarium spp foi o mais comum em ceratites não associadas a LC e em CMLC nos três períodos. Candida albicans foi a levedura mais comum no segundo e terceiro períodos.

Em relação a coinfecções, culturas com mais de uma bactéria foram frequentes (53.3%). Coinfecção bactéria + Acanthamoeba foi mais comum do que bactéria + fungo (5.7%x 1.8%).

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Conclusões

O estudo concluiu que as infecções relacionadas ao uso de lentes de contato aumentaram nos últimos anos. Além disso, reforça que apesar do uso de lentes de contato gelatinosas ser ainda o mais importante fator de risco, o uso e cuidado com lentes de contato esclerais deve ser enfatizado.

Nesse estudo, a Acanthamoeba foi o segundo mais frequente micro-organismo isolado de pacientes com CMLC (em número expressivamente maior do que nas ceratites não associadas a LC). Apesar do Staphylococcus ter sido ainda mais comum que a Pseudomonas, esta última é a maior causa bacteriana de CMLC na experiência desse laboratório.

As infecções fúngicas foram pouco comuns, o que poderia ser explicado pelo nível de urbanização de SP, sendo esperados mais casos em ambientes rurais. Foi possível demonstrar a coinfecção bactéria e Acanthamoeba (por endosimbiose esta última pode inocular bactérias, fungos e vírus na córnea).

Como mudar esse cenário de aumento nas infecções nos próximos 10 anos? Cabe a nós, oftalmologistas, a orientação dos pacientes sobre hábitos de higiene, uso correto das lentes de contato, limpeza, manuseio, armazenamento e troca das lentes.

Referência bibliográfica:

  • Agi, Jorge et al. Ceratite Microbiana Associada a Lentes de contato em um Hospital de Referência em São Paulo, Brasil. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia [online]. 2021, v. 84, n. 5 [Acessado 22 Novembro 2021] , pp. 474-480. Disponível em: <https://doi.org/10.5935/0004-2749.20210079>

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