Internação involuntária é uma boa política para dependentes químicos?

No dia 6 de junho deste ano, o Governo Federal sancionou uma lei aprovada no Congresso que permite a internação involuntária de dependentes químicos.

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No dia 6 de junho deste ano, o Governo Federal sancionou uma lei aprovada no Congresso que permite a internação involuntária de dependentes químicos, dividindo opinião de especialistas em psiquiatria. A partir de agora, a internação poderá ser solicitada por um familiar ou responsável legal, servidor público das áreas de Saúde, de Assistência Social ou de órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), sendo formalizada por decisão médica.

Antes da lei, a internação sem o consentimento do paciente apenas era realizada após o pedido da família, com o aval de um médico, ou com autorização da Justiça. Além de endurecer a Política Nacional Antidrogas, essa lei fortalece as comunidades terapêuticas, instituições normalmente ligadas a organizações religiosas.

Na opinião de Ricardo Dias, diretor clínico, e Ricardo Patitucci, vice-diretor clínico da Casa de Saúde Saint Roman, especializada em tratamentos da saúde mental e dependência química no Rio de Janeiro, essa nova lei é preocupante.

“Deve haver critérios para internar o dependente químico quando realmente for necessário. No caso, quando estiver em risco a sua própria vida ou a de terceiros. Mas é importante ressaltar que apenas a dependência química não justifica a internação involuntária, pois tem que haver outros riscos ao paciente e sempre deve haver indicação médica”, argumenta Ricardo Dias.

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Para Ricardo Patitucci não se deve generalizar a internação involuntária, pois além de ser necessária a indicação médica, a internação tem que seguir critérios.

“Em 95% das recaídas de dependentes químicos ocorrem quando as pessoas são internadas involuntariamente. Isso é um fato. Internar involuntariamente deve ser política de exceção. A internação serve para dois tipos de caso: prevenir ou tratar síndrome de abstinência, ou surtos psicóticos que ameaçam a vida do próprio indivíduo”, ressalta.
Mais um profissional de psiquiatra que não vê com bons olhos essa nova lei é Renata Vargens, mestre em Psiquiatra pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora assistente de Saúde Mental e Psicologia Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Ela lembra que esse tipo de tratamento está ferindo os princípios da autonomia e da dignidade, que são princípios éticos dentro da Medicina. “Não considero recomendado optar como primeira escolha a internação compulsória. Existe uma diversidade enorme de tratamentos não compulsórios, como consultórios na rua, tratamentos ambulatoriais e CAPS, que podem ser priorizados antes de se chegar a uma indicação de um tratamento compulsório”, enfatiza Renata Vargens.

Dependentes químicos: há eficácia na internação involuntária?

Renata Vargens aponta um estudo de fevereiro de 2016, publicado no International Journal of Drug Policy que faz uma revisão sistemática sobre a efetividade desse tratamento compulsivo e a conclusão é que existem poucos estudos de forma geral e que não se observa melhores resultados com o tratamento compulsório.

“Apesar da ampla implementação de modalidades de tratamento compulsório para dependência de drogas, não há avaliação sistemática das evidências científicas sobre a efetividade do tratamento compulsório”, destaca.

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Ainda de acordo com a psiquiatra, embora aparentemente facilite o trabalho do médico conduzir um paciente para um tratamento compulsório, esse tratamento por si só não vai fazer o efeito necessário para que o mesmo mude o seu estilo de vida.

“A dependência química é um quadro bio-psico-social e internar simplesmente para fazer uma desintoxicação é uma visão muito simplista da complexidade que é o tratamento da dependência química. Além do fato de tirar esse paciente do seu convívio familiar, social e até de uma possibilidade de trabalho, se tornando uma experiência totalmente arbitrária. Se o paciente não tem o mínimo de motivação, de autonomia sobre o quadro dele, muitas vezes o benefício de uma internação é muito pequeno”, frisa Renata Vargens.

O papel da família e a conscientização da doença

A família é parte fundamental do tratamento, que é onde o paciente vai encontrar algum tipo de suporte para tentar mudar a sua vida. Portanto, os psiquiatras enfatizam que os parentes devem ser orientados em relação à dependência química. Entendendo que é uma doença, e não falta de caráter.

“Além disso, a internação nunca deve ser entendida como uma punição e, sim, um tratamento. Mas, infelizmente, existem pouquíssimos locais especializados para tratamento de pacientes com transtornos relacionados com o uso de álcool e drogas”, aponta Renata Vargens.

Na opinião dos psiquiatras, quando fazer uma lei que dá o poder discricionário para médico ou qualquer profissional de saúde fazer internações que podem durar até 90 dias, é um risco. Todos os três especialistas de psiquiatria entrevistados pelo Portal de Notícias PEBMED concordam que a família é importante neste contexto da decisão da internação.

“Quem sofrerá mais são justamente aqueles dependentes químicos em condição de miséria, que vivem nas ruas, vindos de lares rompidos. Eles precisam de tratamento de base comunitária, com atividades de inclusão social, fora do contexto de internação. Não dá para generalizar essa questão. Trata-se de uma discussão mais ampla”, explica Ricardo Dias.

Como deve ser realizado o tratamento

De acordo com os psiquiatras entrevistados, um tratamento especializado deve incluir equipe multidisciplinar, com médicos, terapeutas ocupacionais, professores de educação física e enfermeiros com capacidade para identificar quadros de ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, transtorno bipolar, transtornos psicóticos, etc.

Além disso, é necessária a presença de uma equipe de psicologia, de preferência de uma linha cognitivo comportamental, preparada para lidar com esses pacientes.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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