Nova declaração da AHA para abordagem em trombose venosa cerebral

A AHA sintetiza manifestações clínicas, fatores predisponentes, diagnósticos e terapias baseadas a partir de novas evidências para trombose venosa cerebral.

Trombose Venosa Cerebral (TVC) é a presença de coágulo em seios venosos durais, veias cerebrais ou ambos. Entre as causas de acidentes cerebrovasculares, a TVC é responsável apenas por 0,5-3% dos casos. Em geral, é a condição que afeta predominantemente indivíduos abaixo de 50 anos, sendo cerca de 2/3 mulheres.

Normalmente essa condição possui desfecho favorável. Contudo, há fatores associados a pior prognóstico como idade avançada, neoplasia ativa, rebaixamento do nível de consciência, hemorragia intracerebral.

A American Heart Association (AHA) publicou no início desse ano declaração científica sintetizando manifestações clínicas, fatores predisponentes, diagnósticos e terapias baseadas a partir de novas evidências desde a última declaração da instituição em 2011.

Nova declaração da AHA para abordagem em trombose venosa cerebral

Manifestações clínicas da Trombose Venosa Cerebral (TVC)

Cefaleia é o sintoma mais comum dessa condição, ocorrendo em torno de 90% dos casos. Outros sinais, geralmente associados à hipertensão intracraniana, podem estar presentes, como:

  • Náuseas;
  • Obscurecimentos visuais transitórios (13-27%);
  • Edema de papila e diplopia (6-14%);
  • Neuropatias cranianas — podem ocorrer também em virtude do aumento da pressão intracraniana (6-11%);

Sintomas mais graves podem também acontecer, com:

  • Crises epilépticas (20-40%);
  • Déficits neurológicos focais (20-50%);
  • Encefalopatia e coma (ambos em torno de 20%).

Fatores predisponentes

A trombose venosa cerebral é prevalente em jovens mulheres, com os principais fatores de risco sendo contracepção oral (principalmente terapia hormonal contendo formulação de estrogênio) e gestação/puerpério.

Outro grupo importante de fatores de risco bem estabelecidos são as trombofilias. Entre as trombofilias adquiridas, destacam-se doenças como síndrome antifosfolípide, mutação JAK2, malignidade, distúrbios mieloproliferativos, doenças autoimunes (como Behçet e doenças inflamatórias intestinais).

Já nas trombofilias genéticas, há risco em casos de deficiência de proteína C e proteína S, fator V de Leiden, polimorfismo da protrombina G20210A.

Há também fatores que já estiveram associados a TVC como infecções (covid-19), desidratação, medicamentos (corticosteroides) e trombocitopenia trombótica induzida por vacina. 

Fatores recorrentes

Embora 80-90% dos pacientes com TVC atinjam independência funcional, diversos estudos nessa população reportam sintomas residuais como queixas cognitivas, transtornos de humor, fadiga e cefaleia, impactando de certa forma na qualidade de vida desses indivíduos.

Epilepsia pode afetar 10% desses pacientes, com fatores de risco incluindo crises epilépticas no ictus dos sintomas de TVC, rebaixamento de nível de consciência, déficits focais, presença de lesões hemorrágicas no baseline, envolvimento de seio sagital superior e craniectomia.

A incidência de recorrência de TVC é estimada em < 1% ao ano. Fatores de risco para recorrência são: indivíduos com trombofilia grave (incluindo malignidade), história de tromboembolismo venoso, indivíduos com TVC sem identificação de fatores precipitantes e sexo masculino.

Diagnóstico

Em muitos casos, a tomografia de crânio e ressonância de crânio são as ferramentas iniciais a serem solicitadas em pacientes com quadros agudos de cefaleia, podendo evidenciar sinais que possam ofertar suspeição para TVC. Tais sinais podem refletir visualização direta do trombo ou consequências teciduais de obstrução venosa (infarto venoso, edema vasogênico, hemorragias, hipertensão intracraniana e hidrocefalia).

O sinal da corda (hiperdensidade linear em topografia da veia na TC) pode estar presente em até 14 dias do início dos sintomas.

Para confirmação de uma TVC, o uso de imagem como angiotomografia venosa de crânio ou angiorressonância de crânio é indispensável.

Leia mais: Trombose Venosa Profunda: como diagnosticar?

Através do estudo de vasos, é possível notar a presença do trombo por defeitos de preenchimento (ex.: sinal do delta vazio – referente ao seio sagital superior). Em casos de angiorressonância de crânio, há possibilidade de o exame ser performado sem contraste através da sequência Time Of Flight (TOF).

Tal sequência é comumente usada em situações especiais nas quais não deve ser utilizado o contraste, como gestação/amamentação ou pacientes com injúria renal. O uso de técnicas de contraste com gadolínio na RM, por outro lado, aumenta a sensibilidade na detecção do trombo principalmente de veias de menor calibre.

Uma novidade presente nessa declaração da AHA, ao comparar com a publicação de 2011, é que técnicas com contraste, ECO e imagens ponderadas por suscetibilidade são agora recomendadas para o diagnóstico de trombose da veia cortical.

Avanços terapêuticos

Anticoagulação oral

Os objetivos de anticoagulação oral na TVC são: prevenir formação de trombo, facilitar a recanalização e prevenir recorrência de eventos tromboembólicos. É recomendado início de anticoagulação parenteral com heparina de baixo peso molecular (LMWH) — em comparação à heparina não fracionada — para prosseguir posteriormente com transição para anticoagulação via oral, seja com antagonista de vitamina K (VKA) ou com anticoagulante oral direto (DOAC), de acordo com novas evidências.

Segundo a publicação da Stroke, é razoável realizar a transição para VKA ou DOAC após 5-15 dias de anticoagulação parenteral visto que aparenta ser estratégia mais segura e efetiva, enquanto um período de transição mais curto é incerto.

Os estudos RE-SPECT CVT, SECRET e ACTION-CVT investigaram a comparação de antagonista de vitamina K (varfarina) com os anticoagulantes orais diretos. No RE-SPECT CVT trial, o grupo dabigatrana e o grupo varfarina não apresentaram diferenças quanto à recorrência de AVC e possuíram pequeno percentual de hemorragias entre os grupos. No SECRET trial, ensaio clínico de fase II com 53 participantes, não foram demonstradas preocupações de segurança quanto ao uso de anticoagulação oral direta que, no caso, foi o rivaroxabana.

Leia também: Highlights AHA – American Heart Association [podcast]

Já no estudo observacional e retrospectivo ACTION-CVT, foi demonstrado que as taxas de recanalização em imagem de acompanhamento, óbito e trombose recorrente foram semelhantes entre o grupo com varfarina e o grupo de anticoagulantes orais (em que 67% fizeram uso de apixabana, 18% de rivaroxabana e 14% de dabigatrana) em aproximadamente um ano. Nesse estudo, o uso de DOAC foi associado a um menor risco de hemorragia.

A duração da anticoagulação oral vai depender da etiologia. Em casos de identificação de fatores predisponentes para TVC, a terapia pode apresentar duração entre 3-12 meses, enquanto em casos de alto risco para trombofilias ou recorrência de TVC o tempo é indefinido.

Terapias de reperfusão

Terapia endovascular foi considerada, teoricamente, como uma opção mais rápida para recanalização no tratamento de TVC, embora a associação de terapia medicamentosa com esse procedimento em uma população não selecionada é incerto. O ensaio clínico TO-ACT demonstrou que pacientes com TVC grave não apresentaram benefício clínico de terapia endovascular comparado com anticoagulação. Além disso, outros estudos e metanálises avaliaram que a terapia endovascular esteve mais associada à alta mortalidade e sem evidências de benefício.

Craniectomia descompressiva

As evidências para essa abordagem permanecem as mesmas ao comparar com a declaração da AHA em 2011. Considera-se essa medida cirúrgica em casos de pacientes com TVC grave e lesões parenquimatosas com sinais de herniação cerebral como uma abordagem terapêutica para salvar a vida. Fatores como idade acima de 50 anos, desvio de linha média acima de 10mm e preenchimento total de cisternas basais são sinais de pior prognóstico.

Trombose venosa cerebral em gestantes

Em caso de mulheres gestantes com trombose venosa cerebral, a droga preferencial para anticoagulação é heparina de baixo peso molecular intramuscular.

Mulheres com história de tromboembolismo venoso aparentam ter um aumento no risco para eventos trombóticos em gestações futuras. Apesar dessa evidência, TVC não é contraindicação para futuras gestações. Nesse caso, considerando esse risco adicional na gestação para mulheres com história de TVC, é recomendado profilaxia com enoxaparina profilática durante gestação e puerpério.

Leia ainda: Rivaroxabana profilática em pacientes não cirróticos com trombose de veia porta

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Saposnik G, Bushnell C, Coutinho JM, Field TS, Furie KL, Galadanci N, Kam W, Kirkham FC, McNair ND, Singhal AB, Thijs V, Yang VXD; on behalf of the American Heart Association Stroke Council; Council on Cardiopulmonary, Critical Care, Perioperative and Resuscitation; Council on Cardiovascular and Stroke Nursing; and Council on Hypertension. Diagnosis and management of cerebral venous thrombosis: a scientific statement from the American Heart Association. Stroke. 2024;55. DOI: 10.1161/STR.0000000000000456