Rivaroxabana profilática em pacientes não cirróticos com trombose de veia porta

O benefício da anticoagulação a longo prazo em pacientes não cirróticos com trombose crônica da veia porta é desconhecido.

O desenvolvimento de trombose de veia porta está associado a um ou mais fatores de risco subjacentes para trombose em 60-70% dos casos, como, neoplasias mieloproliferativas, síndrome antifosfolípide ou mutação do fator V de Leiden. As duas principais complicações da trombose crônica de veia porta são hemorragia digestiva alta varicosa e trombose recorrente, a qual pode culminar em isquemia mesentérica.

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Estudos retrospectivos em pacientes com história de trombose de veia porta sugerem que a anticoagulação permanente pode diminuir significativamente a incidência de trombose recorrente sem aumentar a ocorrência ou gravidade do sangramento gastrointestinal. Plessier e colaboradores avaliaram a eficácia de rivaroxabana 15 mg/dia para prevenir a recorrência de eventos tromboembólicos ou morte em pacientes trombose de veia porta não cirrótica.

Rivaroxabana profilática em pacientes não cirróticos com trombose de veia porta

Metodologia

Estudo randomizado, controlado, aberto, realizado entre setembro de 2015 e janeiro de 2020 em 8 centros franceses com experiência no manejo de pacientes com doença vasculares hepáticas. Foram incluídos pacientes adultos com trombose crônica de veia porta, incluindo cavernoma portal, ou trombose de veia porta recente diagnosticada mais de 6 meses antes do início do estudo, sem alterações pró-trombóticas importantes, como neoplasias mieloproliferativas, mutação V617F do gene Janus quinase 2, síndrome antifosfolípide, mutações G20210A do fator II ou G1691A do fator V em homozigose ou heterozigoze composto e história pessoal ou familiar de primeiro grau de trombose venosa não provocada. Pacientes com história de ressecção intestinal (devido a infarto mesentérico prévio), cirrose, carcinoma hepatocelular ou cavernoma infantil também foram excluídos.

Foram analisados os seguintes desfechos:

  • Primário: ocorrência de um evento tromboembólico venoso sintomático ou assintomático em qualquer local ou morte dentro de 2 anos após a randomização;
  • Secundários: morte, embolia pulmonar, trombose venosa profunda, sangramento maior (de acordo com as diretrizes da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia), sangramento relacionado à hipertensão portal (como definido pelas diretrizes Baveno VI), complicações não hemorrágicas da hipertensão portal (ou seja, ascite, colangiopatia portal), sangramento menor, toxicidade hepática (definido por um aumento inexplicável nos níveis séricos de aminotransferases), e quaisquer outros eventos adversos.

Os pacientes foram alocados aleatoriamente (proporção de 1:1) para um grupo tratamento com rivaroxabana oral 15 mg uma vez ao dia e outro grupo controle sem medicação anticoagulante. As visitas ocorreram no momento da randomização (linha de base) e em 1, 3 e 6 meses, e a cada 6 meses depois disso por 24 a 48 meses. Os dados clínicos e laboratoriais foram obtidos em cada visita de acompanhamento. Ultrassonografias de abdome com doppler hepático foram obtidas a cada 6 meses a partir do mês 3, tomografias computadorizadas ou ressonâncias magnéticas de abdome contrastadas foram obtidas anualmente, e D-dímero dosado anualmente a partir de 1 mês. A inclusão de pacientes foi descontinuada aos 28 meses após realização de segunda análise interina. A partir desse momento, todos pacientes do grupo sem anticoagulação tiveram a oportunidade de mudar para rivaroxabana 15 mg/dia e foram observados por pelo menos 24 meses após a randomização, até o limite de 48 meses. A escolha da anticoagulação nesse segundo período ficou a cargo do médico assistente.

Resultados

Foram incluídos no estudo 111 pacientes com trombose de veia porta, 55 no grupo rivaroxabana e 56 no grupo controle não anticoagulado. Três pacientes perderam o seguimento ao longo do estudo. A mediana de tempo entre o diagnóstico de trombose de veia porta e a inclusão no estudo foi de 1,7 anos (0,9-5,3 anos). No momento da inclusão, 82 pacientes (74%) estavam em terapia anticoagulante. Desses pacientes, 73 (92%) estavam em uso de antagonista da vitamina K. Dezesseis dos 29 pacientes que não tomavam anticoagulantes no momento da inclusão foram aleatoriamente designados para o grupo rivaroxabana e 13 para o grupo sem anticoagulação. Trombofilia de baixo risco foi identificada em 48 pacientes (50%) na triagem inicial. Varizes esofágicas foram encontradas em 32 pacientes (29%) e varizes gástricas em 10 pacientes (9%).

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A taxa de incidência de eventos trombóticos foi de 19,71 por 100 pessoas-ano (IC 95%, 7,49 a 31,92) no grupo sem anticoagulação, enquanto nenhum evento trombótico ocorreu no grupo rivaroxabana. Todos, exceto um paciente, ficaram sintomáticos e nenhum indivíduo morreu. No segundo período de observação, quarenta e seis dos 55 pacientes do braço rivaroxabana continuaram rivaroxabana, enquanto 4 mudaram para outro anticoagulante e 5 descontinuaram totalmente os anticoagulantes. Trinta e dois dos 56 pacientes do braço sem anticoagulação receberam rivaroxabana, incluindo 29 na dose de 15 mg/dia e 3 na dose de 20 mg/dia, enquanto 17 pacientes receberam outro anticoagulante e 7 não receberam anticoagulante. Três pacientes que não receberam anticoagulação como parte do 2º período do estudo tiveram evento trombótico.

Durante o primeiro período de observação, trombose venosa ocorreu em 10 pacientes, sendo quatro com trombose da veia esplênica, três com trombose venosa profunda e 3 com embolia pulmonar. Durante todo o período de estudo (períodos 1 e 2), sangramento maior ocorreu em três pacientes — dois em pacientes recebendo rivaroxabana e um não anticoagulado. Cinquenta e sete pequenos episódios de sangramento ocorreram: 16 eventos com gengivorragia (12 eventos no grupo rivaroxabana em 9 pacientes e 4 no grupo sem anticoagulação), 13 eventos com epistaxe (12 eventos em no grupo rivaroxabana em 11 pacientes e 1 no grupo sem anticoagulação), 11 com sangramento retal (7 eventos no grupo rivaroxabana em 6 pacientes e 4 em no grupo sem anticoagulação em 4 pacientes), 9 com sangramento uterino (6 eventos no grupo rivaroxabana em 5 pacientes e 3 no grupo sem anticoagulação em 3 pacientes), e 6 outros sangramentos menores (3 eventos no grupo rivaroxabana em 2 pacientes e 3 no grupo sem anticoagulação em 2 pacientes). Sangramento menor ocorreu com mais frequência durante a exposição a DOACs do que durante o período sem tratamento (razão da taxa de incidência, 4,86; IC 95%, 1,75 a 13,50). D-dímero de 500 ng/ml ou superior foi associado a trombose (taxa de risco, 7,78; IC 95%, 1,49 a 40,67).

Mensagens práticas

Rivaroxabana 15 mg/dia reduz a incidência eventos tromboembólicos em pacientes com trombose crônica de veia porta não cirrótica e não aumenta o risco de eventos hemorrágicos graves. Novos estudos randomizados e controlados são necessários para validar esses achados, preferencialmente com uso de placebo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Plessier A, et al. Rivaroxaban Prophylaxis in Noncirrhotic Portal Vein Thrombosis. NEJM Evid. 2022;1(12). DOI: 10.1056/EVIDoa2200104

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