Hoje neste espaço vamos comentar um estudo realizado no ano de 2020 que objetivou descrever o perfil das notificações de violência em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais registradas no sistema de informação de Agravos de Notificação no Brasil – Sinan, no período entre 2015 a 2017. O artigo foi realizado por diversos autores, sendo eles: Isabella Vitral Pinto, Silvânia Suely de Araújo Andrade, Leandra Lofego Rodrigues, Maria Aline Siqueira Santos, Marina Melo Arruda Marinho, Luana Andrade Benício, Renata Sakai de Barros Correia, Maurício Polidoro e Daniel Canavese. O Estudo seguiu o método seccional descritivo, com dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, sobre o perfil de casos notificados de violência contra pessoas LGBT. A população do estudo incluiu indivíduos com 10 anos ou mais de idade e orientação homossexual ou bissexual, bem como identidades de gênero transexual ou travesti.
O artigo foi publicado na revista brasileira de epidemiologia em seu volume 23 e faz a discussão da violência como um problema de saúde pública. Relatam que as violências reportadas são menores que a totalidade de casos reais na sociedade, sendo essa temática relativa à população LGBTI+ um fenômeno complexo, polissêmico e multifatorial. Discutem o fato do público ser vulnerável à violência, considerando que os marcadores de gênero e diversidade são determinantes sociais de saúde. O fenômeno é discutido baseado em suas representações sociais e sua relação com discriminação e preconceito. Apresentam a responsabilidade de notificação sobre a orientação sexual e identidade de gênero nos sistemas de informação do SUS. Dessas representações, os autores citam a violência simbólica como presente frente a essa população.
Para dar conta do objetivo do estudo, os autores descreveram o perfil epidemiológico das notificações de violência interpessoais e autoprovocadas em LGBT. Retirados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), no período de 2015 a 2017, no qual possuíam registro de informações quanto à orientação sexual e identidade de gênero. O estudo foi realizado na base de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Utilizou-se duas variáveis diferentes e independentes, oriundas da ficha de notificação. Sendo elas: orientação sexual e identidade de gênero. Realizou-se. a partir disso, a descrição conforme características das pessoas em situação de violência e as características das violências e dos prováveis autores, considerando ainda as faixas etárias.
Resultados dos estudos de notificação de violência LGBT
Os resultados do estudo revelaram 778.527 notificações de violências totais, sendo 24.564 contra a população LGBTI+, de 2015 a 2017. Um dos resultados mais importantes revelados por Pinto et.al. (2020) foram os presentes as 13.129 notificações de violência, totalizando (53,4%) das violências totais contra pessoas homossexuais, bissexuais e cisgêneros. Outras 2.822 (11,5%) contra travestis e transexuais com orientação homossexual ou bissexual e, por fim, 8.613 (35,1%) contra travestis e transexuais heterossexuais ou com orientação sexual ignorada. O número de violência aumentou entre 2015 e 2017, 49,35% entre lésbicas, 38,5% entre gays e 101,4% entre bissexuais. Quanto à identidade de gênero, houve um aumento de 77,9% das notificações de violência contra travestis, 22,7% contra mulheres transexuais e 29,9% contra homens transexuais.
As notificações revelam que 69,1% das pessoas eram adultos e 24,4% adolescentes. As pessoas da raça/cor negra ou preta, sofreram mais violência, representando 57% entre adolescentes de 10 a 14 anos. O estudo apontou menor escolaridade na condição relacional de violência, sendo que as pessoas com nível superior sofreram violência em cerca de 9% dos casos. A notificação de lésbicas foram predominante entre os grupos etários de 10 a 59 anos, compreendendo todos os grupos e suas divisões, marcando entre 31.9 e 33.9% das notificações. Já em gays, as notificações foram maiores entre idosos, em 31% dos casos. Em relação a identidade de gênero, as notificações apontaram vulnerabilidades, pessoas transexuais e travestis (46,6%), seguidas daquelas em pessoas cisgênero (opção não se aplica) (31,2%) e ignorado (22,3%). Com relação aos transgêneros, as notificações em mulheres transexuais foram mais frequentes para todas as faixas etárias.
A residência aparece como o local de maior violência, sendo maior entre adolescentes e idosos, chegando a 78,9% nos idosos. Seguido por via pública, apontando 26,7% das notificações contra adolescentes entre 15 e 19 anos. As violências aconteceram mais de uma vez em mais de um terço dos casos. Entre os agressores, os familiares são os que mais geraram violência, destacando a violência intrafamiliar contra LGBT. A violência de parceiros também chamou atenção no Estudo. Os dados revelam 22 notificações de violências interpessoais e autoprovocadas por dia, ou seja, quase uma notificação de violência a cada hora no Brasil. Esses dados, segundo os autores, revelam que expressões de sexualidade e gênero podem gerar estranhamento e violência. É importante destacar que casos ignorados nas variáveis orientação sexual e identidade de gênero podem ocorrer por preconceitos e dificuldades de abordagem por profissionais de saúde.
Concluindo
A escola se mostrou como um cenário de ocorrência das violências em adolescentes LGBT, sendo relevantes as práticas discriminatórias e o bullying recorrentes. A violência física foi o tipo de agressão que mais esteve presente em todos os ciclos de vida. Mas chama atenção ao fato referente a violência sexual em adolescentes, aparecendo como o segundo caso mais notificado. A violência psicológica também é um marco encontrado na população LGBTI+, principalmente na adolescência. Os autores discutem o fato referente à fuga do contexto familiar, que aparece como saída comum para a manutenção da saúde mental e física das pessoas LGBT. Levanta algumas potencialidades da ficha de notificação, enfatizando que evidências podem produzir saídas para a produção de saúde da população.
O estudo, assim como outros que falem sobre a temática LGBTI+, é importante para que se possa solidificar a política de atenção integral à população LGBTI+. Os estudos sobre violência podem ampliar o conhecimento sobre a situação de violência no País, mas é essencial para que os profissionais de saúde, principalmente os de enfermagem, possam compreender o problema e criar ações de cuidado de maneira integral. Ainda deve servir para capacitar os profissionais, pela compreensão dessa vulnerabilidade social. Os profissionais de enfermagem não podem ser barreira para atenção à saúde dessa população, sendo necessário que o conhecimento esteja sempre à frente. O combate ao preconceito e a discriminação devem ser constantes e estar presente nas práticas de saúde. Recomendamos que o artigo de Pinto et.al.(2020), seja apreciado na íntegra. E desde já agradecemos aos autores pela contribuição com a ciência e com a sociedade, se tornando um importante papel para a luta contra injustiças sociais oriundas das intolerâncias à diversidade sexual e às expressões de gênero.
Referências bibliográficas:
- Pinto, Isabella Vitral et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2015 a 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. 2020, v. 23, n. Suppl 01 [Acessado 12 Junho 2021] , e200006.SUPL.1. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1>. Epub 03 Jul 2020. ISSN 1980-5497. https://doi.org/10.1590/1980-549720200006.supl.1.