Princípios da humanização em saúde [parte 1]

Há várias décadas, as discussões sobre humanização das práticas em saúde vem sendo motivo de discussões e debates em todo o mundo.

Há várias décadas, as discussões sobre humanização das práticas em saúde vem sendo motivo de discussões e debates em todo o mundo. Este tem se tornado tema de relevância científica, prática e acadêmica, presente em todos os níveis de atenção à saúde, e com predominância em conteúdos voltados a políticas públicas e saúde coletiva.

enfermeiro segurando mão de idosa doente, na humanização em saúde

Humanização em saúde

O conceito de humanização é bastante amplo, e engloba inúmeras percepções teóricas e possibilidades de desenvolvimento, entretanto, segue marcado por imprecisões e ausências metodológicas. Em teoria, a humanização pode ser compreendida como um vínculo entre profissionais e usuários, alicerçado em ações guiadas pela compreensão e pela valorização dos sujeitos, reflexo de uma atitude ética e humana. Pensando por outro viés, pode ser compreendida como à qualidade do cuidado que é direcionado ao outro, que incluiria a valorização dos trabalhadores e o reconhecimento dos direitos dos usuários.

Ampliando nosso olhar de humanização em saúde para o sistema público e legislação, sabe-se que o tema nasceu em 2001, como um programa do Ministério da Saúde, voltado para a atenção hospitalar. Essa possibilidade de ampliação da qualidade do cuidado surgiu como uma tentativa de resposta do SUS, à imagem deturpada da população em relação ao Sistema de Saúde e sua linha fragmentada de intervenção ao usuário.

Em 2003, a humanização deixou de ser programa e tornou-se uma política nacional, direcionada à busca pela materialização dos princípios e das diretrizes da Lei Orgânica da Saúde. A temática humanização ganha nova imagem, quando deixa de ser composta por programas isolados, e passa a ser representada como Política Nacional de Humanização (PNH), atuando de modo transversal e integrado, com base na valorização da dimensão humana e singular do cuidado. Surge quebrando a vertente de “protocolo padrão e automático” de intervenção em saúde, considerando o aspecto individual, cultural e psicossocial da pessoa humana, ampliando esse modo de cuidado à família, compreendida aqui, como extensão do paciente.

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A construção de um sentido possível para a expressão Humanização da Saúde se enuncia em um novo posicionamento de valores, colocando o paciente em condição horizontal em relação à equipe que o assiste. Aqui, sai de cena a figura isolada do médico, assim como sua posição vertical e paternalista, dando espaço a realidade de um ‘grupo’ ou equipe, que compõe um trabalho multidisciplinar, contemplando a dimensão integral do ser humano em seus múltiplos aspectos. A humanização é um resultado de novas práticas no modo de se fazer o trabalho em saúde, valorizando a atuação em equipe, oportunizando a troca de saberes, incluindo usuários, família e profissionais na execução do plano terapêutico.

Na prática

Em um contexto mais prático, poderíamos dizer que a perspectiva de humanização, tem buscado medidas mais adequadas e individualizadas de atenção ao usuário. Afinal, nada mais humano do que a própria subjetividade. Entretanto, existem mudanças a serem realizadas, desde a parte estrutural da educação em saúde, até a vertente assistencial, que inclui atuação dos profissionais da saúde e o componente administrativo das instituições.

O primeiro ponto contempla a inflexibilidade das práticas educativas no campo da saúde, que quase 20 anos depois da criação do PNH, ainda segue direcionada à formação predominantemente técnica e objetiva. Os profissionais seguem sendo ensinados a focar na doença, no sintoma, no fechamento diagnóstico, observação de exames complementares e implementação do tratamento, desvalorizando a avaliação clínica, a comunicação e a valorização do paciente enquanto protagonista de sua vida. Deixa-se de olhar para a pessoa, para se direcionar à doença, pois é contra essa entidade que se trava a batalha.

Talvez o ponto mais relevante, seja “como preparar o profissional para se focar prioritariamente no ser humano, cuidando-o, ofertando conforto e escuta, para posteriormente direcionar-se a doença. Se essa premissa básica não se torna realidade, estaremos anos-luz de distância de conseguir cuidar dignamente de pacientes fora de possibilidades terapêuticas curativas, pois não seremos capazes de atender sua demanda de cuidado total. Não seremos capazes de compreender a necessidade do cuidado à família, nem de valorizar sua subjetividade. Não seremos capazes de trabalhar interprofissionalmente, tampouco de considerar que existem tratamentos suficientemente bons, mesmo quanto não existe cura.

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Pensando de maneira mais compatível com a realidade brasileira atual, se os processos educativos pouco se modificaram para atingir a priorização da humanização em saúde, mas a legislação urge e os direitos do usuário tornaram-se mais amplos, a urgência atropela os profissionais que já estão na prática. Estes, foram surpreendidos no meio do caminho, com uma realidade que não foi ensinada no contexto acadêmico, mas que é exigida diariamente na profissão. Aprender a deixar de pensar sozinho para exercer o ofício compartilhado, em equipe, é apenas o primeiro passo do processo de cuidado integrado.

O segundo, e não menos impactante, diz respeito ao compartilhamento da decisão, a comunicação eficiente com os usuários, e a inclusão da família como participantes reais do cuidado. Essas medidas vem de encontro à conscientização sobre a necessidade da prevenção e continuidade dos cuidados como fatores protetivos, situações nos quais os familiares ou cuidadores são a primeira linha de intervenção e providência. Após o cuidado técnico, hospitalar, o paciente retorna ao seio familiar, e passa a ser novamente autônomo em relação a si e a sua saúde.

Frente a isso, a humanização se estende ao processo de empoderamento, conscientização do autocuidado, e tratamento direcionado ao contexto de vida real do paciente. Pensando por outro viés, as medidas básicas da humanização são passíveis de promover a prevenção, a compreensão de papeis e a comunicação horizontal profissional-usuário. Tudo isso, sem que o profissional se dispa de seu aspecto técnico de saber.

Referências bibliográficas:

  • Heckert ALC, Passos E, Barros MEB. Um seminário dispositivo: a humanização do Sistema Único de Saúde (SUS) em debate. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):493-502.
  • Palheta RP, Costa RJ. Caminhos da humanização hospitalar em Manaus: os trabalhadores na roda. Saude Soc 2012; 21(Supl. 1):253-264
  • Mori ME, Oliveira OVM. Os coletivos da política nacional de humanização (PNH): uma cogestão em ato. Interface (Botucatu) 2009; 13(Supl. 1):627-640.

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