Qual o impacto do uso do remifentanil durante a sequência rápida de intubação?

Estudo analisou se o remifentanil é não inferior ao uso de bloqueadores neuromusculares de início rápido na sequência rápida de intubação.

No cenário da anestesia geral, uma complicação rara porém grave é a aspiração de conteúdo gástrico. Uma das formas eficazes de evitá-la é lançando mão da intubação em sequência rápida (ISR). Tal técnica consiste em pré-oxigenação otimizada, uso de um agente hipnótico e bloqueadores neuromusculares de início rápido. Succinilcolina e rocurônio em dose elevada são recomendados para casos de via aérea difícil, uma vez que garantem relaxamento muscular em menos de 90 segundos.

Existe variabilidade quanto à modalidade da ISR. Cerca de 25 a 75% dos pacientes sob risco de aspiração submetidos à ISR não recebem bloqueadores neuromusculares, geralmente por receio quanto aos efeitos adversos dessa classe medicamentosa. Apesar da ISR ser utilizada sem bloqueadores neuromusculares na prática clínica, a não inferioridade dessa estratégia ainda não foi testada.

Nesse cenário, o trial Effect of Remifentanil vs Neuromuscular Blockers During Rapid Sequence Intubation on Successful Intubation Without Major Complications Among Patients at Risk of Aspiration: A Randomized Clinical Trial foi publicado no JAMA em janeiro de 2023. O objetivo do estudo foi determinar se o uso do remifentanil é não inferior ao uso de bloqueadores neuromusculares de início rápido na sequência rápida de intubação.

Qual o impacto do uso do remifentanil durante a sequência rápida de intubação

Métodos

O ensaio clínico randomizado e multicêntrico foi desenvolvido no período de Outubro de 2019 a Maio de 2021, em 15 hospitais da França (universitários e privados).

Critérios de Inclusão:

  • Faixa etária: 18 a 80 anos
  • Necessidade de intubação orotraqueal durante anestesia geral em cenário de centro cirúrgico;
  • Ter um ou mais dos seguintes fatores de risco para aspiração pulmonar:
    • Período pré-operatório de jejum de menos de 6 horas;
    • Obstrução intestinal;
    • Episódio de vômito dentro das 12 horas antes da anestesia;
    • Trauma ortopédico nas últimas 12 horas;
    • Histórico médico de refluxo gastroesofágico sintomático grave, hérnia de hiato, gastroparesia, disautonomia ou cirurgia gastroesofágica com disfunção de esfíncter.

Critérios de Exclusão:

  • Gravidez (obrigação legal);
  • Contraindicação para o uso de succinilcolina e rocurônio (alergia, hipertermia maligna, distrofia muscular congênita, miastenia gravis, déficit congênito na pseudocolinesterase plasmática);
  • Dificuldade prevista com a intubação traqueal;
  • Hipoxemia pré-operatória (saturação de oxigênio por oximetria < 95%) ou choque (pressão arterial média < 65 mm Hg);
  • Parada cardíaca;
  • Ausência de seguro para cobrir custos de saúde (obrigação legal).

Randomização e intervenções

Pacientes foram randomizados (1:1) para receber bloqueadores neuromusculares (1 mg/kg de succinilcolina ou rocurônio; n = 575) ou remifentanil (3 a 4 μg/kg; n = 575), imediatamente após a injeção de um hipnótico.

Intubação endotraqueal

A intubação traqueal foi realizada 30 a 60 segundos após a administração do remifentanil ou bloqueador neuromuscular, conforme grupo. Tal procedimento foi realizado por anestesiologistas sênior, residentes de anestesiologia com mais de dois anos de experiência ou enfermeiras especialistas em anestesiologia. Para limitar o risco de viés, o dispositivo usado na primeira laringoscopia (videolaringoscópio ou laringoscópio convencional) foi escolhido a priori antes da randomização e de acordo com as preferências dos médicos.

Bloqueadores neuromusculares e hipnóticos

No caso dos bloqueadores neuromusculares, a succinilcolina foi o fármaco de escolha. O rocurônio foi utilizado nos casos de contraindicação à succinilcolina. Em caso de dessaturação ou dificuldade não planejada para a via aérea, os médicos podiam utilizar tanto o remifentanil quanto o bloqueador neuromuscular como terapia de resgate.

A escolha e a dose do hipnótico dependiam das preferências dos clínicos. Foi recomendada a ventilação de resgate no caso de intubação difícil não planejada e de queda na saturação de oxigênio abaixo de 95%.

Desfecho primário

O desfecho primário consistiu na intubação endotraqueal bem-sucedida na primeira tentativa sem complicações maiores. O sucesso na primeira tentativa de intubação foi definido como o posicionamento bem-sucedido durante a primeira inserção do laringo.

As complicações maiores foram registradas até 10 minutos após a indução da anestesia e foram definidas como:

  • Aspiração pulmonar de conteúdo digestivo (definido como visualização por um investigador de partículas líquidas ou sólidas atingindo a laringe durante o procedimento de intubação);
  • Dessaturação de oxigênio – SpO2 < 95%;
  • instabilidade hemodinâmica importante (duração e número de episódios de pressão arterial média ≤ 50 mmHg ou ≥ 110 mmHg);
  • Arritmia sustentada (alteração da frequência cardíaca ou ritmo que requer intervenção farmacológica ou elétrica, com duração superior a 30 segundos e não presente no momento da entrada no estudo), parada cardíaca entre outros.

Resultados

  • Características da população:
    • Obstrução intestinal, íleo paralítico ou vômito foram registrados em 613 (54,1%) pacientes e procedimentos cirúrgicos digestivos foram a razão mais frequente para a intubação;
    • Propofol, o hipnótico mais frequentemente usado, foi administrado em 1118 de 1145 pacientes (98%) na população total do estudo;
    • Succinilcolina e rocurônio foram usados respectivamente em 408 de 570 pacientes (71,6%) e 156 de 570 pacientes (27,4%) no grupo de bloqueio neuromuscular, e 574 de 575 pacientes (99,8%) randomizados para o grupo de remifentanil receberam o tratamento alocado;
  • Desfecho primário:
    • Intubação traqueal bem-sucedida na primeira tentativa sem complicações maiores ocorreu em 374 pacientes (66,1%) no grupo de remifentanil e 408 pacientes (71,6%) no grupo de bloqueio neuromuscular (diferença ajustada -6,1%; IC 95% bilateral, -11,6% a -0,5%; P = 0,37 para não inferioridade);
  • O limite inferior do IC95% (–11,6%) excedeu a margem de não inferioridade de -7,0%, não demonstrando não inferioridade, e os limites superiores foram menores que 0 (–0,5%), demonstrando inferioridade;
  • Considerando as análises de subgrupos pré-especificados, nenhuma das características modificou significativamente o efeito de remifentanil no resultado primário.

Conclusão dos autores

No trial atual que envolveu pacientes em risco de aspiração, o remifentanil, comparado aos agentes bloqueadores neuromusculares, não atendeu ao critério de não inferioridade quanto à intubação bem-sucedida na primeira tentativa sem complicações importantes.

Mensagens Práticas:

  • O estudo ocorreu em uma população de pacientes submetidos à anestesia geral para procedimentos cirúrgicos. Não podemos generalizar tais achados para situações fora dos centros cirúrgicos, como em ambientes obstétricos, unidades de terapia intensiva, ou em situações fora do hospital ou de departamento de emergência;
  • Além disso, a baixa taxa de uso de guias, que aumenta a taxa de sucesso na intubação na primeira tentativa, pode limitar a generalização dos resultados do estudo;
  • Os resultados deste estudo não apoiam o uso do remifentanil, no entanto ainda não é possível definir o papel dos derivados de morfina como parte do processo de intubação;
  • Por enquanto, não altero minha prática habitual de usar, no cenário da intubação em sequência rápida, bloqueadores neuromusculares de ação rápida.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Grillot N, Lebuffe G, Huet O, et al. Effect of Remifentanil vs Neuromuscular Blockers During Rapid Sequence Intubation on Successful Intubation Without Major Complications Among Patients at Risk of Aspiration: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2023;329(1):28-38. DOI:10.1001/jama.2022.23550

Especialidades