10 regras para otimizar configurações e metas ventilatórias pós-parada cardíaca

A ventilação mecânica protetiva vem se consolidando dentre os aspectos de melhorias em pacientes com SDRA e síndrome pós-parada cardíaca.

A parada cardíaca (PCR) é uma das principais causas de óbito que possui associação com eventos neurológicos e sistêmicos. Por isso, há diversas formas de manutenção em pacientes em cuidados pós-parada cardíaca (PCR), tal qual ventilação mecânica, estratégias hemodinâmica e controle de temperatura corporal. Foram implementadas algumas estratégias com o intuito de proteger o cérebro, os pulmões e os demais sistemas durante esse processo.

A proteção quanto à ventilação mecânica para pacientes que não possuem síndrome do desconforto respiratório (SDRA) vem se consolidando. O efeito individual desses parâmetros de ventilação mecânica protetora ainda é debatido para os pacientes em pós-parada cardíaca (PCR).

Dessa forma, há dicas que podem simplificar o cuidado na ventilação mecânica, uma vez que visam otimizar as trocas gasosas e limitar a lesão induzida pelo ventilador (VILI), evitando complicações, limitando a hipoxemia e a hiperoxemia e mantendo os níveis adequados de dióxido de carbono.

10 regras para otimizar configurações e metas ventilatórias pós-parada cardíaca

1 – O volume corrente deve ser protetor

O volume corrente (Vc) é um dos principais parâmetros de uma ventilação protetiva. A ideia de um Vc baixo está relacionada à uma menor prevalência de infecção pulmonar, atelectasia e mortalidade. Existem indicações para um Vc de 6-8 ml/kg, mas sem muitas evidências em pacientes pós-parada cardíaca, visto que um Vc maior que 10 ml/Kg está relacionado a maiores casos de pneumonia adquirida na UTI.

Dessa maneira, é indicado, em pacientes sob cuidados pós-parada cardiorrespiratória, que o volume corrente esteja entre 6 e 8 ml/Kg em ventilação controlada por volume ou pressão, mas sempre interagindo com os demais parâmetros da ventilação mecânica, como pressão de platô, delta de pressão etc.

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2 – A pressão de platô deve ser personalizada

A pressão de platô (Pplat) é outro parâmetro importante da ventilação pulmonar protetora, pois depende da relação entre volume e complacência do sistema respiratório quando não há fluxo, influenciando na expansão alveolar, troca gasosa e melhora da oxigenação. Há diversos fatores que o afetam, como a pressão abdominal em pacientes obesos.

Tanto a Pplat quanto o Vc devem ser reduzidos, a fim de evitar a VILI. No entanto, devem-se levar em conta outros parâmetros ventilatórios para personalizar tais cuidados.

Em um estudo de pressão de platô em pacientes pós-PCR, houve três diferenças de valores, sugerindo uma mudança mais individualizada. Existem fórmulas para isso, mas a observação clínica é crucial para essa decisão. Por isso, há a recomendação de que a pressão de platô deve ser mantida igual ou menor que 20 cmH2O e corrigida de acordo com a pressão intra-abdominal.

 3 – A pressão positiva expiratória final deve ser baixa, mas suficiente

A pressão positiva expiratória final (PEEP) é a chave da ventilação mecânica (VM). É indubitável, em meio às evidencias científicas, que a PEEP muito baixa ou próxima a zero, está relacionada a maior risco de atelectasia e maior dano pulmonar. Enquanto um valor maior se associa a um aumento da pressão intratorácica, levando a um comprometimento do ventrículo esquerdo e, por sua vez, agindo na pré-carga, na contratilidade e na pós-carga do coração.

Dentre os estudos de PEEP em pacientes de pós-PCR, ela sozinha não possui tanto impacto nos cuidados, mas sim quando interligada aos demais parâmetros, como Pplat, drive pressure e Vc. Há, portanto, a sugestão de iniciar a ventilação com uma PEEP de 5 cmH2O e avaliar, de acordo com a saturação de O2 e a mecânica pulmonar, a necessidade de aumentar o valor.

4 – Atenção na Driving Pressure (ΔP)

A driving pressure (delta de pressão) representa a pressão de expansão dos pulmões, sendo o resultado da subtração da Pplat e da PEEP, podendo ser vista, também, como o estresse aplicado ao sistema respiratório.

A importância da driving pressure urge quando relacionada ao volume corrente e a manutenção da PaCO2. A redução do Vc para diminuir a ΔP em 1 cm, por exemplo, só é válido se a PaCO2 puder se manter, já que reduzindo o Vc não há muita lavagem de PaCO2 no sistema. Contudo, pode ser proveitoso aumentar a frequência respiratória para reduzir o volume corrente e, nesse sentido, reduzir a ΔP em menos de 1 cm. Com isso, é clara a não independência da driving pressure nos cuidados pós-PCR.

Sugere-se, então, uma ΔP < 13 cmH2O, mas sempre mantendo o volume corrente a fim de respeitar a complacência do sistema respiratório e a PaCO2.

5 – A frequência respiratória deve ser direcionada para PH e PaCO2

A frequência respiratória (FR) é uma das principais variáveis da ventilação mecânica. Possui impacto durante a VM, mas ainda é muito subestimada quanto às suas consequências ao nível de dano pulmonar, direcionando a uma possível VILI, uma alcalose respiratória, dentre outros malefícios. Ademais, a FR possui diversos papéis no controle do PH. Assim, há uma intensa relação em pacientes que estão sujeitos a danos cerebrais pós-parada cardíaca, devido à modulação química do fluxo sanguíneo e seu pH.

Em condições normais de vida, quando o volume ou a pressão aumentam, como medida de compensação, o corpo diminui a FR, servindo como controle de PaCO2 e PH. Por isso, essa regulação, além da oxigenação, em pacientes pós-PCR é de difícil alvo. Dessa maneira, a frequência respiratória deve ser adaptada à ΔP e à potência mecânica como um todo. O uso da FR deve estar entre oito e 16 respirações por minuto, sendo individualizada caso a caso.

6 – Tomar cuidado com o mechanical power

O mechanical power (MP) é o produto da energia mecânica e da frequência respiratória aplicada aos pulmões. De maneira simplificada, a MP tem forte relação com a VILI, uma vez que se relaciona a diversos parâmetros na VM.

A frequência respiratória deve ser controlada em certos limites, pois atinge o valor da MP e seu aumento excessivo. Há uma fórmula de beira-leito para maior controle disso, sendo indicada de maneira subjetiva com a clínica do paciente. Contudo, é importante ter cautela no uso da MP, principalmente naqueles em cuidados pós-PCR, já que não há evidências suficientes para um manejo mais padronizado.

Portanto, o uso do MP deve ser direcionado para menos de 17 J/min, levando em consideração os demais parâmetros relacionados, tal qual a frequência respiratória.

7 – A oxigenação deve ser direcionada para a normoxemia

A oxigenação é a chave dentre os mecanismos de lesão secundária em pacientes pós-PCR, já que essa síndrome pode desencadear diversos mecanismos prejudiciais: lesão de reperfusão, dano neuronal, estresse oxidativo, dentre outros. A hipoxemia e a hiperoxemia estão intrinsecamente relacionadas, visto que a primeira altera o mecanismo aeróbico cerebral e a segunda, por sua vez, aumenta as espécies reativas a oxigênio, levando a um dano oxidativo das células neuronais.

Diversos estudos visaram entender melhor a dinâmica da PaO2 no contexto de pós-parada cardíaca, mediante a tantos obstáculos a serem evitados. Entretanto, ensaios clínicos que justifiquem a padronização de um valor ainda são escassos, levando a um corte de PaO2 de 70 a 110 mmHg para a maioria dos pacientes.

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8 – O dióxido de carbono deve estar dentro dos limites normais

O dióxido de carbono é muito subestimado em pacientes pós-PCR. A mudança da PaCO2 atinge diretamente o controle do pH intracelular, influenciando a demanda de oxigênio e a energia metabólica celular. A hipocapnia é responsável pela vasoconstrição cerebral e pela ativação das respostas inflamatórias, enquanto a hipercapnia atua na vasodilatação e na diminuição do fluxo cerebral.

Alterações na PaCO2 podem afetar níveis de dióxido de carbono e pH, levando a diversos problemas que poderiam ser evitados no ajuste de parâmetros ventilatórios. Como não há nenhuma relação importante entre hiper e hipocapnia em pacientes de pós-PCR, não existe um valor exato a ser seguido, indicando-se PaCO2 entre 35 e 50 mmHg, preferivelmente.

9 – A temperatura pode influenciar na função ventilatória

A temperatura é um dos grandes influenciadores das trocas gasosas, visto que a solubilidade do PaCO2 aumenta em temperaturas mais baixas. Sendo assim, a análise de gases no sangue é sempre correlacionada à temperatura, pois, em situações contrárias, pode levar a valores incorretos na gasometria.

Pacientes que continuaram em coma pós-PCR devem ter monitorização contínua para prevenção de febre por 72 horas. As evidências ainda não são o bastante para recomendar a favor ou contra da temperatura em 32-36 °C ou até mesmo resfriamento precoce após a PCR.

10 – A hemodinâmica deve ser mantida estável

Por fim, a hemodinâmica é um elemento indispensável para a análise dos ajustes de parâmetros protetivos no ventilador. A ventilação com pressão positiva pode interferir na distribuição sanguínea pulmonar, piorando a função cardiovascular e as trocas gasosas. Em suma, essa relação existe de acordo com o débito cardíaco.

A monitorização da pressão arterial se torna indispensável devido a possíveis interações coração-pulmão prejudiciais, necessitando de medidas personalizadas no paciente com síndrome pós-parada cardíaca ou instabilidade hemodinâmica grave.

Conclusão

A ventilação mecânica protetiva vem se consolidando dentre os aspectos de melhorias em pacientes com SDRA e síndrome pós-parada cardíaca. Vale ressaltar a necessidade de uma visão geral dos parâmetros ventilatórios, já que nenhum possui um impacto apenas individual. Não obstante, o desfecho clínico dessas adaptações ventilatórias ainda não foi completamente explicado nesses pacientes em cuidados pós-PCR, merecendo mais estudos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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