Tempo de armazenamento muda resultados de concentrados de hemácias no CTI?

Um estudo sugeriu que a mortalidade intra-hospitalar é maior entre os pacientes que receberam concentrados de hemácias com mais de 14 dias.

Historicamente os médicos têm atribuído aos concentrados de hemácias armazenados por períodos mais prolongados os mais variados efeitos adversos quando transfundidos nos seus pacientes. O estudo ABLE (The Age of Blood Evaluation) foi um ensaio clínico liderado por Jacques Lacroix, um pesquisador canadense, publicado na Transfusion Medicine em 2011, que evidenciou não haver benefícios na transfusão de concentrados de hemácias estocados há menos de sete dias quando comparado ao protocolo padrão dos bancos de sangue, que tende a transfundir unidades que estejam próximas à data de vencimento (42 dias de armazenagem). O referido estudo abordou indivíduos criticamente enfermo em ambiente de terapia intensiva. Ainda assim muitos médicos continuam se questionando se esses resultados se aplicariam a pacientes cirúrgicos. Um estudo retrospectivo publicado em 2008 por Koch e colaboradores avaliando pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos cardiovasculares sugeriu que a mortalidade intra-hospitalar e em um ano foi maior entre os pacientes que receberam concentrados de hemácias com mais de 14 dias de armazenamento (20 dias, em média).  

Como pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos e gravemente enfermos podem se comportar de maneira diferente aos subgrupos anteriormente citados, o estudo que analisamos nesse tópico teve por objetivo avaliá-los sob a perspectiva de mortalidade geral em 90 dias (objetivo primário), mortalidade intra-hospitalar e mortalidade em 06 meses (objetivos secundários). 

bolsas de sangue para transfusão de hemácias

Métodos 

O presente estudo foi uma análise de subgrupo do banco de dados obtido a partir do ABLE clinical trial. Para a presente análise foram incluídos pacientes admitidos nas UTIs dos 64 centros participantes, submetidos a um procedimento cirúrgico maior de urgência ou eletivo, com exceção dos pacientes admitidos após cirurgia secundária a trauma.  

A análise por protocolo foi utilizada para avaliação do objetivo primário, incluindo apenas pacientes que receberam ao menos uma unidade de concentrado de hemácias, diferenciando-os quanto ao tempo de armazenamento dos concentrados (análise de sensibilidade).  

A análise por intenção de tratar foi realizada para os objetivos secundários previamente descritos.  

Foram alocados 172 pacientes para o grupo que receberia concentrados “frescos” (6,1 ± 4,7 dias de armazenamento) versus 148 pacientes para o grupo que atenderia às normas-padrão do banco de sangue da instituição (22,1 ± 8,3 dias de armazenamento). Os pacientes foram randomizados 2,3 dias após admissão na UTI. As admissões eletivas corresponderam, respectivamente a 20,4% e 21,6%. A hemoglobina pré-transfusional foi de 7,9 ± 1,6g/dL no grupo intervenção e 7,8 ±g/dL no grupo controle. Os pacientes atribuídos ao grupo controle tinham maior necessidade de terapia renal substitutiva e necessidade de drogas inotrópicas, sem, no entanto, representar uma diferença estatisticamente significativa entre os braços (8,7% versus 12,8% e 55,2% vs 69,6%, respectivamente). As demais características eram semelhantes.  

Os tipos de procedimentos não foram especificados. Porém, na discussão do artigo, é mencionado que houve uma ampla gama de cirurgias sem desbalanço a favor de algum tipo específico.  

Resultados 

A mortalidade em 90 dias foi de 29,7% e 28,4% para os grupos que receberam concentrados de hemácias “frescos” e com tempo de armazenagem padrão (diferença de risco absoluto: 0,01; IC 95% 0,09 a 0,11; p = 0,803). Não foi observada uma diferença estatística entre os resultados obtidos para os desfechos secundários.  

Conclusão 

É interessante dizer que os resultados envolvendo o tema são ainda conflitantes e não dispomos de uma meta-análise interessante que avalie os ensaios clínicos sobre o tema. Importante destacarmos também que a média de armazenamento do grupo padrão foi de 22 dias, e sabemos que os concentrados podem ser estocados até 42 dias após a coleta. Dessa forma, os concentrados muito antigos não foram avaliados. O número de pacientes em diálise foi pequeno na amostra, enquanto aproximadamente 98% dos pacientes estavam em ventilação mecânica e quase 64% necessitaram de drogas vasoativas e inotrópicos.

Hemograma: você sabe como interpretar corretamente?

Mensagem prática 

No entanto, não há evidência suficientes para que seja recomendada essa distinção transfusional nos pacientes cirúrgicos criticamente enfermos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lehr AR, Hébert P, Fergusson D, et al. Association Between Length of Storage of Transfused Packed RBC Units and Outcome of Surgical Critically Ill Adults: A Subgroup Analysis of the Age of Blood Evaluation Randomized Trial. Critical Care Medicine ():10.1097/CCM.0000000000005775, December 26, 2022. | DOI: 10.1097/CCM.0000000000005775 

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