Quando iniciar a mobilização de pacientes graves na ventilação mecânica?

A ventilação mecânica é um mecanismo comum em unidades de terapia intensiva. Conheça um artigo que propõe uma revisão sobre o tema.

Diante de um paciente grave, várias são as nuances clínicas que devemos abordar na fase aguda. Ressuscitação hemodinâmica, intubação, sedação, entre outros cenários. Até mesmo na coorte de pacientes menos graves, o imobilismo é um ponto a ser combatido, desde que a condição clínica permita.

A fraqueza muscular adquirida na UTI (também conhecida como ICU-AW, ICU-Acquired Weakness) é um problema comum encontrado em pacientes sobreviventes à doença grave, à medida que as estratégias terapêuticas e de suporte avançam. Esse componente físico faz parte de um espectro ainda maior: a Síndrome de Cuidados Pós-Intensivos.  

Leia também: Suporte ventilatório não-invasivo na UTI

Em 2008, Levine et al. descreveram importante atrofia diafragmática em 18h de ventilação mecânica plena em pacientes com morte encefálica e doadores de órgãos. Tal fato reflete a velocidade da disfunção neuromuscular no perfil de pacientes graves e ventilados mecanicamente. Combater esse problema não é simples. Disfunções neuromusculares e neurocognitivas são consideradas problemas comuns e com sérias implicações na era moderna das UTIs.  

Nesse contexto, foi publicada na Intensive Care Medicine por experts no assunto, incluindo o prof. John P. Kress, autor do célebre trial do despertar diário da sedação, o artigo Timing of early mobilization to optimize outcomes in mechanically ventilated ICU patients. O artigo trouxe uma excelente revisão sobre o tema, assim como as principais questões práticas relacionadas à mobilização precoce de pacientes na VM na UTI. 

“Tempo é músculo” 

A mobilização terá maior impacto em desfechos quanto mais precoce for empregada. Em 2009, Schweickert et al. conduziram trial randomizado que comparou duas estratégias: cuidado usual vs. fisioterapia motora e terapia ocupacional 1,5 dias após a intubação. Além disso, o protocolo do estudo esteve associado ao despertar diário da sedação.

A atenção à recuperação funcional de forma muito precoce dos pacientes na UTI dobrou as chances de independência funcional na alta do hospital. A intervenção também esteve associada à redução de delirium na UTI assim como houve aumento dos dias livres de ventilação mecânica.  

Nesse mesmo sentido, Dong, et al. evidenciou menor duração da ventilação mecânica e do tempo de internação na UTI em pacientes submetidos à reabilitação precoce (< 72 horas). Até o momento na literatura, estudos envolvendo mobilização precoce não demonstraram benefícios na qualidade de vida a longo prazo. 

O que fica muito claro é a forte associação entre mobilização precoce e melhores desfechos na UTI, destacando que o “timing” para início da mobilização é fundamental. A ideia de esperar alguns dias para iniciar a mobilização é falha e não levará a melhores desfechos. 

Razões pelas quais a mobilização precoce na UTI não ocorre de forma rotineira 

Barreiras

  • Ausência de fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais dedicados à UTI; 
  • Falta de conhecimento e engajamento por parte da equipe médica; 
  • Preocupações relacionadas à segurança da mobilização; 
  • Sedação excessiva.

Soluções e estratégias

  • Redução do tempo de internação; 
  • Educação continuada para a equipe em relação à eficácia da mobilização quando realizada de forma precoce; 
  • Garantir autonomia aos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais na UTI; 
  • Reuniões multiprofissionais para coordenação da terapia de forma precoce na UTI; 
  • Disseminação de dados bem estabelecidos sobre a segurança da mobilização precoce; 
  • Adoção de critérios de segurança para iniciar e continuar uma sessão de mobilização; 
  • Implementação de práticas bem estabelecidas de sedação para prevenção de delirium; 
  • Mobilização precoce não impacta no nível de consciência dos pacientes, no entanto a mobilização precoce é efetiva, independente do nível de consciência do paciente.

Como fazer?

Exemplo de protocolo de mobilização precoce para pacientes ventilados mecanicamente: 

  • Logo cedo pela manhã, pacientes são avaliados para despertar diário da sedação. No paciente não responsivo, exercícios de movimentação são realizados de forma passiva em todos os membros (dez repetições em todas as direções habituais); 
  • Assim que o paciente apresenta interação, as sessões passam a ser compostas por exercícios mistos (parte assistida e parte ativa pelo paciente); 
  • Caso bem tolerado, progride-se para atividades de mobilidade no leito, incluindo transferência para a posição sentada; 
  • Além disso, inicia-se de forma gradual a participação em atividades de vida diária, com o objetivo de aumentar a funcionalidade; 
  • Na sequência, conforme avanços, atividades relacionadas à transferência cama-cadeira e caminhadas; 
  • A progressão depende da estabilidade do paciente e da sua tolerância.

Quando interromper ou nem iniciar a sessão de mobilização?

Critérios de segurança para não iniciar ou interromper uma sessão de mobilização:

  • PAM ≤ 65 mmHg ou ≥ 110 mmHg ou PAS > 200 mmHg, FC < 40 ou > 130 bpm, FR < 5 ou > 40 ipm, SpO2 < 88%. 
  • Pressão intracraniana aumentada, sangramento gastrintestinal ativo ou isquemia miocárdica aguda; 
  • Durante procedimentos como hemodiálise intermitente (não incluindo hemodiálise contínua); 
  • Agitação psicomotora com necessidade de aumento de sedativos nos últimos 30 min; 
  • Via aérea não segura ou incerteza quanto à integridade do dispositivo de via aérea utilizado; 
  • Assincronias importantes;
  • Nova arritmia ou preocupação quanto à isquemia miocárdica.

Mensagens práticas

A deterioração muscular em pacientes graves na UTI se instala de forma precoce e rápida. Tempo é músculo! Além disso, de acordo com as principais evidências, a mobilização na UTI tem relação com melhores desfechos (redução de delirium, mais dias livres de VM, maior chance de independência funcional na alta hospitalar) quanto mais precoce for iniciada. Por fim, a relação com desfechos a longo prazo ainda precisa ser comprovada na literatura. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373(9678):1874-1882. doi:10.1016/S0140-6736(09)60658-9 
  • Schweickert WD, Patel BK, Kress JP. Timing of early mobilization to optimize outcomes in mechanically ventilated ICU patients. Intensive Care Med. 2022;48(10):1305-1307. doi:10.1007/s00134-022-06819-6 

Especialidades