Queimaduras na pediatria: quando começar terapia nutricional enteral?

As queimaduras são relevantes problemas de saúde pública. No Brasil, representam uma das causas predominantes de internação hospitalar. Confira no artigo!

As queimaduras são relevantes problemas de saúde pública. No Brasil, representam uma das causas predominantes de internação hospitalar e de morte não intencional. Sua ocorrência, principalmente na faixa etária pediátrica, pode ser esclarecida pela natureza curiosa da criança e por sua falta de habilidades nessa fase, em que os desenvolvimentos cognitivo e intelectual não acompanham o desenvolvimento motor.

As queimaduras constituem lesões dos tecidos orgânicos provocadas por trauma, cuja origem pode ser: térmica e exposição a chamas, frio extremo, substâncias químicas, radiações, atritos, fricção, líquidos e superfícies quentes. Independentemente da causa que originou a queimadura, existe uma destruição da barreira epitelial e da microbiota resistente da pele que perde seu efeito protetor.

enfermeiro alimentando criança que sofreu queimaduras por sonda enteral

Queimaduras em crianças

As queimaduras estimulam diversas modificações no organismo, havendo manifestações provenientes da lesão cutânea e das respostas aos sistemas afetados, em especial hemodinâmico, respiratório e metabólico. A resposta metabólica à queimadura é bastante heterogênea, com hipercatabolismo que gera balanço nitrogenado negativo, e uma perda considerável de massa musculoesquelética.

Dessa forma, as necessidades nutricionais nesses pacientes são altas, especialmente em crianças, devido ao crescimento e desenvolvimento corporal, aos elevados níveis de estresse oxidativo, à acentuada resposta inflamatória e ao hipercatabolismo prolongado.

Portanto, a nutrição enteral é a alternativa de escolha para se alcançar um suporte nutricional satisfatório nesses pacientes, porque preserva a integridade da mucosa do intestino, diminui a incidência de translocação bacteriana e minimiza o risco de infecções. A terapia nutricional tem sido preconizada de maneira precoce, devendo ser iniciada após o paciente atingir estabilidade hemodinâmica.

Com o objetivo de revisar as evidências científicas que reportem o período de início da nutrição enteral em crianças vítimas de queimaduras e seus achados, Valentini, Seganfredo e Fernandes (2019) conduziram uma revisão sistemática e metanálise de estudos clínicos randomizados comparando nutrição enteral precoce (NEP) e nutrição enteral tardia (NET) em pacientes pediátricos vítimas de queimaduras, com idades entre 1 mês a 18 anos.

O artigo “Terapia nutricional enteral pediátrica para vítimas de queimaduras: quando iniciar?” foi publicado na última edição da Revista Brasileira de Terapia Intensiva, da Associação Brasileira de Medicina Intensiva.

Metodologia

Dois revisores independentes extraíram os dados do estudo. Os autores acessaram as bases de dados MEDLINE/PubMed, Embase e Cochrane Library, com os termos “burns”, “fires”, “child nutrition disorders”, “nutritional support” e termos relacionados.

Resultados

Foram identificados 4.826 títulos referentes à estratégia de busca utilizada pelos autores. Após a exclusão, somente três artigos originais foram incluídos. Esses três estudos constituíram ensaios clínicos randomizados, realizados em apenas um centro, não cegos (um na América do Norte, outro na África e outro na Ásia). No total, os autores incluíram 781 pacientes:

  • 413 pacientes pertenciam ao grupo intervenção, caracterizado pela NEP nas primeiras 24 horas após a queimadura;
  • 368 pacientes pertenciam ao grupo controle, em que receberam NET após 48 horas da queimadura;
  • A idade dos pacientes variou de 30 dias a 18 anos;
  • Todos os pacientes incluídos foram internados em unidades de terapia intensiva (UTI) de queimados;
  • Todos os estudos mostraram como foi progredido o volume de dieta ao longo da internação. Um estudo não informou o volume inicial de dieta administrado;
  • O volume de fluidos usado nas etapas de reposição e de manutenção foi calculado separadamente, não sendo incluído nas necessidades nutricionais;
  • Para definição das necessidades nutricionais dos pacientes incluídos, um estudo usou protocolo institucional. Outro estudo usou a fórmula de Solomon e equação derivada de Galveston. O terceiro estudo seguiu a fórmula proposta por Seashore para estimar as necessidades energéticas da população estudada;
  • Somente um estudo informou o sexo dos participantes, havendo predomínio de meninos;
  • Os grupos NEP e NET foram bem parecidos com relação à média de idade e à superfície corporal queimada (SCQ);
  • As principais queimaduras foram ocasionadas por escaldamento e por chama;
  • A nutrição enteral foi administrada por meio de uma sonda nasoduodenal em um estudo e de sonda nasojejunal nos outros dois. Estes últimos usaram via oral complementar, assim que a nutrição enteral alcançasse uma meta estabelecida;
  • O primeiro estudo utilizou fórmula polimérica hiperproteica, hipolipídica, sem fibras, densidade calórica (DC) 1,0 kcal/mL (composição:60 – 65% carboidrato, 23% proteína, 12 – 15% de lipídios). O segundo estudo usou fórmula polimérica e suplementação de polímero de glicose e proteína hidrolisada no 3º dia no grupo NEP e no 5º dia no NET (composição: ± 55 – 58% carboidrato, ± 17 – 20% proteína, ± 22 – 28% de lipídios). Já o terceiro estudo usou fórmula polimérica e suplementação de polímero de glicose e proteína hidrolisada no 3º dia no grupo NEP e no 5º dia no NET (composição: ± 55 – 58% carboidrato, ± 17 – 20% proteína, ± 22 – 28% de lipídios)1;
  • Não houve diferença significativa na taxa de mortalidade entre os grupos NEP e NET (RC = 0,72; IC95% 0,46 – 1,15; p = 0,17)1;
  • Pacientes que receberam NEP tiveram o tempo de internação reduzido em 3,69 dias (diferença média = -3,69; IC95% -4,11 – -3,27; p < 0,00001);
  • Houve uma maior incidência de diarreia e de vômito, além de uma redução da permeabilidade intestinal no grupo NEP;
  • O grupo NEP também apresentou concentração maior de insulina sérica e relação insulina/glucagon, além de menor déficit calórico e perda ponderal em comparação com o grupo controle.

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Conclusões

Para Valentini, Seganfredo e Fernandes (2019), os estudos incluídos nessa revisão sistemática e metanálise não excluem a possibilidade de que um suporte nutricional precoce traz grandes vantagens para crianças vítimas de queimaduras.

Os autores observaram que as análises das diferentes variáveis intragrupos sugerem a relevância de se começar o suporte nutricional precocemente, o que afeta consideravelmente a recuperação das lesões, o tempo de hospitalização, além de auxiliar no desenvolvimento e no crescimento desses pacientes dentro dos padrões de normalidade.

Referência bibliográfica:

  • VALENTINI, M.; SEGANFREDO, F. B.; FERNANDES, S. A. Terapia nutricional enteral pediátrica para vítimas de queimaduras: quando iniciar? Rev Bras Ter Intensiva, v.31, n.3, p.393-402, 2019

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