Ressuscitação volêmica na pancreatite aguda

Neste artigo, conheça um ensaio clínico randomizado aberto que compara ressuscitação volêmica agressiva e morada na pancreatite aguda.

Pancreatite moderada a grave ocorre em até 35% dos pacientes e apresenta pior prognóstico. Em modelos animais, a hipoperfusão regional do pâncreas foi associada a ocorrência de necrose. Apesar das evidências serem controversas, a expansão volêmica agressiva precoce é amplamente recomendada no manejo da pancreatite aguda.

Recentemente, de-Madaria e colaboradores realizaram um ensaio clínico randomizado aberto, denominado de Waterfall, para comparar ressuscitação volêmica agressiva com moderada na pancreatite aguda.  

Leia também: CBMEDE 2022: Como definir prioridades para leitos de UTI no SUS? 

Novo guideline para ressuscitação volêmica no grande queimado

Novo guideline para ressuscitação volêmica no grande queimado

Métodos

Em 18 centros (Índia, Itália, México e Espanha), pacientes que apresentavam pancreatite aguda pela Classificação de Atlanta Revisados foram randomizados 1:1 para receber ressuscitação agressiva ou moderada com solução de ringer lactato. O estudo incluiu pacientes que compareceram ao pronto-socorro até 24 horas após o início da dor e que receberam o diagnóstico até oito horas antes da randomização. 

Foram critérios de exclusão: pancreatite moderada a grave ao diagnóstico; pacientes com insuficiência cardíaca NYHA II, III, IV; hipertensão arterial não controlada; hipernatremia; hiponatremia; hipercalemia; hipercalcemia; expectativa de vida menor que 1 ano; pancreatite crônica; insuficiência renal crônica e cirrose descompensada.   

 A ressuscitação volêmica agressiva consistiu em um bolus de 20 mL/Kg de peso corporal em duas horas, seguido de 3 mL/Kg/h. Já a reposição volêmica moderada consistiu em bolus de 10 mL/Kg em 2 horas em pacientes com hipovolemia ou sem bolus em pacientes com normovolemia, seguido de 1,5 mL/Kg/h em todos os pacientes deste grupo. Os pacientes foram avaliados em 12, 24, 48 e 72 horas, e a reposição volêmica foi ajustada de acordo com o estado clínico do paciente. Em ambos os grupos, a hidratação foi diminuída ou interrompida se houvesse suspeita de sobrecarga hídrica. A alimentação oral foi iniciada após 12 horas se a intensidade da dor abdominal fosse menos que cinco pela escala PAN-PROMISE. A ressuscitação volêmica era interrompida após 48 horas no grupo hidratação agressiva e após 20 horas no grupo hidratação moderada se o paciente fosse capaz de tolerar a alimentação oral por mais de 8 horas. Os pacientes e investigadores estavam cientes dos grupos de estudo designados. 

O desfecho primário foi o desenvolvimento de pancreatite moderada ou grave durante a internação segundo a Classificação de Atlanta Revisada. O principal desfecho de segurança foi a sobrecarga de fluidos. Os desfechos secundários pré-especificados incluíram falência de órgãos e complicações locais após a randomização e durante a hospitalização; duração da internação; admissão em unidade de terapia intensiva (UTI); o número de dias na UTI; o uso de suporte nutricional ou tratamento invasivo após a randomização e durante a internação; presença de SIRS; SIRS persistente (com duração > 48 horas nas primeiras 72 horas após a randomização); níveis de proteína C reativa no sangue em 48 horas e 72 horas; morte; desfecho combinado de morte, falência orgânica persistente (com duração > 48 horas) ou pancreatite necrosante infectada; e sintomas medidos com o uso da escala PAN-PROMISE na admissão e em cada avaliação. O tamanho calculado da amostra foi de 744, sendo uma análise parcial planejada para depois da inclusão de 248 pacientes. 

Resultados 

Um total de 249 pacientes foram incluídos na análise parcial. O estudo foi interrompido devido a diferenças significativas entre os grupos nos resultados de segurança sem uma diferença significativa na incidência de pancreatite moderada ou grave (22,1% no grupo de ressuscitação agressiva e 17,3% no grupo de ressuscitação moderada; risco relativo ajustado, 1,30; intervalo de confiança de IC95%, 0,78 a 2,18; P = 0,32). Sobrecarga de fluido foi observada em 20,5% dos pacientes que receberam ressuscitação agressiva e em 6,3% daqueles que receberam expansão moderada (risco relativo ajustado, 2,85; IC95%, 1,36 a 5,94, P = 0,004). O tempo mediano desde a randomização até a sobrecarga de volume foi de 34 horas (intervalo interquartílico, 22 a 46) no grupo de ressuscitação agressiva e 46 horas (intervalo interquartílico, 30 a 64) no grupo expansão moderada.  

A duração mediana da hospitalização foi de seis dias (intervalo interquartílico, 4 a 8) no grupo de ressuscitação agressiva e cinco dias (intervalo interquartílico, 3 a 7) no grupo de ressuscitação moderada. Pacientes incluídos no grupo ressuscitação agressiva receberam uma mediana de 7,8 (6,5 a 9,8) litros de ringer lactato, enquanto os indivíduos do grupo ressuscitação moderada receberam 5,5 (4,0 a 6,8) litros.

Falência orgânica persistente ocorreu em 6,6% dos pacientes no grupo de ressuscitação agressiva e em 1,6% no grupo de ressuscitação moderada (risco relativo ajustado, 2,69; IC95%, 0,56 a 12,88); insuficiência respiratória em 7,4% e 2,4%, respectivamente (risco relativo ajustado, 2,19; IC95%, 0,63 a 7,64); e pancreatite necrosante em 13,9% e 7,1%, respectivamente (risco relativo ajustado, 1,95; IC95%, 0,87 a 4,38). Um total de 6,6% dos pacientes do grupo de ressuscitação agressiva e 1,6% dos do grupo de ressuscitação moderada foram admitidos na UTI (risco relativo ajustado, 2,71; IC95%, 0,64 a 11,51).

Mensagens práticas

A ressuscitação volêmica agressiva em pacientes com pancreatite aguda levou a um risco maior de sobrecarga de volume e não mostrou o benefício hipotético em desfechos clínicos. Esses achados contradizem as diretrizes atuais de manejo da pancreatite aguda, as quais recomendam ressuscitação agressiva precoce e devem ser revistas.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • de-Madaria E, Buxbaum JL, Maisonneuve P, García García de Paredes A, Zapater P, Guilabert L, Vaillo-Rocamora A, Rodríguez-Gandía MÁ, Donate-Ortega J, Lozada-Hernández EE, Collazo Moreno AJR, Lira-Aguilar A, Llovet LP, Mehta R, Tandel R, Navarro P, Sánchez-Pardo AM, Sánchez-Marin C, Cobreros M, Fernández-Cabrera I, Casals-Seoane F, Casas Deza D, Lauret-Braña E, Martí-Marqués E, Camacho-Montaño LM, Ubieto V, Ganuza M, Bolado F; ERICA Consortium. Aggressive or Moderate Fluid Resuscitation in Acute Pancreatitis. N Engl J Med. 2022;387(11):989-1000. 

Especialidades