Revisão aborda o uso de diuréticos em pediatria

Artigo analisou as indicações, mecanismos de ação, efeitos colaterais e fatos farmacocinéticos básicos dos diuréticos em pediatria.

Os diuréticos são medicamentos frequentemente prescritos para adultos e crianças. Sua utilização acarreta aumento da excreção de água e de sódio, reduzindo a sobrecarga de fluidos. A retenção de sódio e água pode derivar diretamente de sobrecarga hídrica, como lesão renal aguda, doença renal crônica, síndrome nefrótica e estados de vazamento capilar, por exemplo. Ademais, pode decorrer indiretamente de um volume circulante arterial efetivo reduzido e perfusão renal diminuída, que desencadeiam um estado de hiperaldosteronismo, como insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência hepática e síndrome nefrótica.

Um recente artigo de revisão publicado no periódico European Journal of Pediatrics analisa as indicações, mecanismos de ação, efeitos colaterais e fatos farmacocinéticos básicos dos diuréticos em pediatria.  Além disso, aborda questões atuais, como o manejo da resistência aos diuréticos, a recente controvérsia sobre a hidroclorotiazida e as novas classes vaptans e glifozins. Abaixo, destacamos as indicações de uso dos diuréticos e outros pontos relevantes da publicação.

Revisão aborda o uso de diuréticos em pediatria

Classes de diuréticos

  1. Diuréticos osmóticos: atuam no túbulo proximal e alça de Henle, apresentando efeito osmótico. Exemplo: manitol ← raramente prescrito em pediatria, mais indicado no edema cerebral;
  2. Inibidores do Co transportador de sódio e glicose 2 (SGLT2) (glifozins): agem no túbulo proximal, segmento S1, inibindo o transportador SGLT2 de baixa afinidade e alta capacidade, com efeito natriurético e glicosúrico. Exemplos: dapagliflozina, empagliflozina, canagliflozina, ipraglifozina, ertugliflozina e sotaglifozina.  O uso em pediatria é recente, ainda sendo muito raramente aplicado (principalmente em diabetes mellitus tipo 2 e doença de armazenamento de glicogênio tipo Ib);
  3. Inibidores da anidrase carbônica: possuem ação no túbulo proximal, inibindo a anidrase carbônica (CA II). Exemplos: acetazolamida e topiramato. Raramente são prescritos em pediatria;
  4. Diuréticos de alça: agem no ramo ascendente espesso da alça de Henle e mácula densa, através do carreador Na–K-2Cl:NKCC1 e 2 (sítio Cl−). Exemplos: furosemida, bumetanida, tor(a)semide e ácido etacrínico. São frequentemente utilizados em pediatria;
  5. Diuréticos tiazídicos: seu sítio de ação é o túbulo contorcido distal, por meio do carreador de membrana Na+Cl:NCC (sítio Cl-). Exemplos: hidroclorotiazida, clorotiazida e metolazona. São frequentemente utilizados em pediatria;
  6. Diuréticos poupadores de potássio: possuem ação no néfron distal (túbulo coletor e ducto). Podem atuar como bloqueadores dos canais epiteliais de Na+ (por exemplo, amilorida e triamtereno) ou como antagonistas diuréticos da aldosterona no receptor de mineralocorticoide (por exemplo, espironolactona, eplerenona, finerenone e canrenone). São frequentemente utilizados em pacientes pediátricos, muitas vezes em associação com diuréticos tiazídicos ou de alça;
  7. Aquaréticos ou vaptans: atuam no duto coletor como antagonistas dos receptores de vasopressina (diurese hídrica seletiva). Exemplo: tolvaptano e conivaptan, Aumentam a excreção de água, bloqueando o receptor de vasopressina nas células tubulares, levando à diluição da urina produzida. Seu uso pode ser interessante na resistência diurética e, principalmente, diante da sobrecarga de volume concomitante à hiponatremia, como às vezes é encontrado na insuficiência cardíaca e em alguns casos de síndrome nefrótica. Também são propostos em alguns tipos de hiponatremia (como a síndrome inapropriada do hormônio antidiurético). Finalmente, o tolvaptano retarda a progressão da doença em pacientes adultos com doença renal policística autossômica dominante e há esperança de ver resultados semelhantes em crianças. Raramente são usados em pediatria;
  8. Aminofilina/teofilina: agem na mácula densa e nos vasos renais. Na mácula densa, promovem bloqueio do receptor de adenosina (em dose baixa). Já nos vasos renais, agem inibindo a fosfodiesterase tipo IV (em dose alta). Exemplo: Aminofilina (o sal de etilenodiamina de teofilina). Muito raramente são usados em pediatria.

Leia também: Comunicação de más notícias: como fazer na pediatria?

Mecanismos de resistência a diuréticos

Um novo estado de equilíbrio é rapidamente alcançado após a administração crônica de diuréticos. Esse estado é caracterizado por uma combinação de sódio distal aumentado e liberação de solutos, hipertrofia do néfron distal, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático. Nesse novo estado, a entrada e a saída de sódio são iguais, mas o ponto de ajuste é reduzido (em um volume de líquido extracelular menor) em comparação com a linha de base. Este novo equilíbrio caracteriza a eficácia de um tratamento diurético crônico, mas também representa a base para o desenvolvimento de resistência diurética. O tratamento da resistência diurética é complicado. Diuréticos em altas doses e infusões contínuas de diuréticos têm sido tradicionalmente usados. Reconhecendo que até ¾ da resistência diurética pode ser devido à ativação do transporte de NaCl no néfron distal, uma abordagem tentadora é bloquear a reabsorção de NaCl no néfron distal (por exemplo, com tiazidas), a abordagem do “bloqueio sequencial do néfron”. Curiosamente, também drogas de ação proximal, como o inibidor da anidrase carbônica acetazolamida (que atua no túbulo proximal inibindo a pendrina, um trocador de cloreto-bicarbonato) e os novos inibidores de SGLT2 têm sido usados com algum sucesso.

Indicações

  1. Lesão renal aguda
    • Objetivo do uso de diuréticos: Tratamento de oligúria, “salvamento renal” através do estímulo de diurese (pode parecer surpreendente que, diante de um rim em sofrimento agudo, uma diurese forçada acabe protegendo o rim, evitando as complicações da sobrecarga de fluidos).
    • Tratamento: Na lesão renal aguda, a retenção de líquidos por oligúria ou anúria pode se beneficiar da terapia diurética. Devido à sua eficácia e rapidez de efeito, os diuréticos de alça são geralmente a primeira escolha. Eles podem ser combinados com tiazídicos para uma natriurese mais forte através do bloqueio da reabsorção de sódio distal. 
  1. Doença renal crônica (DRC)
    • Objetivo do uso de diuréticos: a DRC reflete um declínio constante e muitas vezes progressivo da função renal. As complicações urêmicas geralmente ocorrem quando a taxa de filtração glomerular (TFG) é < 30 mL/min/1,73 m. Esta condição leva progressivamente a uma diminuição da capacidade de aumentar a produção de urina e, com alguma função renal residual, os diuréticos podem ser úteis.
    • Tratamento: os diuréticos de alça são a primeira escolha e podem ser combinados com tiazídicos para inibir a reabsorção compensatória de sódio distal. 
  1. Insuficiência cardíaca crônica
    • Objetivo do uso de diuréticos: diminuir a sobrecarga de volume e promover balanço negativo de NaCl e H2O.
    • Tratamento: (hidro)clorotiazida ou furosemida + Espironolactona ou Eplerenona. Considerar tolvaptano para casos resistentes. 
  1. Hipertensão pulmonar
    • Objetivo do uso de diuréticos: tratamento de sobrecarga hídrica.
    • Tratamento: diuréticos de alça ou tiazídicos + espironolactona. 
  1. Hipertensão arterial sistêmica (HAS)
    • Objetivo do uso de diuréticos: diminuir a pressão sanguínea arterial aumentando a perda de sódio e de fluidos.
    • Tratamento: os diuréticos não são drogas de primeira linha na HAS. No entanto, podem auxiliar na diminuição do volume do líquido extracelular e provavelmente são subutilizados. Os tiazídicos (menos propensos a mecanismos compensatórios distais) são a melhor classe de diuréticos neste contexto, e são a única classe de diuréticos que demonstrou consistentemente reduzir eficazmente a hipertensão arterial. Curiosamente, o efeito anti-hipertensivo dos diuréticos tiazídicos ocorre lentamente, com a maior parte da resposta aparecendo em 4 a 6 semanas. A adição de espironolactona (tanto como adição distal quanto como molécula poupadora de potássio) é frequentemente usada quando há hipocalemia. 
  1. Síndrome nefrótica
    • Objetivo do uso de diuréticos: tratamento do edema.
    • Tratamento: diuréticos de alça + espironolactona. Tiazidas se houver edema resistente. 
  1. Hipercalemia
    • Objetivo do uso de diuréticos: tratamento do edema.
    • Tratamento: diuréticos de alça. 
  1. Diabetes insipidus
    • Objetivo do uso de diuréticos: a perda (distal) de sódio estimula a reabsorção proximal de água (efeito antidiurético paradoxal).
    • Tratamento: diuréticos tiazídicos.
  1. Ascite
    • Objetivo do uso de diuréticos: excreção de líquido acumulado.
    • Tratamento: tiazidas ou diuréticos de alça + Espironolactona (base da terapia). 
  1. Edema cerebral pós-traumático
    • Objetivo do uso de diuréticos: diminuir o líquido intracraniano, prevenir o sangramento.
    • Tratamento: diuréticos osmóticos. 
  1. Hipertensão intracraniana idiopática (Pseudotumor cerebral)
    • Objetivo do uso de diuréticos: reduz a hipertensão intracraniana diminuindo o líquido intracerebral.
    • Tratamento: inibidores da anidrase carbônica.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lava SAG, Zollinger C, Chehade H, Schaffner D, Sekarski N, Di Bernardo S. Diuretics in pediatrics [published online ahead of print, 2023 Jan 3]. Eur J Pediatr. 2023;10.1007/s00431-022-04768-2. DOI: 10.1007/s00431-022-04768-2

Especialidades