Risco de câncer de pâncreas aumenta em pacientes com diabetes tipo 2?

Um estudo investigou a associação do câncer de pâncreas e a diabetes mellitus de acordo com o tempo de duração da diabetes.

A incidência de diabetes tipo 2 vem aumentando mundialmente e, com isso, também suas consequências. É sabido que devido aos mecanismos fisiopatológicos, existe um aumento do risco cardiovascular, mas as consequências não param por aí. Também é conhecido que o diabetes está associado a um aumento do risco de alguns tipos de câncer. O câncer de pâncreas é um deles: essa relação é conhecida já há um bom tempo. 

No entanto, a associação do diabetes com o risco de câncer de pâncreas esbarra em controvérsias, já que o próprio câncer quando em estágios mais avançados pode determinar a destruição das células beta pancreáticas e causar hiperglicemia. Também não é esclarecido se existe uma relação temporal entre as duas condições. Isso motivou pesquisadores da China a investigar a associação das doenças de acordo com o tempo de duração do diabetes, algo inédito de acordo com os autores. O estudo foi publicado no The Lancet Regional Health (Western Pacific). 

Encontrei uma lesão no pâncreas, e agora?

Illustration of male pancreas anatomy

Métodos 

O estudo foi uma coorte prospectiva que incluiu 428.362 pacientes com diabetes em Shanghai (dados obtidos do CDC local). Nessa ampla base de dados, todos chineses diagnosticados com diabetes são incluídos e há disponibilidade de informações como idade ao diagnóstico e glicemia de jejum ao diagnóstico.  

Como limitação já vale destacar que não havia dados disponíveis a respeito de etilismo, hemoglobina glicada ao diagnóstico e durante o seguimento (refletindo o nível de controle do diabetes) ou uso de medicações para tratamento do diabetes. Os participantes foram estratificados em 4 grupos etários: 20 a 54 anos, 55 a 64, 65 a 74 e ≥ 75 anos e, ainda, de acordo com o nível de glicemia de jejum ao diagnóstico (< 108 mg/dL, 108 – 144 mg/dL, 144 – 179 e acima de 180 mg/dL). 

Para avaliação causal dos resultados, os autores ainda realizaram uma avaliação por meio de randomização mendeliana (RA). O objetivo desse método é “peneirar” os pacientes de uma grande coorte para selecionar aqueles de maior risco e assim tentar estabelecer uma relação causal, por meios estatísticos. Basicamente, tal método compara a presença de SNPs (Single Nucleotide Polymorphism) em bases de dados de pacientes da população de risco (Ex: no caso, diabetes) com os casos positivos (Ex: nesse caso, banco de dados de SNPs de pacientes com câncer de pâncreas).  

Os dados vieram do Asian Genetic Epidemiology Network, que realizou um sequenciamento GWAS (large genome-wide association study) em pacientes com DM2 na população chinesa e o GWAS do câncer de pâncreas utilizado foi do biobanco japonês. Como controle, foram utilizados SNPs de indivíduos com glicemia de jejum normal. Os SNPs coincidentes e associados foram utilizados na RM final. Pelos diferentes métodos utilizados, o Odds Ratio estimado de câncer de pâncreas em pacientes com DM2 variou de 1,23 a 1,74. 

Resultados 

De janeiro de 2011 ao final de 2018, durante os 8 anos determinados de follow up (que resultou em um follow up médio de 4,5 +/- 2,2 anos), foram identificados 1056 casos de câncer de pâncreas. A incidência em pacientes com diabetes foi de 55,28 casos/100.000 pessoas/ano, maior que na população geral, com uma razão de 1,54 (1,45 – 1,64; IC 95%) com base nos dados da população local. 

Comparados aos pacientes sem diagnóstico de câncer, os que desenvolveram a doença eram mais velhos (69,71 +/- 9,93 vs 63,8 +/- 11,09; P < 0,0001), tinham menor IMC (23,8 vs 24,43 kg/m²) e maior glicemia de jejum ao diagnóstico (aprox 138 mg/dL vs 130 mg/dL). 

Considerações 

O risco absoluto, como esperado, foi maior na faixa etária de maiores de 75 anos. No entanto, o principal dado trazido pelo estudo é que o risco relativo foi maior em pacientes diagnosticados com diabetes entre 20 e 54 anos e com maior tempo de duração de diabetes, atingindo um risco relativo de 5,73 (4,49 – 7,22; IC 95%) nesse grupo, comparado a um RR de 1,24 (1,12 – 1,37; IC 95%) naqueles diagnosticados acima de 75 anos. Vale ressaltar que, apesar da relação temporal, o risco de câncer foi elevado em todos os anos avaliados, ou seja, basta desenvolver diabetes que o risco aumenta. 

Ainda, apesar de não haver dados sobre a hemoglobina glicada, o nível da glicemia de jejum ao diagnóstico também teve correlação direta com o risco de câncer de pâncreas. 

Quando analisados em conjunto, o grupo de maior risco foi o de pacientes acima de 75 anos diagnosticados com glicemias de jejum acima de 180 mg/dL, onde o hazard ratio foi de 2,35 comparado ao grupo com glicemias de jejum menores de 108 mg/dL (que devem ter sido diagnosticados por outro método, provavelmente).

Leia também: Insulinoterapia na diabetes mellitus tipo 2

Mensagem prática

Além de todas as consequências conhecidas do diabetes, existe também um risco aumentado de câncer de pâncreas, sobretudo em pacientes com diagnóstico mais cedo na vida. Apesar das limitações do estudo e deste ter sido realizado em uma população diferente da ocidental, é mais um dado que reforça a importância da mudança no estilo de vida atual, uma vez que o diabetes tem surgido cada vez mais cedo em nossa população. Vale ressaltar ainda que este estudo foi uma coorte e não foi estabelecido se o controle adequado do diabetes pode reduzir os riscos. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Baiyong Shen, et al. Association between age at diabetes onset or diabetes duration and subsequent risk of pancreatic cancer: Results from a longitudinal cohort and mendelian randomization study. The Lancet. Published: September 16, 2022. doi: https://doi.org/10.1016/j.lanwpc.2022.100596

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