Sobre o modo de aprender Semiologia

O raciocínio clínico é do que o terceiro ato do intelecto e só pode ser desenvolvido através da Semiologia.

“Estou decepcionado!” muitas vezes é a expressão utilizada – ou sensação percebida – por bons alunos após as primeiras entrevistas clínicas e exames físicos. Essa sensação gera angústia – cisão entre o que estava sendo esperado para as primeiras aulas práticas e a realidade que se impõe após longas anamneses – e muitas vezes dá início a um complexo de inferioridade ou, no extremo oposto, a uma teatralidade adquirida por alguns, um pouco mais vaidosos, que não se incomodam em passar a impressão de que entenderam algo que não entenderam. 

Decepção, conceitualmente, é o sentimento de frustração pela ocorrência de fato inesperado levando a um desapontamento. E, de verdade, eu vejo este desapontamento há mais de 15 anos, nos olhos dos alunos. 

 A pergunta que brota então é: “tem outro jeito?”

 Não! E a justificativa está na própria natureza da inteligência humana e na forma que aprendemos.  

 A inteligência humana passa por três atos separados porém conectados: a simples apreensão, o juízo e o raciocínio. 

Confira também: Quiz: Semiologia dermatológica: você conhece este sinal?

A simples apreensão é um movimento de concepção de uma ideia, por exemplo, do metabolismo de bilirrubina.  Neste ato, nada se afirma e nada se nega. Apenas é explicada detalhadamente as reações bioquímicas que envolvem o processo. A inteligência passa a conhecer a essência destas reações, descobertas e descritas por outra pessoa, e quando esta coisa é expressa verbalmente, passa a ser chamada de termo. 

 “O termo correto é icterícia!” é a frase corretiva utilizada pelo professor quando precisa definir como se nomeia a coloração amarelada da pele e mucosas por conta de uma alteração patológica do tal metabolismo da bilirrubina. Este termo não se refere a nenhum paciente concreto, a nenhuma pessoa, mas sim a um conjunto de possibilidades futuras para aquele jovem estudante, um dia, identificar em sua prática médica ou a um módulo de matéria a ser estudada e cobrada na prova. 

E aí, quando você entra nos ambientes de saúde, automaticamente é pressionado pelo segundo ato. O segundo ato do intelecto é o juízo, momento onde realmente há afirmação ou negação. “A Dona Maria do leito 5 está ictérica! Ou não?”. Neste ato, pela primeira vez, o aluno entra em contato visual, tátil ou ascultatório, com um sinal real. E ele começa a perceber que acertar o que é icterícia na prova do quarto período é bem diferente de identificar um paciente ictérico no quinto.  

Bom, se você concorda comigo até aqui, por que então é inesperado que, apenas após alguns anos de sala de aula aprendendo conceitos projetados em slides, não seja capaz de colocar em prática de imediato tudo que foi estudado? 

Chegamos aí a diagnóstico: Uma situação que deveria ser esperada, para você é inesperada. E esta surpresa guia todas as sensações despertadas a partir daí. 

Você precisa perceber que não se trata de uma falha sua e sim, de acordo com a compreensão dos atos da inteligência humana, um progresso normal. 

E a boa notícia é que há tratamento! O tratamento para a sensação de decepção é entender o processo, como descrito acima, e para o avanço nos atos da inteligência, é a própria Semiologia Médica, através de seus três grandes pilares. 

  1.  Buscar um mestre. Subindo nos ombros de um gigante, você pode então ter a ajuda necessária para confirmar – ou não – se a sua impressão ali, de frente para o paciente, é correta ou incorreta. 
  2. Paciência. Segundo Gilberto de Tournai, autor do livro Sobre o Modo de Aprender, a paciência é uma característica indispensável do discípulo. Aprender leva tempo.  
  3. Atender gente. Apenas atendendo gente que você vai observar, com seus próprios olhos, uma diversidade suficiente de padrões de apresentação de doenças para então formar juízo sobre os conceitos estudados. 

E ao longo dos anos, durante o estudo teórico e prático da Semiologia Médica, é que você vai chegar ao terceiro ato: o raciocínio. 

O raciocínio é a última ação da inteligência humana. É a operação mental onde duas ou mais relações conhecidas, levam a uma outra relação que delas decorre logicamente. É a passagem entre verdades conhecidas até uma verdade ignorada. Por exemplo, esse paciente ictérico com uma massa em hipocôndrio direito – ambos os sinais afirmados lá na enfermaria – levam ao diagnóstico de uma neoplasia. O raciocínio clínico nada mais é do que o terceiro ato do intelecto e só pode ser desenvolvido através da Semio. 

 É por isso que a Semiologia é a disciplina mais importante da Medicina. 

*Esse conteúdo é produzido pelo Bruno Farnetano em parceria com o Portal PEBMED. Você pode conhecer outros conteúdos do Bruno no Youtube, Podcast ou Instagram.*

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