Muito já se discutiu sobre terapias a serem utilizadas na Covid-19. As evidências se acumulam e várias terapias amplamente divulgadas mostraram-se ineficazes no tratamento dessa condição. Além disso, sabe-se que no contexto da fisiopatologia da doença, estados inflamatórios são frequentes nas formas mais graves. Essa fase aguda se assemelha à Síndrome de Liberação de Citocinas, sendo marcada por aumento dos níveis de Proteína C Reativa (PCR), ferritina e da interleucina-6 (IL-6). Níveis mais elevados da interleucina-6 estão associados à maior carga viral, replicação viral, progressão para ventilação mecânica e mortalidade. Esses achados sugerem que o bloqueio da ação da IL-6 favoreceria a interrupção dessa cadeia inflamatória. O Tocilizumabe, anticorpo monoclonal bastante utilizado pela reumatologia e antagonista IL-6, tem sido alvo de discussões e estudos que visam comprovar sua eficácia na Covid-19.
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O estudo Efficacy of Tocilizumab in Patients Hospitalized with Covid-19
Publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), em outubro, o trial em questão tratou-se de ensaio clínico randomizado, duplo-cego e placebo-controlado realizado em sete hospitais americanos da cidade de Boston. A pergunta central do estudo foi: Tocilizumabe utilizado nas formas graves de Covid-19 e de forma precoce reduz mortalidade ou progressão para ventilação mecânica?
Foram incluídos 243 pacientes durante o período de 20 de abril a 15 de junho, conforme cálculo amostral previamente realizado pelos autores. Os critérios de inclusão envolveram: idade entre 19 e 85 anos; infecção pelo SARS-CoV-2 confirmada por RT-PCR (swab nasofaríngeo) ou dosagem sérica de IgM; presença de dois dos seguintes sinais: febre (temperatura > 38 °C) dentro de 72 horas pós-inclusão, infiltrados pulmonares ou necessidade de suplementação de oxigênio para manter SpO2 > 92%; presença de um dos seguintes achados laboratoriais: PCR > 50 mg/L, ferritina > 500 ng/mL, D-dímero > 1000 ng/mL ou Desidrogenase Láctica > 250 U/L. Foram excluídos os pacientes em uso de O2 suplementar acima de 10 L/min, com uso recente de agentes imunossupressores nos quais o investigador julgasse que pudesse aumentar o risco de infecção e presença de diverticulite.
A randomização foi feita na proporção de 2:1 para os grupos Tocilizumabe (que recebeu 8 mg/kg, com dose máxima de 800 mg, em geral em até 3h da obtenção do termo de consentimento) e placebo. Os desfechos foram analisados até o dia 28 pós-randomização. O desfecho primário foi intubação (ou morte, para aqueles que evoluíram a óbito antes da intubação) após administração do placebo ou do Tocilizumabe. Os desfechos secundários envolveram piora clínica (que seguiu escala específica para piora clínica) e desmame completo do O2 suplementar (aplicado àqueles que já utilizavam O2 suplementar desde a baseline).
Os achados no dia 28 pós-randomização foram: grupo Tocilizumabe (total de 161 pacientes) — 11 pacientes intubados e 6 pacientes que evoluíram à óbito antes de serem intubados, totalizando 11,2%; grupo Placebo (81 pacientes) — 8 pacientes intubados e 2 óbitos antes da intubação, totalizando 12,5%. Quanto ao desfecho primário, a razão de risco foi de 0,83 no grupo Tocilizumabe (IC 95%, 0,38 a 1,81; P = 0,64) e quanto ao desfecho secundário, a razão de risco para piora clínica do grupo Tocilizumabe quando comparado ao placebo foi de 1,11 (IC 95%, 0,59 a 2,1; P = 0,73).
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Sendo assim, é possível perceber que a diferença relacionada aos desfechos não foi estatisticamente significativa.
Outros achados: os pacientes do grupo Tocilizumabe apresentaram maior taxa de neutropenia que o grupo placebo, no entanto não houve maior incidência de infecções graves no grupo Tocilizumabe. O estudo também confirmou que quanto mais avançada a idade do paciente, pior o desfecho na Covid-19 e quanto maiores os níveis de IL-6 a partir da baseline, maior a probabilidade de desfecho ruim.
Mensagens Práticas
O estudo atual teve rigor metodológico adequado, sendo estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e placebo-controlado para confirmar a eficácia do uso de Tocilizumabe em pacientes hospitalizados com Covid-19. Interessante ressaltar o perfil de pacientes incluídos, com o uso do anticorpo monoclonal de forma precoce, antes da progressão para a ventilação mecânica. Diante dos achados, foi possível evidenciar que o uso de Tocilizumabe mesmo de forma “precoce” (antes da progressão para VM), não se mostrou eficaz em pacientes hospitalizados com Covid-19. Dessa forma, não utilizarei na minha prática atual Tocilizumabe para pacientes graves com Covid-19. Dexametasona, diante da evidência do RECOVERY, e o melhor suporte de oxigenioterapia possível, ventilação mecânica adequada, além do uso racional de antimicrobianos, são peças fundamentais no manejo desses pacientes graves.
Referências bibliográficas:
- Stone et al. Efficacy of Tocilizumab in Patients Hospitalized with Covid-19. N Engl J Med. 2020 Dec 10;383(24):2333-2344. Epub 2020 Oct 21. doi: 10.1056/NEJMoa2028836.
Gostaria de uma orientação sobre o uso de azitromicina, dexametasona e xarelto no tratamento da COVID-19. Uso combinado.
Muito obrigado.