Toxina botulínica no tratamento do fenômeno de Raynaud relacionado à esclerose sistêmica é eficaz?

Um estudo avaliou o uso de toxina botulínica em pacientes com FRy secundário à ES. Veja mais aqui no Portal PEBMED.

O fenômeno de Raynaud (FRy) é uma manifestação muito frequente na esclerose sistêmica (ES), acometendo cerca de 95% dos pacientes. Os ataques de FRy podem ser bastante incômodos, piorando a qualidade de vida dos pacientes, além de predispor ao surgimento de úlceras digitais, com potencial risco de amputação. De fato, estudos recentes demonstraram que a dor e a perda funcional provocada pelo FRy foram as manifestações que tiveram maior impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes com ES. 

Diferentes tratamentos foram propostos para melhorar a gravidade e reduzir a recorrência do FRy, como os bloqueadores dos canais de cálcio e prostanoides intravenosos, no entanto, com resultados parciais. Já para os inibidores da fosfodiesterase-5 (PDE5) e a fluoxetina, apesar de prescritos com alguma frequência na prática clínica, faltam dados conclusivos de boa qualidade metodológica quanto à sua eficácia. 

Estudos em modelos animais sugerem que a toxina botulínica apresenta um efeito vasodilatador, devido ao efeito simpaticolítico em vasos sanguíneos locais. Por esse motivo, estudos retrospectivos e não controlados com o uso de toxina botulínica em pacientes com FRy secundário à ES foram realizados e sugeriram um potencial benefício terapêutico da medicação no tratamento dessa manifestação. 

Com o objetivo de avaliar a eficácia dessa estratégia, Senet et al. conduziram um estudo multicêntrico duplo cego, randomizado, controlado por placebo, de grupos paralelos. 

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Métodos

Trata-se de um ensaio clínico randomizado de fase III cujo objetivo principal foi comparar a eficácia de uma injeção de 50 unidades de toxina botulínica (vs. injeção de placebo, proporção de 1:1) nos feixes neurovasculares das regiões palmares de ambas as mãos de pacientes com esclerose sistêmica. O desfecho primário foi analisado através de variação na mediana do número de ataques de FRy do baseline em comparação com a semana 4 após o procedimento. O estudo foi conduzido no inverno e o tempo de seguimento total foi de 24 semanas, com análises secundárias nas semanas 12 e 24. 

Foram incluídos pacientes com ES (classificados pelos critérios do ACR/EULAR de 2013 ou de Leroy-Metzger) e que apresentavam  5 ou mais ataques de FRy por semana, apesar do uso de bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da PDE5 ou inibidores da endotelina em doses estáveis (pelo menos 1 mês na mesma dose). 

Os pacientes deveriam manter diários a respeito das crises de FRy, com descrição detalhada (incluindo dor relacionada ao FRy e Raynaud’s Condition Score). Além disso, as análises foram estratificadas pelo centro e presença ou não de úlceras digitais, para que diferenças regionais de temperatura pudessem ser controladas. 

Resultados

Foram incluídos 90 pacientes (46 no grupo toxina botulínica e 44 no grupo placebo). A maioria era do sexo feminino (80%), com idade média de aproximadamente 54 anos. O fenótipo clínico mais encontrado foi o cutâneo limitado, com 72,2% dos casos; os anticorpos mais presentes foram anticentrômero (54,4%) e antitopoisomerase I (23,3%). As médias de duração de FRy e sintomas não FRy foram, respectivamente, 13,3 anos. A mediana de ataques de FRy no baseline foi de quatro por dia. 

Após quatro semanas da intervenção, a redução na mediana do número de ataques de FRy foi semelhante entre os grupos: -1 (-1,5;0) no grupo da toxina botulínica vs. -1 (-2,5;0) no grupo placebo, p=0,77. Dentre os desfechos secundários analisados, não houve diferença significativa na qualidade de vida, função da mão e Raynaud’s Condition Score, nas semanas 4, 12 e 24.

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Comentário 

Este trabalho, com uma boa qualidade metodológica para avaliar os efeitos da toxina botulínica no FRy relacionado à ES, não demonstrou benefícios da intervenção; numericamente, houve, inclusive, uma maior redução na mediana de eventos no grupo placebo (com injeção de SF0,9%). 

Obviamente, não se trata de um estudo definitivo, e novas evidências científicas podem contribuir com o entendimento da questão, visto que a chance de erro do tipo 2 não pode ser excluída. Apesar disso, os autores comentam que o incremento da dose de toxina botulínica utilizada não parece ser razoável, uma vez que trazem consigo um maior risco de atrofia de musculatura intrínseca da mão. 

Por fim, os autores concluem que os seus dados não suportam a indicação da toxina botulínica no tratamento do FRy associado à ES.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Senet P, Maillard H, Diot E, et al. Efficacy and Safety of Botulinum Toxin in Adults with Raynaud's Phenomenon Secondary to Systemic Sclerosis: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Multicenter Study. Arthritis Rheumatol. 2022. doi: 10.1002/art.42342. 

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