Trajetória dos idosos nos CTIs: como cuidar desses pacientes?

A admissão de idosos acima dos 80 anos em centros de terapia intensiva (CTIs) tem se tornado cada vez mais frequente.

O envelhecimento populacional tem gerado uma demanda crescente por admissões em centros de terapia intensiva (CTIs), especialmente nas últimas duas décadas. A pressão imposta sobre os sistemas de saúde pelo boom geriátrico, acentuada durante a pandemia da covid-19, trouxe à tona preconceitos utilitaristas, relacionados ao etarismo.

Contudo, os critérios para a admissão em CTI devem primar pelo equilíbrio entre as demandas individuais e da coletividade, sem deixar de lado a jornada do indivíduo.   

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A idade cronológica, embora não possa ser interpretada de forma isolada, se associa a desfechos críticos desfavoráveis, com uma dicotomia evidente a partir dos 80 anos: 

Idade  Abaixo dos 80 anos  Acima dos 80 anos 
Mortalidade em 3 anos  35%  61% 
Fragilidade  16 a 20%  30 a 50% 

Tendo essa perspectiva em mente, lembramos que os objetivos do tratamento intensivo, mais do que simplesmente evitarem a morte, incluem a qualidade de vida e autonomia funcional após a alta hospitalar. Portanto, entende-se que o suporte intensivo pleno não é universalmente aplicável, quer seja o paciente idoso ou jovem, em contextos pertinentes, os esforços devem ser direcionados à dispensação de cuidados finais de vida de alta qualidade.   

idoso/idosos em CTI ao fundo e médico à frente com tablet na mão

Consultas de rotina  

As metas terapêuticas geriátricas, por sua vez, devem ser trabalhadas precocemente nas consultas de rotina, com o envolvimento ativo do paciente e seus familiares, em um processo de decisão compartilhada. Nos cenários pré-operatórios, os anestesiologistas e cirurgiões são convidados à integração, da mesma forma que, no momento do adoecimento agudo, os emergencistas e intensivistas ganham papel de destaque. Entretanto, é desejável que o médico assistente, na maioria das vezes, um geriatra, participe com dinamismo das várias etapas mencionadas, catalisando o melhor plano de ação.    

Relações entre profissionais e com familiares  

Nessa interação interprofissional, todavia, existem incongruências, sendo que a taxa de discordância prognóstica entre o médico assistente e a equipe do CTI ultrapassa os 50%, muitas vezes deflagrando discussões árduas e desgastantes para ambas partes. A despeito do viés afetivo esperado, a capacidade prognóstica do médico assistente supera a da equipe intensiva. Logo, o médico assistente deve ser bem recebido no ambiente do CTI, fomentando o diálogo, as relações respeitosas, harmônicas e construtivas, com o objetivo final de viabilizar o melhor plano terapêutico destinado ao idoso crítico.   

A comunicação entre as equipes de saúde, os pacientes e seus familiares, para que seja eficaz, exige trocas verdadeiras, atenuando as inevitáveis assimetrias. Deve-se enfatizar o suporte emocional e acolhimento, a elucidação dos valores e preferências do paciente e da família, a avaliação do grau de compreensão do processo de adoecimento, o fornecimento de explicações em linguagem acessível sobre a condição médica e o prognóstico e definição clara do papel do médico intensivista.     

Um a cada cinco familiares enlutados por idosos que experimentaram a terapia intensiva revela, em seis meses, arrependimento quanto às decisões tomadas referentes à proporcionalidade terapêutica. Os profissionais de saúde podem amenizar esse sofrimento, muitas vezes invisível. A decisão informada, respaldada em conhecimento médico-científico, deve ser individualizada sob a óptica dos valores, crenças culturais, religiosas e letramento em saúde dos assistidos. Os dados biográficos devem ser destacados, permitindo o conhecimento sobre quem é a pessoa enferma, permitindo o reconhecimento das estratégias de enfrentamento.  

Na prática, as perguntas-chave diante dos idosos candidatos à admissão em CTI podem ser assim sintetizadas:  

  1. Qual a chance do idoso criticamente enfermo responder bem ao suporte intensivo avançado, recebendo alta com um prognóstico funcional e qualidade de vida razoável? 
  2. Quais serão os limites da terapia?

Os questionamentos são complexos, mas decisões importantes devem ser tomadas a partir deles. Dessa forma, deve-se lapidar a capacidade preditiva.  

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Inventário destinado ao idoso candidato à vaga em CTI:  

  • Qual é a condição médica aguda? 
  • A admissão em CTI é apropriada? 
  • Qual o prognóstico de sobrevida em curto e longo prazo? 
  • Qual é a condição clínica basal? 
  • Qual será o planejamento terapêutico? 
  • Em caso de sobrevivência, qual é a autonomia funcional e a qualidade de vida esperadas após a alta hospitalar?

Tendo-se como base um diagnóstico correto e a definição de um prognóstico provável, as opções terapêuticas serão analisadas e diferenciadas entre adequadas, fúteis ou inaceitáveis. Logo, as metas de cuidado podem deflagrar a introdução, manutenção ou suspensão de medidas suportivas, sempre norteadas pela necessidade de alívio dos sintomas e de viabilização do processo de morte natural.    

As informações-chave devem ser obtidas em tempo hábil, com o intuito de facilitar o fluxo e o processo de tomada de decisão. Devem ser contempladas as considerações do paciente frente à terapia intensiva, zelando-se pelo princípio da autonomia nos cenários em que ele é capaz de decidir por si mesmo. Lembramos que a taxa de concordância entre pacientes e familiares sob aspectos fundamentais do final de vida não ultrapassa os 75%.  

A condição de saúde basal, relativa aos 14 dias precedentes à internação, é um parâmetro fundamental a ser avaliado, e deve englobar a estimativa da reserva fisiológica com base nas comorbidades, o status da fragilidade (Clinical Frailty Scale) e sarcopenia. Deve-se elucidar a presença de declínio cognitivo e funcional pré-existente e revisar o histórico de internações recentes e o tempo de internação que precedeu a admissão em CTI.  

Imprecisões do prognóstico  

A predição de prognóstico entre os idosos, especialmente naqueles frágeis e com mais de 80 anos, é inacurada quando comparada aos pacientes jovens. Entretanto, a capacidade preditiva é otimizada após transcorridos alguns poucos dias em CTI. Trata-se do conceito de prova terapêutica plena, caracterizada por tratamento intensivo completo, mas por um tempo limitado (time-limited trials), enquanto se observa a evolução do quadro, que pode estar em piora, estagnado ou em melhora.   

Quando considerar medidas paliativas?  

A proposição mais aceita é de se fazer o balanço em dois dias de terapia intensiva entre os idosos sem fragilidade e em cinco dias entre os idosos frágeis. Na ausência de resposta aos cuidados intensivos, discute-se a  migração da ênfase dos cuidados para a paliação.  

A maioria das mortes em CTI é precedida pela decisão de limitar ou interromper medidas suportivas, em um processo desafiador pautado no adequado julgamento médico, ético e legal, valendo-se da sensibilidade cultural e da colaboração dos familiares, com alvo comum em desfechos dignos. Mais do que a própria morte, teme-se a incapacidade, a dependência, a institucionalização e o abandono.  

Os idosos que sobrevivem ao CTI têm sobrevida estimada em não mais do que 40% em 6 meses, e a mortalidade segue elevada nos anos subsequentes.

O dado nos leva a uma reflexão: vale a pena a permanência no CTI? Quando a internação em terapia intensiva é curta e o paciente goza de um ano sequencial proveitoso em termos de qualidade de vida, mantendo a sua autonomia e independência, a concepção é de mais valia em relação ao tratamento recebido.

Por outro lado, a estadia crítica prolongada, a ocorrência de óbito logo após a alta hospitalar ou a sobrevida marcada por sofrimento, dor, desespero, perda de autonomia, depressão e ansiedade, apontam para o fracasso do tratamento recebido.   

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Conclusão e mensagens práticas 

  • A admissão de idosos acima dos 80 anos em centros de terapia intensiva (CTIs) tem se tornado cada vez mais frequente.  
  • A idade cronológica, embora não seja isoladamente definidora de prognóstico, se associa ao incremento da fragilidade e mortalidade.  
  • A adequada alocação em tratamento intensivo, portanto, depende do conhecimento do status de saúde basal.  
  • As metas de tratamento devem ser trabalhadas precocemente, geralmente com o envolvimento do geriatra e, em condições especiais, dos anestesiologistas e cirurgiões, como em pré-operatórios de cirurgias de alto risco; e dos emergencistas e intensivistas, por ocasião do adoecimento agudo.  
  • A capacidade preditiva de prognóstico é limitada entre os idosos, especialmente na presença de fragilidade. Dessa forma, recomenda-se, aos casos duvidosos, uma prova de terapia intensiva plena, por não mais do que 2 a 5 dias, quando um balanço guiado por alvos pré-estabelecidos é realizado: na presença de melhora, segue-se com a ênfase no cuidado crítico. Nos casos de piora, discute-se a migração da ênfase de cuidados para a paliação.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Guidet B, Vallet H, Flaatten H, Joynt G, Bagshaw SM, Leaver SK, Beil M, Du B, Forte DN, Angus DC, Sviri S, de Lange D, Herridge MS, Jung C. The trajectory of very old critically ill patients. Intensive Care Med. 2024 Jan 18. DOI: 10.1007/s00134-023-07298-z. Epub ahead of print. PMID: 38236292.