Epidemiologia de TEP de alto risco no CTI

O diagnóstico de TEP é um exemplo bem estabelecido da aplicação do modelo Bayesiano, pautado em três níveis de diagnóstico.

Uma em cada 300 admissões em centros de terapia intensiva (CTIs) é motivada por tromboembolismo pulmonar (TEP), em um cenário de alta mortalidade, que pode atingir os 40%, especialmente quando há necessidade de ventilação mecânica (VM).  

A incidência de TEP na população geral é de 80 casos por 100.000 habitantes por ano. Entre os doentes críticos, 1,4% desenvolve TEP, com o dobro da incidência entre os neurocríticos e ultrapassando 20% em casos graves de covid-19.   

Veja também: Noradrenalina: você sabe qual dose está administrando?

Estudos de vigilância com ultrassonografia à beira do leito (POCUS) seriada em pacientes críticos assintomáticos demonstraram trombose venosa profunda (TVP) proximal em 10%. Entre os neurocríticos, protocolos de angiotomografía de tórax (angioTC) detectam TEP assintomática em 17,5%. A despeito do subdiagnóstico revelado por essas cifras, discute-se que casos não suspeitos, em geral, se associam a TEP subsegmentar e não trazem consequências clinicamente relevantes. Em contrapartida, apresentações graves geralmente impedem a documentação diagnóstica por impossibilitar o transporte seguro para a angioTC.   

Um dos dilemas enfrentados na prática cotidiana é a baixa taxa de confirmação de TEP entre casos suspeitos à angioTC (5%), combinada com a elevada prevalência de TEP não suspeito enquanto causa de óbito em estudos pós-mortem.   

TEP

Manifestações clínicas e fatores de risco  

A sintomatologia clássica incluiu dispneia súbita, dor torácica ventilatório-dependente e hemoptise, podendo estar associada à pré-síncope ou síncope. Todavia, o diagnóstico torna-se desafiador quando é causa subjacente de descompensação aguda de insuficiência cardíaca (IC), DPOC, insuficiência respiratória aguda, síncope, parada cardiorrespiratória (PCR) ou morte súbita.   

Os fatores de risco para TEP podem ser subdivididos, com base na força da associação, conforme expresso abaixo:  

Fatores de risco para tromboembolismo venoso (TEV) 
 

 

Fortes  

(OR > 10) 

  • Fratura em membro inferior 
  • Hospitalização por insuficiência cardíaca ou infarto agudo do miocárdio no último trimestre 
  • Pós-operatório de prótese de quadril ou joelho 
  • Trauma maior (incluindo o raquimedular) 
  • TEV prévio 
 

 

 

Moderados  

(OR: 2 a 9) 

  • Presença de acesso venoso central  
  • Infecções, como pneumonia e infecção do trato urinário  
  • Hemotransfusão  
  • Malignidades, principalmente as metastáticas 
  • Medicamentos: eritropoetina, terapia de reposição hormonal, anticoncepcionais orais, fertilização in vitro e quimioterapia 
  • Doenças autoimunes ou trombofilias  
  • Acidente vascular cerebral com paralisia  
  • Tromboflebite 
 

 

Fracos  

(OR < 2) 

  • Restrição ao leito > 3 dias  
  • Imobilidade prolongada  
  • Hipertensão arterial sistêmica 
  • Diabetes mellitus do tipo 2 
  • Idade avançada  
  • Cirurgias menores  
  • Obesidade ou gestação  
  • Cordões varicosos em membros inferiores 

Métodos profiláticos  

A profilaxia de TEV é prioritariamente farmacológica, com superioridade da heparina de baixo peso molecular (HBPM) em relação à heparina não fracionada (HNF). Entretanto, 20% dos casos de TVP se instalam na vigência de tromboprofilaxia. A profilaxia mecânica, por sua vez, é pautada na compressão pneumática intermitente, com eficácia inferior à farmacológica e sem evidências de benefício com a combinação de ambas modalidades, sendo o seu espaço as contraindicações ao método farmacológico.   

A trilha do diagnóstico   

O diagnóstico de TEP é um exemplo bem estabelecido da aplicação do modelo Bayesiano, pautado em três níveis de diagnóstico: clínico, laboratorial e radiológico. 

Algoritmo diagnóstico de TEP 
Predição da probabilidade pré-teste com base em dados clínicos 
  • Escore de Geneva revisado 
  • Escore de Wells para TEP 
  • Escore YEARS 
  • Escore 4PEP 
  • Os casos de risco baixo ou moderado para TEP se beneficiam da dosagem do D-dímero, dispensando os exames radiológicos quando abaixo do limite superior da normalidade.  
  • O ponto de corte habitual é de 500 ng/mL, com a possibilidade de refinamento da acurácia a partir dos 50 anos com a fórmula: 

                    Limite superior da normalidade do D-dímero = Idade x 10 (ng/mL)  

  • Os casos de risco alto ou com D-dímero positivo devem ser investigados com a angioTC.   

A performance do D-dímero no ambiente do CTI é limitada em razão do processo inflamatório subjacente à doença crítica, traumatismo, malignidades e condições pós-operatórias, entre outros, que contribuem para a sua elevação não relacionada ao TEP, perdendo em especificidade. Outro contraponto é o de que, entre os pacientes graves, frequentemente há inaptidão ao transporte seguro para a sala de tomografia, dificultando o diagnóstico radiológico definitivo.   

Dessa forma, uma ferramenta útil e cada vez mais utilizada para lidar com essa problemática é o POCUS. No choque circulatório obstrutivo relacionado ao TEP, espera-se a sobrecarga aguda do ventrículo direito (VD), sendo que esse elemento, no cenário adequado, torna-se um alicerce para a tomada de decisão quanto à trombólise.  Ressalta-se que, entre os paciente hemodinamicamente estáveis, o valor preditivo negativo do POCUS é baixo.  

Quais dados obtidos ao POCUS fortalecem o diagnóstico de TEP?  

  • Presença de TVP ou de trombo em câmaras direitas ou tronco da artéria pulmonar;  
  • Sobrecarga pressórica do VD inferida por relação entre VD/VE > 0,6, diâmetro diastólico do VD > 4,1 cm, dissincronia septal, achatamento do septo interventricular (sinal do D) e sinal de McConnell. 
  • Disfunção sistólica do VD apontada por TAPSE < 17 mm, onda s’ < 9,5 cm/s e FAC < 35%.  
  • Evidências de aumento da resistência vascular pulmonar (RVP), como a indentação no fluxo transvalvar pulmonar e o tempo limitado de aceleração na via de saída do VD (< 100 ms); 
  • Aumento da pressão venosa central (PVC) inferido por dilatação e perda da fasicidade respiratória da veia cava inferior e reversão do fluxo sistólico nas veias hepáticas.

Os entusiastas do POCUS devem estar atentos ao fato de que a dilatação isolada do VD é comum entre doentes críticos, especialmente na sequência da recuperação da circulação espontânea (RCE) entre pacientes ressuscitados de PCR de qualquer natureza, não sendo um sinal inequívoco de TEP.    

Leia ainda: Manejo de problemas neurológicos em crianças sob VMID em domicílio

A estratificação do prognóstico  

A estratificação prognóstica do TEP proposta pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) tem como base a avaliação do risco de mortalidade em 30 dias:  

Risco de mortalidade estimada em 30 dias (ESC) 
Parâmetros  Baixo (≤ 3,5%)  Intermediário (3,5 a 24,5%) 

     Baixo        ou      Alto  

Alto (> 24,5%) 
Instabilidade hemodinâmica¹  Ausente  Presente 
PESI²  I ou II  III, IV ou V 
sPESI³  0  ≥ 1 
Disfunção de VD  Ausente  Presente ou ausente  Presente 
Elevação de troponina  Ausente  Presente ou ausente  Presente 
Alocação de tratamento sugerida  Ambulatorial  Enfermaria  Terapia intensiva 

Considerar trombólise, especialmente no alto risco.  

Instabilidade hemodinâmica (1): pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg, associada à hipoperfusão orgânica e acidose láctica, persistente a despeito de expansão volêmica e com demanda por terapia vasopressora; ou queda da PAS > 40 mmHg por período superior a 15 min e não explicada por hipovolemia, arritmia ou sepse. PESI (2): Índice de gravidade de embolia pulmonar. sPESI (3): índice simplificado de gravidade de embolia pulmonar.  

O tratamento específico  

A anticoagulação é a base do tratamento do TEP, permitindo que o sistema fibrinolítico endógeno recanalize os vasos pulmonares. Os pacientes estáveis e com função renal preservada devem ser manejados com HBPM, como a enoxaparina, em decorrência da maior comodidade terapêutica, efeito terapêutico mais consistente e maior segurança em relação aos sangramentos. Entretanto, diante de instabilidade clínica, a escolha é pela HNF, respaldada pelo menor tempo de meia-vida (4 horas), ampla disponibilidade do antídoto (protamina) e praticidade de interrupções diante de procedimentos ou sangramentos.   

O filtro de veia cava inferior (FVCI) diminui o risco de TEP, mas aumenta o risco de TVP, não trazendo impactos sobre a mortalidade. Portanto, a sua indicação se limita à existência de contraindicação absoluta à anticoagulação ou previsão da necessidade de interrupções frequentes.  

A trombólise está indicada no grupo de alto risco, com choque obstrutivo, correlacionando-se a maior rapidez na reperfusão pulmonar e recuperação dos parâmetros hemodinâmicos. A droga de eleição é a alteplase: 100 mg em 2 horas (choque obstrutivo) ou 50 mg em 2 minutos (PCR), sendo que no último cenário a dose pode ser repetida em 15 minutos na ausência de RCE.   

As contraindicações absolutas ao trombolítico incluem acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico em qualquer data ou AVC isquêmico no último semestre; malignidades em sistema nervoso central; cirurgias maiores ou traumatismo crânio-encefálico no último trimestre; diátese hemorrágica ou sangramento ativo. A gestação é considerada uma contraindicação relativa.    

Nos indivíduos com risco intermediário alto, a evidência para a fibrinólise é conflitante, motivo pelo qual as principais diretrizes não a indicam. O estudo PEITHO demonstrou redução significativa do desfecho combinado de descompensação hemodinâmica ou mortalidade. No estudo PEITHO-3, a dose de alteplase de 0,6 mg/kg, com teto de 50 mg não se associou à redução de mortalidade em 30 dias, além de aumentar o risco de sangramentos, incluindo intracranianos, especialmente entre idosos com mais de 75 anos.   

Tratamento cirúrgico e endovascular  

A embolectomia cirúrgica é uma conduta de exceção, uma vez que se associa à expressiva morbimortalidade, sendo reservada para a falha ou contraindicação à fibrinólise. Há tendência de aumento da sobrevida hospitalar e redução da recorrência de TEP, sendo indicada exclusivamente para trombos proximais ou intracardíacos, com menor taxa de sangramento do que a fibrinólise, embora a mortalidade hospitalar possa alcançar os 6% e a mortalidade em 1 ano se aproxima de 25%. 

A reperfusão endovascular guiada por cateter é menos invasiva e aplicável diante de falha terapêutica ou contraindicação à fibrinólise sistêmica. A fibrinólise in situ, associada à maceração, fragmentação e aspiração do trombo, aumenta a segurança do procedimento e otimiza a dissolução do coágulo.  

Tratamento suportivo 

O tratamento suportivo consiste em oxigenoterapia, com destaque para o cateter nasal, máscara facial e cânula nasal de alto fluxo, com alvo de SpO2 entre 92 e 96%. A pressão positiva deve ser evitada, uma vez que agrava a fisiologia do VD. Entretanto, a ventilação mecânica (VM) se faz necessária diante de PCR, encefalopatia grave, hipoxemia refratária ou hipoventilação alveolar. Uma vez instituída a VM, a pressão de platô deve ser mais baixa (próxima aos 10 cm de H2O), a PEEP minimizada e evitada a hipercapnia, pois esta agrava a vasoconstrição da artéria pulmonar.   

A expansão volêmica tem efeito limitado nos desfechos hemodinâmicos, pois agrega sobrecarga volêmica à pressórica, aumentando a pressão diastólica final do VD e reduzindo o débito cardíaco. Pequenos volumes de cristaloides, não mais do que 500 mL, podem ser úteis na presença de hipotensão arterial sistêmica sobreposta à PVC baixa (< 15 mmHg). Entre pacientes estáveis, a sobredistensão do VD pode ser contraposta com sucesso pela administração de furosemida, fato que corrobora a necessidade de individualização das condutas.   

As catecolaminas são adjuvantes importantes na manutenção da perfusão das coronárias do VD, especialmente a noradrenalina e a dobutamina, com a ressalva de se evitar doses elevadas (> 10 mcg/kg/min) de dobutamina, para não amplificar o trabalho mecânico do VD. A vasopressina (0,01 a 0,03 U/min) apresenta como potencial benefício adicional à vasodilatação pulmonar, reduzindo a RVP e, por conseguinte, a pós-carga do VD.   

A vasodilatação pulmonar, em especial com o emprego do óxido nítrico inalatório, foi avaliada em pequenos estudos, com dados inconsistentes, não sendo rotineiramente indicada.  

ECMO e dispositivos de assistência ventricular  

A refratariedade às medidas suportivas anteriormente descritas pode ser endereçada por meio circulação extracorpórea por membrana de oxigenação (ECMO) veno-arterial ou com a utilização de dispositivos temporários de assistência ao VD (Impella®), que esbarram nos custos, disponibilidade e expertise das equipes assistenciais. Tratam-se de pontes até a reabertura da circulação pulmonar e podem ser combinadas à embolização cirúrgica ou endovascular.  

Saiba mais: Sintomas autorrelatados por pacientes internados em terapia intensiva

Conclusão e mensagens práticas  

  • O tromboembolismo pulmonar (TEP) frequentemente ocorre como complicação de outras doenças críticas; entretanto, quando é a causa da admissão em centro de terapia intensiva (CTI), relaciona-se a pior prognóstico.  
  • As apresentações clínicas de TEP são diversas, valendo a máxima de que erramos muito quando pensamos e quando não pensamos nesse diagnóstico. 
  • Os principais fatores de risco para TEP, com odds ratio (OR) superior a 10, incluem fratura em membro inferior, pós-operatório de prótese de quadril ou joelho, hospitalização por insuficiência cardíaca ou infarto pulmonar nos últimos 3 meses, trauma maior (incluindo o raquimedular) e tromboembolismo venoso (TEV) prévio.  
  • O modelo Bayesiano deve ser empregado quando há suspeita de TEP, valendo-se da estratificação da probabilidade pré-teste por meio de escores validados, como Wells-TEP, Geneva revisado, YEARS e 4PEP.  
  • O d-dímero é válido para a exclusão quando abaixo do limite inferior da normalidade entre os indivíduos com baixo ou moderado risco para TEP. O ponto de corte do D-dímero é mais acurado quando ajustado para a idade a partir dos 50 anos (idade x 10).  
  • O método diagnóstico de eleição para TEP é a angiotomografia de tórax (angioTC), mas que em casos graves traz o risco de transporte para a sala de tomografia.  
  • A ultrassonografia à beira leito (POCUS) traz a oportunidade de documentação de TVP bem como identificação de sinais de sobrecarga do ventrículo direito (VD), ganhando cada vez mais notoriedade na prática cotidiana, contribuindo para a tomada de decisão quanto à trombólise entre os pacientes com choque obstrutivo.  
  • A anticoagulação é o grande pilar terapêutico, viabilizando a dissolução do coágulo pelo sistema fibrinolítico endógeno.  

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Millington SJ, Aissaoui N, Bowcock E, Brodie D, Burns KEA, Douflé G, Haddad F, Lahm T, Piazza G, Sanchez O, Savale L, Vieillard-Baron A. High and intermediate risk pulmonary embolism in the ICU. Intensive Care Med. 2023 Dec 19. DOI: 10.1007/s00134-023-07275-6. Epub ahead of print. PMID: 38112771. 

Tags